Dança, música e o aplicativo Hand Talk como auxiliares durante o trabalho de parto. Tudo junto e o resultado: menos dor, ansiedade e estresse num momento sublime, porém de muita tensão para a mulher e o nascimento do bebê. A música e a dança já fazem parte do trabalho da médica ginecologista e obstetra Ianara Lemos. O aplicativo surgiu durante atendimento a uma paciente surda e se tornou ferramenta de comunicação entre médica e gestante.
“A dança é considerada um método não-farmacológico para alívio da dor durante o trabalho de parto. O que se pretende ao usar esse recurso é retirar ou diminuir o foco na dor causada pelas contrações durante o trabalho de parto. Além disso, a dança é um exercício prazeroso, e ao sentirmos prazer nosso organismo libera um hormônio chamado endorfina que é uma analgésico natural, e aí mais um benefício para a parturiente”, explica Ianara, formada pela Ufal (Universidade Federal de Alagoas), com residência médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo Hospital Universitário (HUPAA/Ufal), atualmente obstetra do Hospital Geral Santo Antônio e Hospital da Mulher de Alagoas.
A médica ressalta ainda que “outro ponto importante é que os movimentos ajudam a relaxar e alongar os ligamentos e músculos da pelve, favorecendo, assim, na evolução do trabalho de parto, ao auxiliar os movimentos do bebê no canal de parto necessários para o nascimento, chamados de mecanismo de parto. Somado a isso, temos a adoção da posição vertical, que pela ação da gravidade, auxilia na descida do bebê”, ela diz.
O que o que parece uma mera brincadeira ou uma distração, ressalta a médica, “tem fundamento científico e é de grande auxílio durante o trabalho de parto. Além de proporcionar uma sensação de bem-estar, acolhimento e uma experiência positiva com o trabalho de parto e parto vaginal”.
É durante as visitas e momentos de exame da gestante e do bebê e até mesmo antes disso, ainda na admissão da maternidade, que a profissional conversa com as pacientes para explicar a importância da dança para um parto mais tranquilo. Mas a decisão é da gestante. “Eu reforço a importância de movimentar durante o trabalho. Explico os benefícios, o que ela pode sentir e o que possivelmente pode acontecer, a partir daí a gestante decide se quer ou não seguir o conselho. A decisão é dela, nada é imposto. O encorajamento é constante”.
Momento compartilhado
O momento é compartilhado com outras gestantes. “No pré-parto temos tanto um ambiente individual como um ambiente comum a todas, é nesse ambiente comum que tento reunir àquelas que concordam em dançar. Muitas ficam acanhadas, outras ficam resistentes, outras aceitam na primeira tentativa. Às vezes começamos com uma só e a curiosidade vai atraindo as demais. E às vezes todas querem ficar deitadas ou no seu canto individual. Faz parte também”, conta Ianara.
Quem inicia são as médicas, que incentivam as parturientes e de repente, todas estão dançando e se ajudando. “Geralmente eu e minha dupla de plantão (doutora Séfora Fragoso) que puxamos a dança. No começo éramos só nós duas, mas depois a equipe de enfermagem acabou se contagiando. Não precisa ser nenhum movimento elaborado, o simples ‘balançar para lá e para cá’ é o suficiente, mas se elas quiserem agachar ou mesmo dançar um forró, a gente dança também!”, diz a médica.
“Não adianta a gente só ficar dizendo o que fazer, é importante participação de todos: gestantes, médicos, enfermeiros, acompanhantes e quem mais quiser ajudar. Deixamos a escolha da música a critério das pacientes, quando elas não escolhem uso uma playlist com músicas selecionadas, umas mais calmas outras mais alegres. Esse momento não é apenas um simples momento de distração, é uma forma de acolher, de apoiar, de ajudar as parturientes na percepção de que elas não estão sozinhas no momento difícil que é o trabalho de parto. Elas têm a nós da equipe e seu acompanhante ao lado delas”
Aplicativos a serviço da medicina
Num dos inúmeros partos que já fez usando música e dança, a médica relata que foi surpreendida com a informação de que se tratava de uma paciente surda A solução foi ‘apelar’ para a tecnologia. “Quando cheguei ao plantão essa paciente já estava internada, em trabalho de parto. Ao ir no seu leito fui comunicada pela acompanhante que a paciente era surda”, conta Ianara.
