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De porta em porta: escolas usam mototaxistas para levar conteúdo a alunos que não têm internet

Carnaubal é uma cidade do Ceará, localizada a 328 quilômetros da capital, Fortaleza. Tem pouco mais de 17.600 habitantes e sua economia é baseada na agricultura. Com a chegada da pandemia do novo coronavírus e o decreto de isolamento social, que levou ao fechamento das unidades de ensino, professores da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Antônio Raimundo de Melo encontraram uma saída para levar aos estudantes que não têm acesso à internet o conteúdo didático e assim proporcionarem o ensino-aprendizagem nesse período de distanciamento social.

 É com ajuda de mototaxistas que as atividades impressas chegam à casa dos estudantes. Tudo dentro das normas de segurança para evitar a disseminação do coronavírus.

O Eufemea conversou com Mahra Danyelly Pinto Farias, uma das coordenadoras da escola, que fala sobre como surgiu a iniciativa e o resultados do projeto, batizado de Delivery Armelo.

 “Desde o mês de março o Ceará suspendeu as aulas presencias por conta do Covid-19. E nós da EEMTI Antônio Raimundo de Melo, em Carnaubal, pensando em atingir todos os alunos, usamos algumas estratégias. A educação remota (aulas virtuais, TDs digitais, redes sociais) nos dá uma gama de alternativas de chegar aos estudantes. E o que não tem acesso à internet? Pensamos então na entrega de material de forma impressa, já que muitos dos nossos alunos não têm acesso à internet, ou têm conexão de baixa qualidade e/ou não possuem celulares compatíveis aos aplicativos ou moram muito longe da sede da nossa cidade”, conta Mahra, que trabalha na escola há 10 anos.

Estava lançada a ideia. “Mobilizamos o corpo docente para a elaboração de um material impresso instrucional baseado no livro didático e no plano de ensino; com atividades contextualizadas, indicando o conteúdo e as páginas; com orientações que desse todo o suporte para os nossos educandos, dicas, gravuras, mapas para que o aluno não possa perder o conteúdo. As atividades são todas organizadas por áreas de conhecimento”, diz a educadora, ao destacar: “Nossa escola é uma equipe que acredita na educação”.

Segundo ela, “são vários colaboradores para a efetiva entrega das atividades domiciliares, professores diretores de turma; alguns pais que se responsabilizam em pegar o material, distribuir, recolher e devolver para a escola; mototaxistas também são usados como apoio”.

“A suspensão das aulas nos assustou bastante. Nunca tínhamos vivido uma situação assim. Bem, organizamos um planejamento com todo o núcleo gestor e pensamos nesta alternativa de entregar material impresso”, ela diz, ao falar sobre o que considera do resultado da iniciativa em relação ao ensino-aprendizagem. “As famílias e os jovens carnaubalenses dão um retorno positivo ao receber e colaborar com o Delivery Armelo. Nós temos também o Delivery literário, que consiste na entrega de livros para leitura dentro de uma caixinha, onde o aluno recebe uma ficha de leitura básica, que o aluno possa falar dos personagens, da narrativa, do enredo e uma frequência, onde ele assina e anota qual livro está lendo. Tudo para que não perca o vínculo com a escola”.

O difícil acesso na roça

O município de Baixo Guandu está localizado a 186 quilômetros da capital, Vitória, no Espírito Santo. Contava com 30.998 habitantes no último censo. Começa a sair de uma base econômica focada na agropecuária e em atividades de comércio e serviços, para um modelo baseado em atividades industriais. Com as aulas suspensas desde o dia 23 de março no Estado, educadores também viram na entrega domiciliar de conteúdo para estudantes que não têm acesso à internet, como é o caso das comunidades rurais, uma saída para minimizar a crise causada pela pandemia na educação

Pofessora de Língua Portuguesa do 6º ao 9º há 23 anos, e há 13 efetiva na mesma escola, EMEIEF Presidente Kennedy, Luzia Correia é também pedagoga efetiva da Secretaria Municipal de Educação (Semed), responsável pelas Escolas Multisseriadas do Campo,  em Baixo Guandu.

