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Farmacêutica vítima de Covid relata estresse pós-traumático e crise de pânico após internação

A farmacêutica Monique Dayanne Procópio Vieira Alves descobriu que estava com Covid-19 após 5 dias de sintomas, quando perdeu o olfato e paladar. Daí para a frente, iniciou uma batalha contra a doença que ela estando na linha de frente estava quase certa que iria contrair, embora tomasse todos os cuidados. As consequências foram devastadoras não apenas para o corpo, mas para a mente. Monique é uma das profissionais de saúde que sofrem os efeitos psicológicos causados pelo vírus. 

“De fato minha desconfiança estava certa, dias depois houve a confirmação do exame. Tive muitos sintomas, febre, uma dor no corpo sem igual, prostração, perda de apetite, sem olfato e paladar. No oitavo dia de doença precisei ser hospitalizada, estava com 50% de comprometimento pulmonar”, relatou ao Eufemea a farmacêutica formada pela Ufal em 2006, especialista em Gestão em Assistência Farmacêutica pela Uncisal.  

Ela lembra como tudo aconteceu. “A gente sempre acha que tem os cuidados necessários, mas nós do front trabalhamos sob pressão o tempo inteiro e em alguns momentos a gente falha. Lavar as mãos constantemente, usar álcool em gel, fazia parte da nossa rotina exaustiva. A probabilidade de ter contraído no trabalho é quase 100%. É muito possível que meu dia de contágio tenha sido em 13 de maio, devido à sintomatologia apresentada”, diz Monique, que está no mercado há 14 anos, e há 9 na área hospitalar. 

O medo era algo muito concreto, relata Monique. “Doença desconhecida, onde nós presenciamos casos que não tiveram final feliz, e passa pela cabeça da gente que algo pior possa nos acometer. No início dos sintomas, me mantive em isolamento, mas com o agravamento do quadro precisei de internação por um período de 10 dias. Deus me abençoou e me colocou nas mãos de profissionais muito competentes e comprometidos com a minha recuperação”, ela conta. 

“Me afastei do trabalho por mais de 30 dias, após alta hospitalar me encontrava muito debilitada e com crises de pânico. Procurei ajuda especializada da psiquiatria, que me diagnosticou com stress pós-traumático. Esse stress se manifestava, principalmente à noite, com sensação que ainda estava com suporte de oxigênio, quando não mais estava”, ela relata. 

Prestes a voltar ao trabalho, Monique fala como se sente. “Medo de voltar ao trabalho não tenho no momento atual, porque não acredito na possibilidade de nova contaminação por Covid-19, embora todos os cuidados precisam ser mantidos. Procurei ajuda psicológica, tenho suporte da família e de amigos maravilhosos”, diz. 

Para Monique, “ser profissional da saúde em tempos de pandemia é ser super herói mesmo, é arriscar literalmente a sua vida pelo seu ofício. Mas, nunca poderemos desistir. O que seria do mundo sem nós? Quem iria cuidar dos doentes? Acho que além de tudo é missão. Na minha realidade, trabalhamos com os EPIs adequados, mas o profissional da saúde tem uma hiperexposição, a contaminação é praticamente inevitável”, diz. 

“Para finalizar, vivi uma tempestade, hoje são só pingos de chuva. E como eu, muitos outros profissionais venceram este inimigo invisível. Aguardando a tão esperada vacina”. 

“Devemos nos cuidar, buscar ajuda” 

O Eufemea conversou com a psicóloga Fernanda Medeiros Chianca, que explica as consequências do estresse para quem enfrentou o medo por ter contraído o vírus ou que teme ser infectando. 

Psicóloga Fernanda Medeiros Chianca alerta: “Quando a pessoa percebe que está perdendo qualidade de vida e tendo muitos prejuízos em sua vida, precisa buscar tratamento”

“O medo e a ansiedade são emoções normais de todos nós. Devemos ficar atentos quando essas emoções acabam interferindo de forma negativa e significativa e causam prejuízo nas nossas relações, sejam elas sociais, profissionais, afetivas ou qualquer outra”, afirma Fernanda.  

