Colabore com o Eufemea

Contaminada pela covid-19 e com febre de 39º, jornalista relata aflição durante tratamento: “Sou alérgica a todos os antitérmicos”

O Eufemea republica uma matéria do Universa que trouxe o relato da jornalista alagoana, Vanessa Alencar, 46 anos. A jornalista conta – em primeira pessoa – como venceu a covid-19, mesmo sendo alérgica a todos os antitérmicos.

Confira o relato abaixo:

Os sintomas inicialmente leves (tosse seca, dores na cabeça e no corpo, coriza e fadiga) começaram na noite do sábado de Carnaval (13 de fevereiro) e na terça seguinte o exame confirmou a covid-19.

Segui os protocolos de saúde para evitar a contaminação, não estou no grupo de risco e não tenho comorbidades. Ou seja, os prognósticos eram bons. Mas a doença, imprevisível e traiçoeira, simplesmente evoluiu, comprometendo pulmões, causando muita tosse e febre alta.

Mas há um detalhe na minha história que fez enorme diferença no tratamento dos sintomas: sou alérgica a todos os antitérmicos (sim, até ao inocente paracetamol) e aos mais simples remédios para dor.

“Sou alérgica a medicamentos e tive que superar Covid-19 com febre de 39º”.

Vanessa Alencar

Apenas corticoides conseguem baixar minha febre e, para dores fortes, conto somente com o Tramal e derivados. Os remédios orais para baixar a febre (corticoides) não estavam surtindo efeito na forma oral — até porque eles não são pra isso, não são antitérmicos.

Apesar da medicação possível, a evolução da covid-19 seguiu o baile, até que, na madrugada da sexta 25 de fevereiro, fui internada. O fato de ser alérgica a medicamentos foi crucial para a decisão dos médicos pela internação.

Mesmo hospitalizada e com corticoide na veia, ainda tive uns dois dias de febre alta (acima de 39º) e precisei de compressas geladas no corpo, porque simplesmente não tinha mais o que fazer para baixar a febre.

“No hospital, não tinha forças para nada e cheguei a usar fralda”.

Nesses quase dez dias no hospital estive numa espécie de “limbo”, convivendo com a angústia, o medo e extremamente próxima das dores dos outros. Coisas simples como respirar, ir ao banheiro, comer, se tornaram difíceis entre tanto cansaço, fios nos braços, acessos para medicação perdidos devido à fragilidade das veias e várias coletas de sangue durante o dia. Precisei usar fralda para evitar o esforço de sair da cama.

“No hospital, me impus um limite que não consegui cumprir todos os dias (ser jornalista não ajuda nessas horas): evitar os noticiários da TV. As lágrimas desciam com os fatos e relatos. Não eram estatísticas. Eram vidas, perdidas e transformadas pela covid-19. E eu estava ali, como personagem e espectadora”.

Chorei com os médicos que tinham que escolher, da tela de um computador, quem tentar salvar com apenas uma vaga para a UTI e inúmeras pessoas na “disputa”.

Chorei com o atraso criminoso na vacinação, com o descaso inacreditável; e chorei com a exaustão vista nos olhos, por trás das máscaras, dos profissionais de saúde que tão bem cuidaram de mim. Senti vontade de agradecê-los mil vezes e de pedir perdão outras mil vezes.

Entre um pico e outro de febre, sinto que vi um pouco sob o véu de Isis, quando os mundos visíveis e invisíveis se tocam, se encontram. Rostos deste e do outro plano desfilaram no meu sono agitado. Havia uma espécie de cortina com bico de renda cor da pele que balançava de leve com o vento. Olhava para ela. Era como se fosse o divisor desses dois mundos: frágil, leve, suave. Olhar para ela e acompanhar seu movimento me acalmava estranhamente.

“Senti também uma espécie de dissociação do meu corpo. Estava lá, mas era como se não tivesse. Era só massa. A energia parecia ter sido retirada provisoriamente e guardada em um cantinho, até poder ser devolvida à “caixa”.

Recebi alta no sábado 6 de março após quase dez dias internada. Dez dias nos quais não esquecerei — dentre tantas experiências — quem esteve literalmente ao meu lado: meu marido. Ele pausou a própria vida e se mudou comigo para o hospital, segurando minhas mãos, enxugando minhas lágrimas e repetindo: “Calma, tudo vai dar certo”.

Em casa, ainda sinto cansaço e a vista escurece com qualquer esforço maior. A médica disse que devo manter repouso para, aos poucos, bem aos poucos, ir voltando à rotina. A recuperação é mais lenta para alguns, mas vai acontecer. Um dia de cada vez.

Quando voltei, lembrei também que, cerca de uma noite antes dos primeiros sintomas da covid-19, sonhei com meu pai, falecido em 2014. Estávamos dentro de um carro de passeio, no fundo do mar e precisávamos atravessar…Eu não entendia as razões e questionava: “Pai, por que não vamos pela superfície?”.

Ele só respondia que não era possível, que para atravessar aquilo tinha que ser daquele jeito: “Bote a máscara e vamos lá!”, repetia. “Estou com medo. Muito medo. A água vai entrar…”. “Vamos atravessar isso junto”, ele respondia. Não me lembro da “travessia”. Só me lembro de colocar a máscara e fechar os olhos.

Nos braços, observo as marcas físicas da internação. Na alma, elas serão eternas e precisarei falar sobre elas outras tantas vezes. Na luta contra a covid-19, vislumbrei alguns mundos e transformei o meu. Preciso falar e ouvir sobre isso. Hoje é esta a minha missão.

Foto: Cortesia
Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.