Foto: Enio Medeiros
Manifesto à ignorância. Foi assim que a médica Adrielly Oliveira, de 28 anos, que trabalha na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de três hospitais em Goiânia começou o texto dela que viralizou nas redes sociais. A médica disse ao Eufemea que escrever é o “escape” dela.
Adrielly decidiu publicar o texto após juntar a indignação dela com a postura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que incentivou as pessoas a entrar em hospitais e filmar.
O texto de Adrielly ganhou repercussão e foi compartilhado por várias pessoas nas redes sociais. (Leia o texto na íntegra aqui) A médica não esperava isso.
Ontem, o Brasil alcançou a marca de mais de 1 milhão de casos confirmados da covid-19. Mesmo com isolamento social, os números continuam crescendo e o desespero dos profissionais que estão na linha de frente é perceptível.
“Peço que entrem, arrombem as portas, invadam os hospitais, mas fiquem mais um pouco e assistam o que aí de fora preferem negar. Vamos começar com a paramentação: tire sua roupa, coloque o unissex, lave a mão, touca e pro-pré, máscara N95, álcool e gel nas mãos, capote, luvas, Máscara Face Shield – é pesada? É assim mesmo, ao fim do dia você se acostuma. Lembrem-se: sem histeria”, diz um trecho do texto da médica.
Ainda no texto, Adrielly pede que “invadam as enfermarias e façam companhia a solidão dos que esperam ansiosos a alta ou a qualquer momento lhes faltar o ar.” “Talvez vocês consigam os consolar dizendo que afinal todos vão morrer um dia”, disse.
Ao Eufemea, a médica contou que a parte do texto que tem dizendo “segura a minha mão” aconteceu uma paciente que ela precisou entubar. “Ainda bem, depois de muita luta, esse paciente teve alta”, contou.
Já a situação do “não ventila” foi uma que aconteceu com uma amiga dela durante um plantão de madrugada.
“Desde o início da pandemia venho falando para os ‘vetorzinhos’ de corona, que a única medida eficaz é o isolamento”, contou, citando que a postura do governo acabou deixando a população dividida e confusa.
Adrielly disse que a rotina dela e dos outros profissionais que trabalham com ela mudou muito. “Muitos colegas acabaram se infectando e a gente precisa cobrir”. Com isso, alguns acabam precisando trabalhar mais.
Para ela, está tudo longe de acabar e a situação emocional dos profissionais da saúde tem sido a mais difícil de lidar. “As famílias não podem entrar no hospital e às vezes, os pacientes internados estão acordados e evoluem com piora. Passamos a visita com os familiares por telefone e isso é muito complicado”.
Segundo ela, o óbito é a pior parte. “Eu sempre penso nisso… não se pode ver o familiar no caixão”.
Sobre os governantes, a médica disse que eles falharam. “ Não houve uma postura clara e isso confundiu ou confunde o povo que prefere pela ignorância”.
Para ela, “incitar a invasão e colocar culpa em quem não tem culpa” é apontar o dedo para o outro e não fazer a parte deles.
“Nosso governo buscou soluções rasas, superficiais e não estruturou e se preparou, agiu politicamente quando se devia agir estrategicamente levando a ciência a sério”, finalizou.