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Mulheres falam de dor e luta contra o racismo: “Passei água sanitária no corpo achando que ia ficar branca”

O racismo nunca saiu de pauta, mas veio à tona novamente após os últimos acontecimentos nos Estados Unidos e no Brasil, com a morte do segurança George Floyd, e a morte de João Pedro, respectivamente. Manifestações tomaram conta das ruas e das redes sociais. Com a tag #vidasnegrasimportam, muitas pessoas se posicionaram sobre a importância de combater o racismo e de ser anti-racista. Mas por outro lado, como é que uma pessoa que é alvo do racismo se sente? Quais são as lutas que as mulheres pretas enfrentam?

Foi em fevereiro deste ano que a professora de português Taynara Silva, ouviu da diretora de um colégio particular localizado no bairro do Trapiche, em Maceió, que “quando os alunos, que estavam presentes em sala, fossem à Ouro Branco, trouxessem um chicote ‘do bom’ para fazer a professora lembrar do tempo que ela tanto teme”.

O caso de Taynara, 25 anos, ganhou repercussão na mídia e os alunos protestaram na porta da escola. Ela foi apoiada por movimentos em Maceió e pediu demissão do colégio. 

“Eu entrei com ações judiciais e estou aguardando”, disse ao Eufemea. Enquanto isso, a diretora continua trabalhando no colégio, já que é a dona.

De lá pra cá, a professora começou a ser chamada para palestrar e participar de lives para falar sobre temas relacionados ao racismo e ao anti-racismo.

“Depois disso que aconteceu comigo eu comecei a utilizar as redes sociais para falar sobre a educação anti-racista, a fazer palestras, entre outros. A situação me deu uma cobrança não pelo o que aconteceu, mas o pós. Percebi o quanto representava para meus alunos, para amigos”, comentou.

A utilização das redes sociais tem ajudado Taynara a dialogar e ensinar. “A situação me remete à ressignificação do que aconteceu comigo. No entanto, eu não gosto da romantização. Eu ressignifico enquanto professora. Eu saquei que o discurso da racista (ex-chefe) é um racismo institucional, e ela tinha em mente que estava certa, então percebi que também era falta de educação e de não querer aprender”.

Hoje, Taynara quer tirar a branquitude da zona de conforto. “A branquitude perceber o privilégio dela e o quanto oprime o povo preto. A partir daí trazer uma proposta educativa e pedagógica”.

A professora disse que recebeu algumas represálias pós-acontecimento e que algumas pessoas chegaram a dizer que ela estava querendo mídia. “Eu quero que o racismo esteja cada vez mais na mídia. E se eu for um meio para levar isso, eu vou levar informações para a mídia porque isso tem que ser falado. Tem que ser boicotado e denunciado”, afirmou.

Taynara disse que o que aconteceu com ela incentivou outras mulheres a denunciar. “É positivo perceber que de alguma forma eu estou provocando o grito e as vozes das pessoas que devem continuar”.

“Passei água sanitária na pele”

A Dayane Silva, 23 anos, assessora de comunicação e eventos, não esqueceu das inúmeras vezes que ela foi alvo de racismo. Mas dois casos marcaram a vida dela, sendo um na infância e outro na fase adulta.

Ela tinha entre 9 a 10 anos quando aconteceu um dos momentos mais tristes da vida dela. “Minha mãe foi adotada por um casal de pastores e sempre os considerei como avós. Meu avô costumava armar a piscina de plástico aos finais de semana, para as minhas primas, meus irmãos e eu tomar banho”.

Segundo ela, a prima dela que era branca entrou primeiro na piscina e disse algo que Dayane jamais esqueceu. 

“Como a piscina era pequena, só podia entrar 3 de cada vez. Quando chegou a minha vez, a minha prima falou ‘eu não quero que a Day entre na piscina comigo, ela vai deixar a água suja e com verme’.

Dayane disse que não sabia que a cor dela era um problema, mas hoje reconhece que foi um dos episódios mais racistas que aconteceu.

“Só sabia chorar no momento, até que uma outra prima repreendeu o que ela tinha dito e disse que era preconceito e que ela não deveria ter dito isso. Eu, infelizmente, não consegui dizer e nem fazer nada, só fui embora chorando”, contou.

A situação marcou a infância e a adolescência dela. “Nunca mais fui a mesma depois disso”.

Por causa da situação, Dayane disse que começou a passar pelo processo de embranquecimento, por não aceitar a cor de pele. 

“Passava água sanitária por acreditar que poderia ficar branca e ‘limpa’, assim minha prima nunca mais falaria o que falou. Mas o processo de autoaceitação foi o mais longo, já que a minha autoestima foi afetada por vários outros comentários racistas no decorrer da minha vida”, comentou.

Quando cresceu, Dayane foi alvo do racismo novamente. Desta vez, no ambiente de trabalho. “Quando consegui um emprego, o meu patrão interino fez um comentário extremamente infeliz. Disse que “eu era muito bonita e inteligente pra uma neguinha”, que as “neguinhas” que ele conhecia eram todas perdidas”.

Ela contou que repreendeu o chefe dela e disse que não iria aceitar que ele repetisse novamente aquilo. “Depois de uma semana ele foi substituído”.

Hoje em dia, por causa das inúmeras vezes que foi vítima do racismo, ela enfrenta os racistas. 

“Não consigo ficar calada ou deixar pra lá. Racismo precisa ser denunciado, é crime e é assim que o vejo. Seja comigo ou com os meus, racistas serão denunciados”, avisou.

Por fim, Dayane lamentou que o Brasil “seja um país onde a justiça e as leis são falhas”. “Na maioria das vezes esses racistas saem impunes”.

Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.