Foto: Montagem
Criados longe dos holofotes da grande mídia e sem respaldo de grandes corporações, os veículos de comunicação independentes de Alagoas não apenas desafiam os padrões tradicionais do jornalismo, como também evidenciam um cenário de liderança feminina. Iniciativas como Olhos Jornalismo, Agência Tatu, Mídia Caeté e Revista Alagoana são conduzidas por mulheres que ocupam espaços de poder e decisão, fortalecendo uma nova forma de fazer jornalismo no estado.
Em entrevista ao Eufêmea, as jornalistas Graziela França (Agência Tatu), Géssika Costa (Olhos Jornalismo) e Lícia Souto (Revista Alagoana) refletem sobre os desafios, os impactos e as motivações por trás da gestão de um veículo independente.
A força da diversidade nas redações
Dados do Projeto Oasis — estudo realizado pela SembraMedia em parceria com a Associação de Jornalismo Digital (Ajor) — revelam que mais de 80% dos 164 veículos nativos digitais ativos no Brasil contam com ao menos uma mulher entre os fundadores.

Para Graziela França, cofundadora e diretora de conteúdo da Agência Tatu, a presença de mulheres na linha de frente do jornalismo independente “representa força, resiliência e um olhar diferenciado sobre pautas frequentemente negligenciadas”.
Para a jornalista e fundadora do Olhos Jornalismo, Géssika Costa, a pluralidade nas narrativas só é possível com diversidade também dentro das redações. “É fundamental termos mulheres negras, periféricas, LGBTQIA+ ocupando esses espaços. O jornalismo independente tem essa potência, mas a diversidade precisa ser real, especialmente nos cargos de decisão”, reforça Géssika Costa.

Machismo ainda é obstáculo
Apesar dos avanços, o machismo ainda é uma realidade no mercado. Para as jornalistas, ele aparece de forma velada, sobretudo em negociações e reuniões com empresas e parceiros.
“Percebo que em reuniões em que estou sozinha, há sempre um certo receio inicial. É como se a minha capacidade de negociar fosse colocada em dúvida”, relata Lícia Souto, da Revista Alagoana.

Em uma ocasião recente, ao apresentar sua empresa, ouviu de um empresário: “Mas como você conseguiu isso tudo? Foi seu pai que ajudou?” — uma pergunta que, segundo ela, revela um machismo ainda presente na sociedade.
No caso de Géssika, o machismo se soma ao racismo. Mulher negra e com cabelo crespo, ela afirma que já foi confundida com manifestante durante uma cobertura jornalística. “Um policial perguntou se eu era líder do protesto. Por causa da minha aparência, ele não conseguia me enxergar como jornalista”, lembra.
Sustentabilidade financeira: o maior desafio
Manter um veículo independente financeiramente sustentável é uma das dificuldades apontadas por todas as entrevistadas. Graziela destaca que, no início, a falta de experiência em gestão era um desafio enorme. “Com mentorias e formações, fomos aprendendo a administrar. Mas ainda é uma batalha diária garantir os recursos necessários para manter o projeto de pé”, diz.
Para Lícia, o problema também está na forma como o jornalismo independente é percebido: “Muitos enxergam como um trabalho voluntário, sem estrutura. Isso compromete a credibilidade e a sustentabilidade financeira.” Ela ainda aponta que o machismo afeta diretamente o acesso a oportunidades.
“Quando sou eu que estou à frente das negociações, percebo que meu gênero e minha idade pesam. Se fosse um homem, especialmente um homem hétero, talvez o caminho fosse mais fácil”, afirma.
Carga mental e conciliação de papéis
A sobrecarga de tarefas é uma constante na rotina dessas mulheres. Graziela conta que tenta se organizar ao máximo, mas reconhece que a conciliação entre trabalho, vida pessoal e gestão do veículo é desafiadora.
Já Lícia, que também lidera uma agência de marketing, afirma que aprendeu a impor limites: “Depois de um câncer em 2022, mudei minha relação com o trabalho. Ele é importante, mas não é tudo. Aprendi a respeitar meu tempo.”
No Olhos Jornalismo, a equipe optou por reduzir o ritmo de produção para preservar a saúde mental. “Todo mundo tem outro trabalho. Decidimos desacelerar para manter o projeto vivo sem esgotar ninguém”, explica Géssika.
Por que continuar?
Apesar das dificuldades, as jornalistas encontram motivação no impacto social do trabalho que desenvolvem.
“O retorno do nosso público dizendo que precisamos continuar nos motiva. O jornalismo independente precisa existir — ele dá voz a temas e pessoas que geralmente são esquecidos”, diz Géssika.
Graziela reforça esse papel: “Algumas das nossas investigações já provocaram mudanças reais, servindo de base para cobranças a órgãos públicos. Isso nos mostra que estamos no caminho certo.”
Para Lícia, ver os conteúdos ganharem vida é o que mais emociona. “Mesmo nos momentos em que a gestão me afasta da produção, quando vejo as histórias no ar, sei que estamos fazendo algo importante.”
A resistência é diária — e também coletiva. “O que começamos ainda na faculdade virou realidade. Já chegamos até aqui e vamos continuar crescendo”, conclui Lícia.