Foto: Marcos Frota Circo Show Recife e Olinda Memorial Arco Verde/Pablo Prentice
Há 30 anos o circo entrou na vida dela para ficar. Desde que a pandemia foi declarada e com ela o isolamento social, as cortinas se fecharam, as luzes apagaram e o espetáculo foi interrompido. Não em definitivo, porque a paixão pelo mundo circense não permite, mas uma temporada que ela espera que passe logo. Peronilda Batista de Andrade, a Peró, é idealizadora da ONG Sua Majestade o Circo, que busca possibilitar a construção da cidadania e o resgate da cultura circense no Brasil.
Graças ao projeto, desenvolvido na Vila Emater, em Jacarecica, antigo lixão de Maceió, as crianças da comunidade tiveram oportunidade de enxergar um novo caminho, longe dos perigos das ruas, da violência, das drogas. Com a chegada do novo coronavírus, a arte milenar enfrenta um dos momentos mais difíceis até aqui, tenta sobreviver e se manter viva.
O Eufemea conversou com Peró, produtora e diretora teatral, que começou no teatro quando ainda era bem jovem e seguiu para a arte circense a convite do ator global Marcos Frota. Ela conta sua trajetória, o desafio que está sendo a sobrevivência do circo em tempos de portas fechadas e os planos para a retomada.

“No dia 12 de outubro vai fazer 30 anos que estou no circo. É uma longa história. Estava em casa e tinha um professor da Ufal, [Universidade Federal de Alagoas] onde eu trabalhava, que era pessoa do teatro, ligado ao Marcos Frota, e um dia ele apareceu na minha casa com o Marcos me convidando para fazer uma produção no circo. Como era em Recife, que ia estrear, eu fui para passar 15 dias e estou há 30 anos. Vim do teatro para o circo. Hoje o circo é a minha vida”, diz Peró.
Ela diz que espera a pandemia passar para voltar com o projeto que atende 50 crianças da Vila Emater. “E assim eu vou tocando, trabalho um pouco on-line. No Marcos Frota, nós criamos, junto com Luiz Maurício Brito Cavalheira, um pernambucano que trabalhou aqui na Ufal, a universidade do circo, que funciona no Rio de Janeiro, uma escola de técnica circense, que prepara profissionais para o mundo do circo. Já tem alunos no mundo inteiro, trabalhando com o circo, e o que eu trabalho é o circo itinerante, que se chama Grande Circo Popular do Brasil – Marcos Frota Circo Show, onde a maioria dos jovens que se forma na universidade vem trabalhar”.
Antes da pandemia, estavam em tourné pelo Nordeste. “Agora nesse momento da pandemia, o circo está em Jacobina, na Bahia. Vamos ver como vai ser essa situação do retorno, que é complicado porque o circo vai criança, tem que ter toda uma preparação técnica. Estamos na mão de Deus. A arte parece que é uma coisa à margem”, diz Peró.

