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“Deste aniversário, vou dizer apenas que sobrevivi”

Com parabéns, bolo e chamada de vídeo, jornalista comemora aniversário em isolamento social

Em 2020, Mariana comemorou o aniversário dela com bolo virtual, parabéns por videochamada e isolamento social. Ela achava que o isolamento duraria pouco e que aquele aniversário ficaria marcado pro resto da vida dela. E ficou. Só que em 2021, Mariana se deparou com uma situação totalmente diferente do que ela tinha imaginado. O texto é de Mariana Lima, 35 anos, jornalista.

Se meu aniversário ano passado foi durante o 3º dia da “quarentena”, ainda achando que o isolamento ia durar só 40 dias, esse ano foi embaixo de toque de recolher e quase calamidade nos hospitais de Alagoas – e calamidade no resto do país.

De certa forma, o 24 de março em 2020 parecia uma folia, um dia de folga no home office fazendo um monte de chamada de vídeo, achando que “aquele” aniversário ia ser um pra contar no futuro, aí em um ano você vê tudo não só desmoronar, mas piorar.

O 1º de março é sempre o ponto de partida no meu espírito de aniversário, mas este ano eu só conseguia me preocupar com o aumento dos casos de Covid-19 depois do carnaval e os prognósticos piores ainda para o resto do mês.

Na sexta-feira anterior ao aniversário (no caso, no dia 19/03), me dei conta que o meu “grande dia” seria marcado por 300 mil mortos por Covid-19 no Brasil. Eu já tinha melhorado um pouco o espírito desde o começo do mês, mas isso me puxou pra baixo de novo.

Como eu poderia comemorar diante de tanta tragédia? E, mesmo assim, eu tenho motivos para comemorar, porque nenhuma dessas 300 mil pessoas são parentes meus ou alguém do meu convívio direto. Todos meus conhecidos que pegaram o corona se recuperaram.

Eu cheguei até aqui sem Covid, saudável fisicamente (o psicológico foi e voltou algumas vezes), com minha avó vacinada e painho recebendo a vacina dele nos próximos dias. Me alimentei de pequenas esperanças ao longo do ano e procurava pequenas vitórias para celebrar, como os amigos da saúde ou outras pessoas que admiro sendo vacinadas, um avanço no pilates, conversas com meus primos pequenos e com as amigas, minhas bolhas nas redes sociais – com grande destaque a algumas artistas independentes nos quadrinhos -, algumas poucas coisas no cenário nacional e internacional. Porém foi um ano cansativo e dolorido, em vários sentidos.

Mortos, doentes, equipes de saúde cansadas, empresários e trabalhadores preocupados em como colocar comida em casa. Preocupação com pai idoso e diabético, com mãe que teve que deixar o home office e voltar ao trabalho presencial, se eu limpei tudo direitinho ao chegar da rua, se meus primos e sobrinhos estão conseguindo aprender direito e não vão ficar para trás com o ensino online… E, pra mim, a pior parte: as pessoas nada a ver que diziam que eu tava com “histeria sobre essa doença” e sofrendo à toa por gente que eu nem conhecia. Aí a tristeza dava espaço à raiva e precisei respirar profundamente para evitar brigas.

Eu não queria ser tão lúgubre, porém quem não está se sentindo um pouco assim depois de um ano de pandemia? Não só a morte das pessoas, mas as incertezas, as mudanças em todos os nossos planos. Um ano sem ensaio de maracatu aos sábados, sem passeios, viagens, shows, visitas à família e amigos. E, o mais importante: um ano sem a mera possibilidade de fazer planos. Não temos mais horizonte certo a curto ou médio prazo e tudo a longo prazo carrega muitas variáveis. A principal delas sendo “mas isso só depois da vacina”.

Então cheguei aqui, 35 anos. De todas as formas que eu não cheguei aos 35 com as coisas que eu achava que teria com essa idade, completar 1 ano de pandemia mundial e desgovernada no Brasil DEFINITIVAMENTE não estava na lista.

No meu aniversário não teve Zoom, nada de chamada coletiva para os parabéns, já não temos mais paciência para isso. Foi um dia de expediente normal (adeus folga de aniversário!) na minha mesa de sempre, porém com bolo, pão de queijo e café (com distanciamento) com as colegas de trabalho. Meu auto-presente foi um corte de cabelo, mas até a ida no salão precisou se adaptar à Fase Vermelha em Maceió: foi no dia anterior, terça, durante o horário de almoço, já que os salões estão fechando às 18h, hora que saio do trabalho.

Ganhei presentes em forma de comida e minha amiga Joelma apareceu, no fim da noite, na minha portaria para dar os parabéns e conversar à distância, assim como no ano passado.

A comemoração, contudo, não foi totalmente solitária em casa. 2020 também me rendeu Nairóbi e Hermione, duas gatinhas de rua que adotei filhotes ainda no começo da pandemia e que salvam minha vida diariamente desde então.

Foto: Cortesia ao Eufemea

Tenho duas criaturinhas à minha espera quando chego em casa, largando pelo em todo canto e me acordando entre 4 e 5 da manhã para conferir o pote de ração delas, por mais que eu tenha abastecido antes de dormir. Foi um ano solitário, mas de amor felino sincero. Recomendo demais companhias assim, desde que seja uma adoção responsável!

Foto: Cortesia ao Eufemea

Deste aniversário, vou dizer apenas que sobrevivi. Não sei o que esperar do ano que vem, só espero repetir que cheguei com saúde e que não perdi ninguém.

De resto, me apoio nos pequenos prazeres ainda possíveis para fortalecer a mente e o corpo e seguir atravessando essa tempestade. E TAMBÉM NA TERAPIA! Já fazia e esse ano ela se mostrou ainda mais importante. Recomendo muito, existem alguns projetos na internet e clínicas-escola fazendo acompanhamento gratuito à distância.

Por fim, 2020/2021 mostrou que meu lema de vida, tirado diretamente da série “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, de Douglas Adams, nunca foi tão atual: NÃO ENTRE EM PÂNICO! Assim mesmo, escrito em letras garrafais e amigáveis.

Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.