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Elas foram abandonadas pelos maridos após descobrirem que estavam com câncer: “pior que a doença era a indiferença”

Foto: Banco de Imagem Freepik

Foi em 2015 que Alice* recebeu o diagnóstico de câncer de mama. Ela sabia que a vida dela mudaria, mas não imaginava que não contaria com um apoio de quem ela amava: do seu ex-marido. 

Ela contou ao Eufêmea que, em 2014, os dois estavam vivendo um “ensaio da separação”. 

“Naquele ano, eu e o pai dos meus filhos moramos em apartamentos separados, mas ele exercia muito domínio sobre mim. Eu não tinha coragem de dizer não. Confesso que era muito dependente dele”, disse.

Em 2015, os dois voltaram a morar juntos. “A volta foi em janeiro e em junho eu recebi o resultado da biópsia”. Ao contar para o ex-marido que poderia ser câncer de mama, ele disse que “isso era coisa da cabeça dela”.

“Em agosto procurei a médica, fiz uma maratona de exames; em outubro fiz a cirurgia”, contou. 

Durante esse período, Alice revelou que não teve apoio, afeto ou demonstração de preocupação por parte dele. “Quando ele me acompanhou foi com a cara feia”.

“Cirurgia, tratamento de quimioterapia, queda de cabelo, depressão. Tudo isso somado a indiferença e insensibilidade dele”, disse.

O abandono não veio de uma hora pra outra. Segundo ela, o abandono foi mascarado. 

“Teve um dia que eu disse para ele: o câncer eu estou enfrentando, tenho uma equipe médica maravilhosa, orações e um Deus que me acompanha; mas pior do que enfrentar o câncer, é enfrentar essa sua indiferença”, contou.

Dentro de casa, Alice se sentia invisível. Ela contou que, quando chorava de dor, o ex-marido chegava com um comprimido de dorflex. Em outros momentos, ele dizia que ela estava fazendo chantagem emocional.

“No final de 2016, já estava me sentindo melhor, já me empoderando. A presença do meu ex me incomodava muito. Nesse período, estava tentando me afastar de tudo que tirava minha paz e a minha alegria”, revelou. 

Em 2017, o divórcio saiu. “O câncer foi o momento que evidenciou a relação triste e doentia que eu vivia”. Ela pagava o plano de saúde, que era no nome dele, mas precisou entrar na Justiça, já que ele cortou o plano em outubro do ano passado.

Solidão a dois

De acordo com Alice, o câncer, além de doloroso, foi solitário, mesmo estando ‘acompanhada’. “No tratamento, vivi a solidão mais devastadora: a solidão a dois”.

A situação de Alice não é exceção. Ela é tão comum que, de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, 70% das pacientes lidam com a rejeição de seus parceiros nesse momento.

“Ele não esperou nem a alta dela”

Francisca Lúcia é amiga de Cândida* (que faleceu em 2021). Ela acompanhou a dor e o sofrimento da amiga que foi deixada assim que fez a cirurgia para a retirada total de uma das mamas. “Ele não esperou nem a alta dela. Arrumou outra mulher e a deixou”.

Francisca conta que Cândida era professora e tinha duas filhas. “Ela ficava muito triste porque o esposo não cuidava nem das meninas mais”. Após a cirurgia, Cândida teve uma breve recuperação, voltou ao trabalho e tentou seguir adiante.

“Só que ela teve uma piora”, disse. Com isso, na fase ‘terminal’, o ex-marido voltou para casa e “deu assistência”. Para Francisca, ele estava focado em receber a pensão. “Tanto é que ele recebe a pensão dela até hoje”.

Ao Eufêmea, Francisca afirmou que Cândida amava o esposo, mas que tinha “consciência que estava sendo deixada devido às condições de saúde dela”. 

“Ela achava que ele não a via mais como mulher pelo fato dela ter retirado a mama. Ela me perguntava: ‘Qual homem quer uma mulher como eu?’”. 

“Queria voltar, até saber que eu estava doente”

No caso de Maria, de 51 anos, moradora de Arapiraca, a situação foi um pouco diferente. Ela teve um relacionamento de oito anos com o pai do filho dela. 

“Eu vivia um relacionamento abusivo. Sofri todas as violências possíveis: psicológica, patrimonial, verbal e física. Eu não sabia que vivia nessa relação e eu escutava de todo mundo que homem era assim mesmo”, disse.

Maria sentia dores, mas não procurou um médico na época. “Eu não tinha apoio dele nem para isso: sabia que eu estava doente, mas não me incentivou a buscar ajuda”.

O relacionamento não era saudável, e isso fez com que Maria se deixasse um pouco de lado. “Nós vivíamos terminando e voltando. Até que um dia ele me bateu e meu filho viu. Foi horrível”.

O motivo do término, diz, foram as agressões constantes; mas ao acabar o relacionamento, Maria ainda recebia mensagens do ex pedindo para voltar. No entanto, tudo mudou quando ela descobriu que estava com endometriose adenomiose e um princípio de câncer de útero.

“Precisei fazer cirurgia, e não pude mais trabalhar.  Falei com ele para me ajudar, inclusive ficando com os nossos filhos, mas ele sumiu e não me ajudou. E antes de comunicá-lo que eu estava doente, ele dizia que me amava e que eu era a mulher da vida dele”, comentou.

Maria contou, na época, com ajuda de amigos, familiares e fez uma vaquinha online para custear o tratamento. Já o ex, não ficava com o filho, nem pagava pensão. “Quando eu estava com 15 dias de operada, ele publicou nas redes sociais uma foto com outra pessoa e disse que tinha encontrado o amor da vida dele, e que as ‘outras’ só queriam dinheiro dele”.

(Os nomes foram resguardados a pedidos das mulheres)

Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.