Por ser um projeto de arte-educação, o circo promove oficinas por onde passa e Peró fala de sua felicidade em saber que pode contribuir com o crescimento profissional e pessoal de jovens, seus alunos, espalhados no mundo todo.
“Fico muito feliz de ver o crescimento desse povo, poder contribuir na vida, ajudar as pessoas a desenvolver o seu trabalho como arte-educadora. Na realidade, a minha formação não é para formar artista circense, é para formar cidadãos, mas a gente juntou o circo e aqueles que querem desenvolver têm como engatar a vida deles em outras possibilidades com o circo”, diz.
“Nesse momento de pandemia, são quase 150 pessoas, 30 funcionários na Universidade do Circo e no Marcos Frota, no circo itinerante temos 120, a princípio a gente tem um dinheiro que está dando para manter e fora isso a gente tem ajuda, os patrocinadores que não nos abandonaram, a prefeitura lá de Jacobina, que deu água, luz, a comunidade que ajuda, porque ajuda mesmo do governo não está tendo e até agora o presidente (da República) não assinou os R$ 3 milhões da Lei Aldir Blanc”.
Peró se refere à Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020, que dispõe sobre as ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
Passar por uma pandemia era inimaginável para os circenses, também. “Ninguém nunca pensou de passar por uma situação dessa. É uma coisa universal, está todo mundo passando. O Soleil, que era uma potência, hoje está falido. É até assustador para a gente, porque ele tinha um alto padrão. O que move o circo é o espetáculo. A companhia não só tem no Canadá, em Montreal, que é a escola. Eles passam dois anos para poder manter um espetáculo, pagar o artista. É complicado”.
“Circo, teatro, eventos, artes em geral, foram os primeiros a fechar e são os últimos a abrir. Até agora a gente não tem definido como é que vai ser, porque o circo geralmente quem vai são crianças. A família vai junto, mas não dá para separar. Até agora essa logística para mim está sendo um pouco difícil, mas vamos ter fé que tudo vai melhorar. Eu ainda penso positivo. A gente não pode desanimar, apesar de tudo, das evidências”.
Sobrevivendo da solidariedade
E para manter os funcionários e equipes, como fazem, questionou o Eufemea. “A gente pode negociar com eles o salário. Foi uma coisa que teve que se fazer, mas tem que manter a alimentação, café da manhã, almoço, janta. Isso você não pode faltar com as pessoas. Não vai deixar o outro morrer de fome. Então, tem que correr, fazer campanha, publicidade. A situação está difícil para o Brasil inteiro. Só vejo todo mundo do circo reclamando, tanto o circo pequeno como o grande. A situação está insustentável, porque o alimento chega, a gente não morre de fome nesse país, conta com a solidariedade humana. Mas que é complicado, é”.

Peró lamenta a falta de apoio e diz que “os governos não querem saber de arte. “o artista para eles é o calcanhar de Aquiles, incomoda. Então, assim, não se sabe quando vai voltar, não se tem noção ainda, e de que forma vai ser esse retorno. A gente não tem claro ainda, infelizmente”.
Em Maceió, ela conta, “existem sete circos na periferia. Eles estão no Cruzeiro, Rio Novo, Em Fernão Velho, dois em Marechal Deodoro. Já fiz várias campanhas para arrecadar, tem os amigos que ajudam também. Agora está saindo por três meses o vale gás e uma cesta do Ministério Público, que cedeu para uma frente de artistas, através do Joana Gajuru, no projeto Arte que te Quero Viva. As 97 famílias circenses vão receber”, ela revela.
Sem discriminação
Quanto à participação das mulheres no comando circense, Peró revela que em Alagoas é dividido. “Tem alguns circos que são mulheres que administram. Eu trabalho na coxia, dirijo espetáculo, mas tomo conta da parte administrativa, da bilheteria, das compras, de pagamento, da portaria e assim vai. É uma rotina. Mas a vida de circo sempre é muito interessante. É uma mudança constante. Hoje você dorme aqui, amanhã em outro lugar. Não tem tanta rotina como a de quem tem uma vida mais permanente em casa”.
“Eu nunca me senti discriminada por ser mulher e por estar trabalhando no circo. Muito pelo contrário, sempre me senti muito respeitada pelos homens. Tenho muitos amigos nesse Brasil inteiro de circo e apesar de não ser de família circense, me considero uma circense. O meu coração é do circo sempre. É uma vida muito prazerosa. Tem as dificuldades, de chegar, ligar água, energia. Você tem que se adaptar. É uma vida totalmente diferente de quem mora em uma casa fixa, mas eu adoro, amo de paixão”.

O que é
Desde 1998, este projeto está instalado em Maceió, desenvolvendo um trabalho de arte-educação e teatro, possibilitando a construção da cidadania e o resgate da cultura circense no Brasil. O projeto “Sua Majestade O Circo” é ligado à Rede Circo do Mundo Brasil, que, por sua vez, é parte integrada ao Projeto Social do Cirque du Soleil, Cirque Du Monde em Montréal, no Canadá.