É nessas escolas multisseriadas onde os professores estão chegando para levar os conteúdos impressos aos alunos. “Escolas localizadas nas comunidades campesinas do município, algumas de difícil acesso, onde os alunos são filhos de lavradores, de situação financeira bem difícil, por isso a necessidade das professoras irem levar as atividades até as casas das famílias. Fazem isso geralmente de moto. Em alguns casos, o responsável busca na residência da professora. Como pedagoga, orientei que esse momento fosse feito com o máximo de cautela, sempre de máscaras, luvas e atividades numa sacolinha”, conta Luzia. 

Ela relata que o município iniciou “com as atividades não presenciais no dia 15 de abril, depois de muitas reuniões, enquanto Secretaria de Educação, pensando numa melhor forma de atendermos as necessidades dos alunos, de chegamos à maioria deles. Tendo em vista que o wattsapp é um APP que 95% dos nossos alunos, famílias têm acesso, optamos por utilizarmos esse meio para fazermos com que as atividades chegassem até eles. Pensando também na possibilidade do mínimo de contato possível entre pessoas e papel, foi decidido que entregar atividades impressas seria só em último caso.  Então, traçamos o plano de ação e o documentamos com base no primeiro decreto do Governo do Estado”. 

Em seguida, diz a professora, nos reunimos com os diretores, pedagogos e assim fomos repassando nosso planejamento. E pensando naquelas famílias, lá do cantinho, ‘da grota’, com total dificuldade de acesso a qualquer tecnologia, que começou então o trabalho da impressão (nesses casos) e entrega nas casas. Pois algumas famílias do interior não possuem sequer um telefone simples para contato pelo menos. E essas professoras das multisseriadas fazem isso com muito amor e dedicação”, ela destaca.

Luzia relata que no começo da pandemia não faziam ideia ainda da situação. “A princípio não foi tão chocante, pois não tinha noção de que essa situação duraria tanto. Foi tudo muito rápido. Pensava que em poucos dias estaríamos de volta, mas, com o passar dos dias, veio a tristeza, preocupação, angústia”. Hoje, buscam colher os resultados da ação, que considera importantes.

 “Estamos fazendo o impossível para atendermos o maior número de alunos e que também, o maior número de alunos alcance o mínimo de aprendizagem. E a cada dia temos conseguido aperfeiçoar mais essa nova forma de ensinar. E isso tem aumentado o alcance da aprendizagem às crianças”, observa.

“No que diz respeito aos alunos do campo, essa prática de receber as atividades em casa tem sido muito positiva. Os pais têm valorizado muito os esforços das professoras. Mesmo sendo muito difícil para eles, pois muitos são analfabetos,  trabalham o dia todo na roça, chegam cansados e muitas vezes não dão conta de ajudar os filhos no mesmo dia. Acabam, em alguns casos, deixando para o final de semana, mas,  segundo o relato de uma professora, alguns reclamam da dificuldade de ajudar os filhos, devido a esse cansaço e por não saberem mesmo ensinar, mas não querem abrir mão dos filhos receberem as atividades. 

“Educação será diferente e mais forte”

Para o pós-pandemia, não tem dúvida que o trabalho será dobrado. “Teremos muito trabalho pela frente. Ainda não consigo imaginar com precisão como será o impacto disso tudo. Mas certo é que será preciso um trabalho diferenciado para recuperarmos o tempo perdido, mais para uns nem tanto para outros, visto que temos alunos nas escolas públicas altamente informatizados, pesquisadores, enfim, que têm dado conta de ir além do que os professores têm proposto, mas lidaremos com aqueles que não têm acesso nenhum à informatização, conhecimento nem estrutura emocional dos pais. Aí sim, será o nosso desafio maior”, diz Luzia.

Porém, Luzia considera que tudo está sendo um aprendizado tanto para alunos quanto para educadores. “Todos estão aprendendo muito com a crise. Temos professores na rede, aliás, pelo Brasil afora, que não tinham até então nem interesse pela tecnologia, não sabiam usá-la em favor da aprendizagem dos alunos, e que agora, estão se vendo forçados a se apropriarem desses recursos que certamente serão utilizados com mais segurança depois. Tenho certeza, a educação será diferente depois do coronavíus. Diferente e mais forte”. 

Niviane Rodrigues

Niviane Rodrigues

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