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Luz, câmera, mulheres: cineastas falam sobre desafios no mercado e do impacto da pandemia

Foto: Nivaldo Vasconcelos

A Sétima Arte poderia estar em festa hoje para lembrar o Dia do Cinema Brasileiro. Não haverá! A pandemia do novo coronavírus eclodiu, afetou a vida no Planeta e obrigou ao fechamento de praticamente todas as salas de cinema do país desde março, quando foi decretado o isolamento social. Esta semana foi vez da Academia de Hollywood anunciar o adiamento da edição 2021 da cerimônia do Oscar de fevereiro para 25 de abril.

Desafio gigantesco ainda mais para o público feminino numa área dominada pelos homens. Para marcar a data e mostrar como cineastas alagoanas estão encarando esse momento, o Eufemea ouviu Larissa Lisboa e Alice Jardim que falam da carreira, dos projetos futuros, de sororidade, de se dar as mãos e o que representa para elas a cinematografia.

“Trabalho com cinema desde 2009, realizei filmes antes disso, mas foi em 2009 que me voluntariei para somar junto à Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-metragistas de Alagoas (ABDeC-AL). O meu interesse pelo audiovisual alagoano tomou corpo quando escolhi fazer um catálogo sobre a produção audiovisual alagoana em 2007, que apresentei como meu Trabalho de Conclusão de Curso  em 2008”, conta Larissa.

Larissa lembra que tudo começou no curso de Comunicação Social – jornalismo entre 2003 e 2008 na Ufal. “Foi através de um dos professores do curso, Almir Guilhermino, que fiquei sabendo da existência do livro Panorama do Cinema Alagoano, de Elinaldo Barros, uma obra que não só me permitiu conhecer sobre os filmes realizados em Alagoas entre 1921 e 1982 quando li a sua primeira edição publicada em 1983, como também um estímulo e inspiração para a pesquisa sobre a produção audiovisual alagoana que comecei a desenvolver em 2007 e desenvolvo até hoje”, relata.

Larissa Lisboa: “São inúmeras dificuldades, mas preciso reconhecer que sou uma pessoa privilegiada, pois tenho recursos para realizar meus filmes”.

Foto: Renata Baracho

Entre 2009 e 2011, ela conta que teve o primeiro ciclo onde se viu como documentarista. E em 2012 começou a atuar no Sesc Alagoas como analista de audiovisual. “Uma experiência que me deu e me dá muitas oportunidades e aprendizados. Passei a cuidar de curadoria e exibição de filmes, planejamento e produção de ações formativas. Acessei e acesso muito do que aprendi nas oficinas e cursos que estive como aluna, para planejar, propor, acompanhar e ministrar cursos e oficinas em audiovisual”, destaca a cineasta.

Em 2015, junto a Amanda Duarte, diz a cineasta, “lancei o site Alagoar (www.alagoar.com.br), em que junto a colaborações tem sido possível reunir informações sobre filmes, dialogar sobre as produções audiovisuais alagoanas, disponibilizar informações sobre profissionais, cineclubes, produtoras, curadorias, trabalhos acadêmicos, críticas, roteiros, entre outros”.

“Vários momentos pensei em desistir”

Nem tudo, porém, é ‘um roteiro feliz’ na vida de uma cineasta. Aliás, muitas são as barreiras que chegam até a fazer quem ama a profissão a pensar em desistir.

“Vários momentos pensei em desistir. Em parte eu desisti de produzir por alguns anos, mas hoje vejo que fui até além de desistir, porque também reconheço que negligenciei o que estava produzindo, por seguir a visão do que deveria ser visto como um filme (documentário ou ficção) e não me permitir a ver o que produzia como filmes híbridos. E por acreditar que para ser uma realizadora precisava ser convidada ou ter os meus trabalhos reconhecidos pelos outros ou por editais”, diz Larissa.