“Com relação aos profissionais de saúde que estão na linha de frente e tantos outros profissionais que não puderam se isolar e precisaram continuar exercendo suas atividades, essas emoções são válidas, só precisamos ficar atentos aos prejuízos que podem surgir a partir de tais emoções. É importante frisar que estamos vivendo um momento atípico, mas que o mundo inteiro busca medicações e vacinas para que consigamos superar tudo isso que está acontecendo. Já existem diversos estudos científicos que nos trazem esperança, com isso todos devemos nos cuidar, buscar ajuda quando necessário e evitem que os sintomas se agravem”, ela ressalta. 

A psicóloga diz que é possível, sim, superar o trauma e orienta: “Quando a pessoa percebe que está perdendo qualidade de vida e tendo muitos prejuízos em sua vida, precisa buscar tratamento. A psicoterapia tem papel fundamental. Através dela, nós psicólogos podemos auxiliar nossos pacientes a entenderem, aceitarem e enfrentarem essas emoções que estão nos trazendo prejuízos”.  

Quanto às consequências dos traumas para a vida profissional e pessoal, Fernanda informa que “é comum quando essas emoções que temos como negativas, o medo, ansiedade e tristeza, surjam não compreendermos e muitas vezes acabamos não aceitando e não sabendo como lidar. Quando tais emoções são desencadeadas é normal que busquemos estratégias para que evitemos senti-las, começamos a desmarcar ou faltar aos compromissos, dificuldade de concentração, problemas com o sono, irritação, explosões de raiva o que pode acarretar em mais conflitos tanto familiares quanto profissionais, e também acarretando em perdas, tanto em seu trabalho, quanto nas relações pessoais”, pontua. 

Ela diz ainda que não são apenas os que contraem a doença na forma mais grave que estão sujeitos a desencadear algum tipo de transtorno. “Na verdade, o que mais tem desencadeado tais sintomas é a incerteza e insegurança, esse sentimento de vulnerabilidade que estamos vivenciando no momento. Muitas pessoas estão tendo prejuízo em sua vida e não foram contaminados com o vírus”, observa.  

Consequências do isolamento 

O medo do desconhecido é o agravante. “Falamos muito pouco sobre morte, e na verdade a morte é um processo natural, uma das únicas certezas que temos. Mas, assim como não temos muitas informações sobre a Covid-19, não sabemos o que acontece após a morte, o que gera ansiedade, medo por ser desconhecido. Quando não sabemos como lidar com as adversidades, podemos nos tornar mais vulnerais a desenvolver os transtornos psicológicos”, ela diz. .  

Situação que tem aumentado o número de pessoas que recorrem aos consultórios em busca de ajuda psicológica, como informa Fernanda. 

 “A procura por atendimentos psicológicos tem aumentado de forma significativa, pois temos muitos fatores que contribuem para o surgimento ou agravamento de sintomas. Não tem sido apenas a ansiedade que está sendo desencadeada. Existem outros fatores que precisamos levar em consideração”.

Ela aponta para “o aumento de informação sobre a importância da saúde mental, desmistificando ainda mais o papel do psicólogo na nossa sociedade que ainda tem um estigma que é apenas para pessoas doentes ou loucas. As principais demandas que têm surgido, também têm relação com as consequências do isolamento, o que agravou quadros de depressão, a falta de contato físico, a sobrecarga na rotina devido ao home office e as dificuldades nas relações interpessoais e abusivas”.  

Fernanda explica ainda que “o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) consiste em reações disfuncionais intensas e desagradáveis que têm início após um ou mais eventos extremamente traumáticos. Os sintomas mais frequentes são medo, desespero, horror, revivência do medo, alterações emocionais e comportamentais”.

Segundo ela, “o sofrimento psicológico e as consequências à exposição a um evento traumático ou estressante são bastante variáveis, pois cada indivíduo reage de uma forma diferente, não existindo assim um período exato para que haja uma melhora. Por isso, é muito importante que se busque tratamento psicológico, e quando necessário tratamento psiquiátrico, para que sejam ministradas medicações que auxiliem e devolvam ao indivíduo a sua qualidade de vida. Lembrando que quanto antes buscar tratamento, mais breve será a recuperação”. 

Niviane Rodrigues

Niviane Rodrigues

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