E segue. “Na hora eu pensei: e agora, como ela vai me entender e eu vou entender ela? Sua acompanhante, que era sua mãe, tentava me ajudar com a comunicação, mas ainda sim não era totalmente eficiente. Eu falava pausadamente, para que ela lê-se os meus lábios, mas ainda assim eu tinha a dificuldade em receber as respostas dela”.
“Então, tive a lembrança desse aplicativo, o Hand Talk, que inclusive foi criado por uma alagoano. Baixei o aplicativo e passamos a nos comunicar melhor por ele. Nele eu podia escrever tudo o que eu precisava para saber se ela estava bem, o que estava sentindo e fornecer explicações também… e ela podia ler a mensagem ou ver os sinais da linguagem de libras, e me respondia por ele e tirar suas dúvidas. Assim a gente conseguiu fluir bem. E ficou tudo mais simples”, relata Ianara Lemos.
Essa foi a primeira vez que a médica passou por situação como essa, mas ela considera que aplicativos ajudam e muito. “Nunca tinha passado por situação semelhante. Já havia lidado com pacientes com alguma deficiência, mas não com surdez e mudez. Eu conheci o aplicativo em uma reportagem na televisão e achei muito interessante. Na época eu ainda era estudante de medicina e o aplicativo me chamou atenção justamente por ser uma ferramenta que poderia me auxiliar na comunicação quando eu tivesse contato com algum paciente com esse tipo de necessidade, já que eu não sei Libras. De algum modo essa informação ficou gravada na minha memória e no momento que realmente eu precisei eu consegui lembrar. Ainda bem, né!”, ela diz.
E considera que outros aplicativos podem auxiliar a medicina num momento como esse. “Sim, com certeza. Tudo que puder auxiliar e ajudar na criação do vínculo médico/equipe-paciente é sempre bem-vindo sem dúvida alguma. Já me deparei, por exemplo, com a situação em que o paciente era analfabeto e todos da família também era, e então precisava elaborar uma forma para que ficasse entendido como deveria ser tomada determinada medicação para que o tratamento fosse feito de forma correta”, conta Ianara.
“Não adianta eu entregar a receita e pronto, é preciso saber se realmente ficou entendido como se usa a medicação, não posso confiar somente que escrever em um papel será suficiente. Numa situação como essa não era. Naquela época não se tinha tanto acesso a smartphones e toda aplicabilidade e facilidade que os aplicativos promovem, hoje temos a tecnologia a nosso favor. Sempre podemos e devemos melhorar a acessibilidade”, diz.
Demissão e pedido de apoio
Quanto a Ana Carolina Mazoni Vasconcelos, de 22 anos, a gestante surda e que levou a médica a estrear no mundo do Hang Talk, está grávida de quatro meses do segundo filho. O primeiro filho, Pietro, tem sete meses. O marido foi demitido durante a pandemia, o pai dela vive de ‘bico’ e a mãe, Andreia Mazoni que ajuda a tomar conta da criança, é dona de casa. É lá que ela se socorre para ajuda não apenas nos cuidados com a gestação, mas alimentar também. O que tem em casa, a mãe Andreia divide com a filha nesse momento em que milhares de brasileiros enfrentam desemprego e fome.
Ana, que foi mãe aos 21 anos, e é a única surda entre três irmãos, segundo a mãe por causa de uma rubéola, também precisa de acompanhamento médico. A mãe conta que por causa da pandemia ela não tem encontrado assistência nos postos para fazer pré-natal.