Entre as barreiras o fator gênero fala alto. Ser mulher e fazer cinema não é das tarefas mais fáceis. “São inúmeras dificuldades, mas preciso reconhecer que sou uma pessoa privilegiada, pois tenho recursos para realizar meus filmes, e mesmo quando não os tive houve quem me ajudou a ter acesso a equipamentos”, afirma Larissa.

Larissa: “Diria para as mulheres, pessoas trans e não binárias que elas são necessárias no mundo do cinema”

“Além das dificuldades físicas e estruturais de acesso à informação, a formação e aos equipamentos para realização audiovisual, existe também a questão de identificação, como uma mulher negra, indígena, uma pessoa trans, não binária que não vê outras mulheres negras, indígenas, uma pessoa trans, não binária atuando na produção audiovisual alagoana vai compreender que ela pode ser uma realizadora ou qualquer outra função da produção audiovisual que ela se identifique”, pontua Larissa.

Às mulheres que sonham em seguir a carreira de cineastas, ela manda a mensagem: “Diria para as mulheres, pessoas trans e não binárias que elas são necessárias no mundo do cinema, mais do o que o setor as reconhecerá e além das oportunidades que ele dá e permite”. 

Quanto aos desafios encarados principalmente nesse da pandemia, Larissa entende que essa é “uma questão que pode ser respondida de forma diferente dependendo do dia em que se leia durante a pandemia e pós-pandemia. Existem inúmeras recomendações sobre manutenção de filmagens na pandemia e pós-pandemia, mas não tenho acompanhado se estão sendo feitas e como estão sendo feitas filmagens”, diz.

E afirma: “Vi repasse de que os projetos que foram contemplados no Edital do Audiovisual de Maceió 2019, e receberam os recursos, teriam um adiamento do prazo devido à suspensão das ações por recomendação da OMS diante da pandemia de Covid-19. Não tenho conseguido acompanhar a situação da Agência Nacional de Cinema, mas não tem como não sentir que há uma desconstrução sendo praticada diante da pública e recorrente desvalorização da cultura pelo presidente Jair Bolsonaro”.                                   

Da paixão pela fotografia ao cinema

A alagoana Alice Jardim mora em São Paulo há 5 anos, onde trabalha com cinema. Dona de um vasto currículo, ela falou com o Eufemea sobre sua atuação.

“Trabalho com cinema desde 2008. Terminei o curso de Arquitetura e Urbanismo (Ufal) no final de 2007. Meu TCC foi um vídeo e a partir desse trabalho eu fui conhecendo mais pessoas e procurando cursos complementares na área de comunicação e artes visuais. Em 2008 eu retornei para o grupo de pesquisa que eu já fazia parte, grupo Estudos da Paisagem, para fazer o material fotográfico e de vídeo de algumas pesquisas que estavam em andamento”, ela conta.

A paixão pela fotografia, diz Alice, “foi um grande fator que me fez começar a pensar no audiovisual, uma vontade de criar, de compartilhar o olhar. Teve vezes que eu fazia uma foto e para mim já não estava sendo suficiente, eu estava buscando algo mais ali. Dentro do meu trabalho no cinema sempre dialoguei muito com as artes visuais”.

No começo, ela se encantou pela ideia do documentário. “Fazia as experimentações visuais com a câmera e aí com o tempo eu fui entendendo melhor como podia juntar as duas coisas. E aí o primeiro trabalho que fiz com equipe, maior, foi o Maré Viva, que é uma ficção. Foi um processo de aprendizagem enorme com esse filme, porque ele tem essa mistura experimental que eu trazia da videoarte, mas também da cidade, da arquitetura. Outro filme que para mim marcou bastante foi o Rua das Árvores, o primeiro de um edital que eu ganhei verba, enfim, são vários”, pontua.

Sobre desistir da profissão, Alice diz que nunca pensou. “Sempre alternei muito entre o cinema, a fotografia documental e o design gráfico. Quando vim para São Paulo, em 2015, vim pensando em estar mais perto desse lugar das artes visuais e conhecer mais sobre o cinema, mas eu também estava muito aberta em trabalhar mais com o design gráfico digital que é o que hoje estou fazendo”.

