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“Não pude me despedir”, diz filha que mora em Portugal e soube da morte da mãe por telefone

O dia 9 de junho de 2020 marcará para sempre a vida de Lenita Martins Bandeira e do irmão Felipe Martins, o chef Lipe, como é conhecido o primeiro empreendedor com Síndrome de Down em Alagoas. A mãe, a professora Kátia Martins de Oliveira, contraiu Covid-19 e morreu aos 56 anos, deixando saudade e um legado na batalha contra o preconceito e em defesa do respeito ao ser humano. Uma luta marcada pela vitória de Lipe, formado em gastronomia, e a realização pessoal de ver o filho concluir a faculdade de gastronomia tão sonhada.

Lenita mora em Portugal há seis meses, onde atua como coordenadora da parte jurídica de uma ONG que ajuda refugiados e conversou com o Eufemea sobre a perda, o luto, e saudade da mãe. Falou sobre a dor de encarar a notícia da morte estando tão distante, mas também do que ficará para sempre em sua memória.

“Ela deixou um grande legado, na verdade. Felipe é o primeiro empreendedor alagoano com Síndrome de Down. Ele fez faculdade (gastronomia), está num relacionamento há 6 anos, é responsável profissionalmente e estável emocionalmente. Além disso ele é muito educado, pacífico. Curioso, alegre e corajoso. Acredito que toda mãe queira um filho assim. Acredito que o que tudo o que descrevi seria esse legado”, diz Lenita.

Kátia e o filho Felipe, o primeiro empreendedor alagoano com Síndrome de Down na formatura dele em Gastronomia

Ela conta que primeiro foi o irmão que contraiu Covid-19, depois a mãe.

“Ela teve sim o maldito Covid. O meu irmão teve e também o nosso padrasto. Mas ambos estão bem. Foi muito complicado saber da pior notícia da minha vida por telefone, estando longe dela e do meu irmão. Depois dessa estou pronta para ir até para uma guerra, não tem nada pior”.

Lenita conta que a notícia foi dada a ela pelo padrasto. “Acompanhei por intermédio do meu padrasto, que acompanhou ela de perto no hospital. Tenho tido apoio dos amigos, familiares e namorado, mas é algo tão profundo que infelizmente ninguém tem o poder de tirar de você (a dor)”, ela diz.

“A dor na hora que a minha mãe me disse que o exame do Covid tinha dado positivo até a morte dela foi uma jornada de altos e baixos. De muita preocupação e sentimento de impotência”, relata Lenita.

 A comunicação, segundo ela, foi “primeiro por WhatsApp e FaceTime. Depois ela não conseguiu mais responder, então foi por intermédio do meu padrasto no final”.

“Não consegui me despedir”

Não houve despedida, não houve tempo. “Não consegui me despedir dela. Ela não viu a última mensagem que enviei. Ela foi para a UTI sem acessar o celular dela. Mas sempre que falamos dissemos que nos amamos. Sempre fizemos isso, a vida toda foi assim. Éramos e somos muito próximas. E sempre seremos”, afirma a jovem que fala da tristeza da separação estando tão distante.

“A distância me deixou muito triste. Primeiro por não poder visitá-la, segundo por não poder dar apoio ao meu irmão. Terceiro por não poder estar perto da minha família e amigos. São muitas emoções misturadas”, relata.

Durante os dias de incerteza e angústia, com o irmão, o padrasto e depois a mãe contaminados pelo vírus, ela conta que passou todo tipo de pensamento. “Imaginei que fosse acontecer, pensei em todas as possibilidades. Mas achava que ficaria tudo bem no final. Temíamos muito pelo meu irmão, que tem Síndrome de Down. Acredito que ela, como mãe devotada que era, se preocupou com ele de forma tão extrema que esqueceu um pouco de descansar. Mas ela era assim mesmo, não podia ser diferente. Cuidou dele até o último minuto e hoje ele está completamente curado. Graças a ela”.

O que ficará eternamente guardado da história de sua mãe nas lembranças de amor e saudade? “Inúmeras lições: educação, honestidade, dedicação à família, amor ao próximo, generosidade, respeito aos menos afortunados, trabalho, estudo, o bom gosto dela pra tudo: viagens, roupas, comidas, etiqueta etc”.

Dedicação e independência

Lenita fala da infância e da presença sempre marcante da mãe em sua vida. “Me inscrevia em tudo que é curso, desde criança. Sempre me proporcionou mais do que as outras mães que eu conheci, mães das minhas amigas. Fiz aula e curso do que você puder imaginar. O meu irmão também. Ela trabalhou muito para que tivéssemos acesso a tudo. Sou muito grata pelas viagens que ela me deu, cursos de etiqueta, comportamento, teatro, ballet, francês, tênis. E agradeço ao esforço dela para nos dar tudo isso”

Kátia, uma mulher diferenciada, conta Lenita, “sempre trabalhou desde os 19 anos. O pai dela, meu avô, era empresário da construção civil, ela cresceu em condições muito privilegiadas, mas escolheu trabalhar desde sempre. Numa pediu mesada, sempre foi independente. Foi garota Bradesco, a primeira a usar caixa eletrônico em Maceió (ela como garota Bradesco, ensinava como usar aos clientes). Sempre fez concurso e passou em todos: bancos e professora. Ela também dirigia muito bem. Cozinha muito bem. Posso passar 10 anos falando sobre ela…”, descreve a filha mais velha de Kátia. “Somos apenas eu e Lipe por parte de mãe”, diz.

E o chef e empreendedor Lipe, como será daqui para frente sem a mãe Kátia que era seu porto-seguro. “Quanto ao meu irmão, ele ficará na nossa em casa em Maceió, com o nosso padrasto que é como um pai para ele. Ele está nas nossas vidas desde que Lipe tinha 3 aninhos. Também porque Maceió é onde fica o trabalho dele, no hot dog do chef Lipe, no truckzone da Jatiúca. Para ficar perto das tias e da namorada também, dos amigos de longa data, da psicóloga e das demais atividades que ele necessita para continuar se desenvolvendo”.

Em todos os momentos presente e incentivando o filho: “Posso passar 10 anos falando sobre ela”, diz a filha Lenita
Niviane Rodrigues

Niviane Rodrigues

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