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“Me sinto deformada”: mais de 30 mulheres denunciam cirurgião plástico por suposto erro médico

“Confesso que me sinto deformada”. É assim que Silva relata o que sente com relação ao corpo. A paciente, que prefere usar esse codinome para se identificar, faz parte do grupo “Justiça” que reúne 35 mulheres até o momento no WhatsApp.

O grupo tem uma causa em comum, apoio psicológico e jurídico entre as dezenas de mulheres alagoanas que se dizem vítimas de erro médico por parte do cirurgião plástico alagoano, Felipe Mendonça.

Entre os relatos está o caso de Camila Araújo, que se submeteu a uma lipoaspiração e mastopexia em 2018 e entrou em depressão logo depois. “Precisei parar de trabalhar e estudar durante um bom tempo. Não conseguia me olhar no espelho. Todos os pontos abriram eu nem me levantava por receio, até hoje tenho cicatrizes enormes”, relata.

“Pedi para lipar os braços e fazer a papada e ele esqueceu de fazer, marcamos depois no hospital Arthur Ramos no final de expediente, onde tudo aconteceu com muita pressa, em uma sala sem estrutura pra fazer o procedimento. Pensei que iria dormir, mas fiquei acordada o tempo todo, vi tudo, senti tudo e ao mesmo tempo que fazia falava coisas como: “na próxima vou precisar te costurar inteira, precisa aprender a fechar a boca”, relembra Camila.

“Enviei um e-mail para ele”

Camila contou com exclusividade ao Eufêmea que o sofrimento foi tanto que, na tentativa de amenizar e colocar o sentimento para fora, escreveu um e-mail ao médico na semana seguinte ao procedimento e ele respondeu que não entendeu a mensagem, já que “teve o melhor atendimento do mundo”, ela informa.

Abaixo, destacamos um trecho do e-mail enviado ao médico pela paciente:

“Eu estava praticamente em uma crise de pânico, não conseguia falar, não conseguia reagir a nada, só conseguia segurar no lençol e ficar calada, foi quando você me perguntou se eu queria costurar o pescoço ou não, não conseguia falar, estava em pânico. Me cortou, me costurou, o sangue descendo, o cheiro de queimado. Lipou um braço mais do que outro porque não aguentei de tanta dor. Eu parecia um pedaço de carne com tamanha brutalidade. Quando saí do hospital vi que estava ao telefone dentro do carro, ao menos falou ou me deu qualquer instrução de pós-operatório. Fui para casa arrasada, procurar na internet como seria um pós-operatório do que fiz”.

E continua:

“Precisei fazer tratamento psiquiátrico, tomando cloridrato de sertralina, bupropiona e alprazolan porque não conseguia dormir com pesadelos. Não conseguia sair de casa. E nisso precisei de dois anos e meio parada, apenas em tratamento com psiquiatra Thiago Queiroz em Recife pra poder recomeçar”, completa Camila.

O sonho que virou pesadelo
Foto: Cortesia ao Eufêmea

O sentimento é comum ao de Silva, mencionada no início da reportagem. Ela conta que procurou o médico para fazer quatro procedimentos, mamoplastia, abdominoplastia, lipoaspiração e retirada de pedra na vesícula e hoje também não se sente bem ao se olhar no espelho.

“Passei dias horríveis. Hoje sinto que o sonho que tanto sonhei virou um pesadelo. Tentei fazer alguns procedimentos para ver se disfarçava o trauma que ficou, mas não ficou muito bom. Cheguei a fazer uma tatuagem enorme para encobrir o buraco fundo, camuflagem das cicatrizes, mas mesmo assim eram muito grossas e ainda aparece bem forte”, contou.

“Ele nos culpava”

Outro ponto em comum revelado pelas pacientes é o fato de que o médico atribuiria às próprias mulheres os problemas pós-cirúrgicos e, por isso, algumas demoraram até dez anos para denunciar. “Acreditava que o problema era eu, como ele mesmo falou não tinha acontecido com mais ninguém”, diz Camila Araújo.

“Ele culpou a minha depressão e o Rivotril que eu tomava pelo resultado do meu corpo”, explica a influencer Letícia Morais, que veio a público na última semana expondo o resultado das intervenções no seu corpo, fato que foi responsável por unir todas essas mulheres que, pouco a pouco, estão surgindo e se encorajando a denunciar o profissional. “Fiz Lipo hd, mamoplastia (prótese) + mini abdominaplastia e enxerto no dia 6 de dezembro do ano passado. Ele falou que a cirurgia correu bem, que eu acordei durante o procedimento e eu lembro”, afirma.

“Estávamos em processo ainda de paciente e médico e eu sempre falando das minhas insatisfações, mostrava fotos, vídeos, pessoalmente e por mensagem e ele a todo tempo dizia que era normal”, completa.

“Não posso dormir com minha filha porque meu peito dói, durmo segurando a mão dela. Me sinto um lixo, me fez pensar que eu era louca. Tenho medo de ter um AVC ou infartar porque são muitos casos vindo à tona e todos nas minhas costas para dar apoio, fora as que estão com medo e entraram em contato”.

“Ele quer me calar na justiça”

O medo tem um explicação, com a exposição e repercussão que o caso vem tomando, Leticia foi intimada no último dia 30 a se abster de falar o nome do médico sob pena de multa diária de R$ 500,00. “Estou totalmente exausta e esgotada emocionalmente, principalmente por ele ter me colocado na justiça para me impedir de falar”, afirma.

O grupo é representado pela advogada Julia Nunes, que está colhendo todos os relatos das vítimas e pretende acionar a Polícia Civil ainda hoje para instauração do inquérito policial. “As vítimas estão se mobilizando para formalizar as denúncias e há outros casos que estão na Justiça há mais de três anos, envolvendo o mesmo cirurgião”, relata.

Ampla repercussão

O caso deve ganhar repercussão nacional nas próximas horas. Luiza Brunet, empresária e ativista no enfrentamento à violência contra a mulher, acaba de entrar no grupo do WhatsApp e pretende apresentar a história dessas mulheres dentro da pauta de violência estética no evento de lançamento do Instituto Nós Por Elas que ocorre hoje em Brasília.

Nossa reportagem contatou o médico, Dr. Felipe Mendonça, que respondeu às mensagens informando que seu advogado entraria em contato. Segue abaixo a nota de esclarecimento do médico:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Inicialmente, é importante esclarecer que, até a noite de ontem, não era de meu conhecimento a denúncia da Associação AME. Ressalto que não há nenhum tipo de laudo pericial ou qualquer evidência que corrobore com a alegação de suposto erro médico de minha parte. Tampouco condenação judicial ou ética.

Complicações pós-cirúrgicas há anos são descritas pela literatura médica e previstas em Termo de Consentimento. Sua existência não implica automaticamente na responsabilidade do profissional médico, podendo decorrer por diversos fatores alheios ao ato médico.

Desde 2009, realizo cerca de 400 cirurgias plásticas por ano, sendo membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e realizando continuamente cursos de especialização no Brasil e no exterior.

Como profissional da saúde, minha prioridade é seguir as normas éticas que regem a profissão, utilizando conhecimento atualizado e me esforçando ao máximo para garantir a saúde e o bem-estar de meus pacientes. Dessa forma, reitero meu compromisso com uma prática médica ética, responsável e de alta qualidade. Sigo à disposição para sanar quaisquer dúvidas que possam surgir.

Meline Lopes

Meline Lopes

Jornalista, advogada, especialista em comunicação e em marketing digital. Atuou como repórter de televisão durante 9 anos em diversas emissoras do Brasil. É repórter do Eufêmea.