Em função do isolamento social, muitas empresas adotaram o sistema home office e os funcionários precisaram levar a rotina do escritório para o ambiente doméstico. Mas engana-se quem diz que o home office é tarefa simples. Principalmente quando se fala em um momento certo para “desligar” do trabalho. Muitos funcionários estão encontrando dificuldades e estão ficando sobrecarregados. A rotina tem sido exaustiva e para isso foi preciso estabelecer limites.
A analista judiciária Sandra Mara Costa que trabalha na 25ª Vara Cível da Capital está trabalhando em casa e tem três filhos – um de 17, um de 13 e uma menina de 2 anos. No início da pandemia, a analista encontrou uma série de dificuldades. “Eu não estava preparada”, disse.
A fase de adaptação de Sandra foi complicada: ela não tinha equipamento que pudesse suportar os programas do Tribunal de Justiça; a internet estava lenta e não havia local adequado para ela trabalhar dentro de casa.
“Eu precisei aumentar a internet, trazer os computadores do Tribunal para minha casa e tentar adaptar um local na residência”, contou ao Eufemea.
Mesmo com o esposo dividindo as tarefas, Sandra sentia uma sobrecarga por causa do trabalho e dos afazeres domésticos.
“Eu ligava o computador cinco e meia/seis da manhã, e desligava duas da madrugada. Passava o dia inteiro trabalhando, minha filha ia para perto de mim, eu perdia a concentração, voltava pro trabalho. Estava ficando muito cansativo”, comentou a analista.
Para organizar a rotina, Sandra fez um acordo com a família e arrumou um quarto para se trancar e trabalhar. “Meus filhos mais velhos sabem que estou trabalhando e estou tentando manter o mesmo horário do Fórum. Minha filha mais nova acha que saí para trabalhar e meu esposo fica com ela”. O horário de trabalho da analista vai das 7h às 14h.
Mesmo com o horário definido, a analista confessa que aos finais de semana, de vez em quando, trabalha e que “pula” as refeições. Porém, segundo ela, é preciso se policiar para não trabalhar as 24h por dia.
“Eu não posso reclamar. Me sinto útil em estar trabalhando para a sociedade, mas estou conseguindo um pouco organizar o horário. É preciso se policiar. Eu estava com o corpo e a mente cansados. Não posso deixar que a rotina não me deixe doente”. Para ela, é preciso cumprir as horas e metas, sem ultrapassar o horário de trabalho.
“Equilíbrio é indispensável”
A jornalista Fátima Almeida é blogueira no site Eassim e assessora de comunicação do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de Alagoas (Serjal) e está há mais de 90 dias trabalhando em casa.
Segundo ela, a primeira sensação com a experiência do teletrabalho foi de liberdade. “Em relação aos horários; aos transtornos do trânsito, nos meus deslocamentos diários; liberdade de fazer meu próprio tempo no cumprimento das minhas atribuições”, disse. Mas foi na administração do tempo que Fátima percebeu que estava o perigo de extrapolar limites.
“O trabalho entrou na minha casa, onde moro com um dos meus filhos, ocupando tempo e espaço que antes eram só nossos. Em casa, cumprindo as regras de isolamento social, eu passei a realizar minhas atividades laborais, a preparar as refeições, que antes fazia na rua; a organizar coisas que antes não dava tempo… De repente o dia começou a ficar curto e o horário de trabalho cada vez mais esticado – intercalado com as interrupções pra atender às mensagens que chegam a qualquer momento nos grupos de whatsApp, telerreuniões, a panela no fogo, a roupa na máquina, a limpeza da casa – e eu me vi ocupada em praticamente todas as horas; exausta, dormindo pouco, trabalhando de madrugada pra compensar o que não dava tempo durante o dia, e sem tempo para descansar”.
A mesa de trabalho e a de refeições é a mesma. A distância do escritório para a cozinha são apenas alguns passos. E isso fez com que Fátima percebesse que estava adoecendo.
“Percebi que essa era a mesma queixa da maioria das pessoas com quem conversava, nas mais diferentes atividades, principalmente as mulheres. Infelizmente ainda repetimos padrões e costumes em que a divisão das tarefas domésticas continua sobrecarregando as mulheres. E o pior: na maioria das vezes somos nós mesmas que fazemos essa divisão injusta”.
Por causa disso, a jornalista começou a mudar a rotina e adotou novos hábitos. “Adotei o despertador para às 6h. Dedico-me, de imediato a cumprir algumas atividades, inclusive meditação, um bom café da manhã, e só então, por volta das 9h, “abro” o escritório, que fica na sala de jantar. Atualizo as notícias, faço reunião com a equipe, discutimos e distribuímos as tarefas do dia e tocamos a execução. Geralmente paro para o almoço às 14h, “encerrando” o expediente no Serjal, como no horário convencional. A partir daí, evito entrar em grupos relacionados a esse trabalho, exceto se houver alguma emergência”.
Apesar da sobrecarga, Fátima diz que trabalhar em casa tem sido uma experiência positiva. “Mas já entendo que é fundamental criar uma disciplina separatista – cada coisa no seu tempo – atividades laborais, serviços domésticos, a troca de mensagens pessoais com a família e amigos, o horário de descanso. Esse equilíbrio é indispensável para aproveitarmos bem as vantagens do trabalho em casa”.
É preciso ter limites, diz psicóloga
A psicóloga Fernanda Chianca disse ao Eufemea que é “importante que possamos refletir e reconhecer os nossos limites, entender o atual momento que estamos vivenciando e compreender que neste tempo de incertezas e medo nem sempre conseguiremos ser totalmente produtivo como era antes”.
De acordo com ela, é fundamental estabelecer uma rotina com horários para descanso e pausas. “Buscar realizar momentos de autocuidado como a psicoterapia e também atividades terapêuticas para cada um, como atividades de pintura, culinária, musicalização, meditação, artesanatos, leitura ou qualquer outra que faça com que a pessoa se sinta bem e relaxada”.
Sobre a cobrança dos chefes, a psicóloga disse em alguns momentos pode-se ultrapassar o que foi definido, mas que isso não pode ser uma rotina.
“Conforme estudos mais recentes já demonstram uma grande sobrecarga emocional proveniente do aumento significativo ao uso de dispositivos eletrônicos o que acarreta em estafa e fadiga. Podendo inclusive se não tratado de forma adequada evoluir para algum transtorno psiquiátrico como a síndrome de burnout”, enfatizou.