Conta que ainda fotografa.  “Tenho feito pouquíssimos trabalhos em vídeo, mas o principal, que gera minha renda, é o designer gráfico. Estou sempre encontrando caminhos de trabalhar dentro da área que eu gosto, mesmo que às vezes eu tenha que adaptar um pouco algum pedacinho dela.

“Aqui em São Paulo eu fiz uma pós em cinema, vídeo e fotografia: criação em multimeios. Foi nesse período também que eu conheci o documentário interativo e iniciei com amigos o Crop Coletivo, que é  grupo que estuda narrativas interativas para a web”, ela lembra.

“É preciso estar junto, se apoiando”

Ser mulher e cineasta para Alice Jardim foi um privilégio. “Tive o privilégio de conhecer mulheres muito importantes na minha vida, não só da minha família, mas no caminho que me inspiraram no cinema. No cineclube Ideário e Tela Tudo, por exemplo, a gente ia muito se apoiando, se ajudando e trazendo coisas coletivas. Sempre tive o privilégio de estar perto de pessoas que me inspiravam muito e que me davam essa abertura, como Nataska Conrado, Lis Paim, Nadja Rocha, Larissa Lisboa, entre outras…”, ela afirma e segue a narrativa.

“Então eu nunca me questionei muito sobre essa dificuldade de estar produzindo. Eu acho que metia muito a cara mesmo e com o passar dos anos eu fui percebendo o quanto foi importante esse apoio que a gente se dava e o quanto era importante apoiar outras mulheres para chegar mais perto e entender que é possível estar em posições dentro da equipe mais de direção ou outras posições que normalmente são mais ocupadas por homens”, diz Alice.

Alice fala da importância do apoio entre mulheres, mas diz nunca ter sentido problema em estar no mundo cinematográfico e ser mulher.

“Eu nunca senti essa dificuldade na pele, não que é eu tenha percebido, mas cada vez mais que eu fui entendo, principalmente depois que vim para São Paulo e fui vendo um pouco mais dentro do mercado e entendendo outros universos, o quanto que é importante esse apoio. Fico muito feliz em ver que essa discussão está crescendo e que as mulheres estão entendendo cada vez mais que não só precisam se sentir mais à vontade de ir para onde querem, mas de apoiar as outras. Acho que a sororidade é uma coisa muito especial”.
“As mulheres têm que pensar sobre isso: quantas mulheres estão na minha equipe, quem eu posso trazer”, diz Alice Jardim sobre papel da mulher. Foto: Flávia Correia

A cineasta acredita que “a nossa geração ou até antes aprendeu essa coisa de sororidade e acho que para ter mais mulheres no cinema as mulheres têm que pensar sobre isso: quantas mulheres estão na minha equipe, quem eu posso trazer, quem precisa estar junto e se apoiando também”.

Sobre a pandemia do coronavírus, ela diz a afetou “diretamente por conta de um trabalho diferente que eu estava fazendo um pouco antes de entrar na quarentena. Eu passei numa seleção do Sesc São Paulo para ser arte-educadora,  do espaço de tecnologia e arte, e estava muito feliz porque era um espaço de oficinas, mas só fui dois dias e depois entrou em quarentena. Passei os três primeiros meses que seriam experimentais em casa. Eles não estavam fazendo trabalho remoto, mas eu gerei alguns conteúdos para redes sociais e como o Sesc não tem opção de volta, optaram por não renovar o contrato que era temporário”, diz.

“Me afetou porque era uma vaga que eu queria muito. Ter essa possibilidade de me reconectar com os trabalhos artísticos, porque aqui fiquei muito nessa de procurar renda, ver onde me encaixava e era uma oportunidade. Nos cinco anos aqui em São Paulo, a maior parte do meu trabalho foi em casa, em home office. Quando achei um trabalho na rua tive que voltar para casa”, confessa Alice, ao dizer que quando tudo isso passar planeja primeiro vir a Maceió, tomar um banho de mar e abraçar família e amigos que aqui deixou.

Niviane Rodrigues

Niviane Rodrigues

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