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Mulheres vítimas de queimaduras graves relatam dores e superação: “me deram 15 dias de vida”

Foto: Manuela

“Naquele momento, quando percebi que estava sendo queimada, eu só pensei que iria morrer”. A fala é da alagoana Jacily Rayane, de 28 anos, sobrevivente de um acidente que causou queimaduras de terceiro grau em 25% do corpo.

Ao Eufêmea, Jacily relata os momentos de angústia e desespero que enfrentou desde o acidente que também resultou em queimaduras em sua filha, de um ano na época. Tudo mudou para Jacily quando, em um churrasco, seu irmão tentou acender uma chapa de mesa com álcool, momento em que o acidente aconteceu.

Ela e sua filha foram atingidas pelas chamas, resultando em queimaduras de terceiro grau em 25% do corpo de Jacily, especialmente na região da cintura para cima. Ela foi imediatamente levada à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e encaminhada para a capital, onde iniciou um longo processo de tratamento médico. Jacily passou por diversas cirurgias e teve uma jornada de 91 dias internada.

Desamparada e atordoada

De acordo com ela, no momento do acidente, ela se viu tomada pelo medo e desespero. A ideia de que poderia não sobreviver passou pela sua cabeça, enquanto seus filhos choravam.

No entanto, Jacily acredita que há um propósito divino em sua jornada e que Deus a curou para transmitir uma mensagem de esperança e força a outras mulheres. “Quando tem um propósito na vida da gente, por mais que a gente corra, faça o que for, ele sempre cumpre, não adianta”, diz.

A alagoana relata que no início se sentiu desamparada e atordoada, sem saber exatamente o que esperar do futuro. Porém, encontrou forças dentro de si mesma para lutar pela sua vida e pela de seus filhos. Ela expõe que enfrentou inúmeras dificuldades ao longo do processo de recuperação, contraindo uma infecção grave que quase a levou à morte.

“Eu sofri muito, só eu e Deus sabemos o quanto, mas lutei e persisti pelos meus filhos, que precisavam de mim e testemunharam todo o meu sofrimento. Hoje eu sou um milagre de Deus”, desabafa.

Apesar dos avanços em sua recuperação, Jacily ainda enfrenta dores intensas e precisa tomar morfina e remédios para dormir. Ela lida com uma ansiedade constante e está aos poucos se adaptando à nova realidade: viver com dor.

Jacily afirma ainda que sua vida mudou drasticamente e que não pode mais exercer a profissão de cabeleireira como antes. No entanto, ela reforça que não sente vergonha de suas cicatrizes, pois elas são “um símbolo de sua força e resiliência”.

“Não tenho nenhum pingo de vergonha das minhas marcas, jamais. Eu suportei muito mais do que muitos poderiam suportar”.

“Só me deram 15 dias de vida”
Foto: Cortesia

Já Manuela Herculano Tenório, de 38 anos, sofreu um grave acidente doméstico que resultou em queimaduras de terceiro grau em 70% de seu corpo. O incidente ocorreu em 2013, quando Manuela sofreu uma crise convulsiva epiléptica enquanto fritava um ovo.

Durante a queda, ela acidentalmente bateu em uma panela com margarina em chamas, desencadeando um incêndio que rapidamente se espalhou por seu cabelo, rosto, abdômen e braços. Ela conseguiu apagar as chamas com água, mas o fogo já havia causado danos significativos.

A estudante de pedagogia conta que sobreviveu graças ao seu filho de nove anos, que apagou as chamas em suas costas e no sofá da casa antes de buscar ajuda dos vizinhos. Ela foi encaminhada ao Hospital Geral do Estado (HGE), onde permaneceu internada por quase três meses. Os médicos alertaram sua família sobre a gravidade dos ferimentos.

“Só deram 15 dias de vida para mim. Fiquei no oxigênio, fizeram várias cirurgias plásticas, desbridamento cirúrgico, curativos, exames laboratoriais, hemotransfusão,  e depois de dois meses fizeram o enxerto de pele, onde retiraram toda a pele das minhas pernas para botar por cima das minhas queimaduras. Passei 5 dias com meus braços abertos e amarrados  para o enxerto não cair”, informa.

Manuela destaca que recebeu tratamento adequado para suas queimaduras, incluindo cirurgias plásticas, enxerto de pele e sessões de fisioterapia. Apesar dos prognósticos iniciais, ela recebeu alta em 2 de maio de 2013.

Após deixar o hospital, Manuela continuou seu processo de reabilitação, dedicando quatro anos de sua vida à fisioterapia na clínica. O tratamento foi fundamental para recuperar a mobilidade de seus braços e pescoço, que foram severamente afetados pelas queimaduras. Ela também mantém acompanhamento regular com um neurologista e dermatologista no Hospital Universitário (HU), visando garantir sua saúde contínua.

No entanto, ela relata o impacto das reações negativas em sua autoestima após o acidente. “Muitas pessoas olhavam para minhas queimaduras com olhar de pena, de espanto como se nunca visse uma pessoa com queimaduras. Às vezes falam palavras que me deixam muito triste. Falavam que um dia para eu conseguir casar o homem tinha que ter muita coragem. Queriam tocar na minha queimadura sem eu deixar”, relata.

Seu rosto exibia marcas de cicatrizes na testa, perto da boca, nariz e pescoço, assim como suas mãos, tornando sua busca por oportunidades de trabalho cada vez mais difícil. A estudante de pedagogia enfrentou o preconceito ao ser negada em uma vaga por uma diretora de colégio.

“Ela não me aceitou porque disse que as crianças poderiam ficar com medo das minhas queimaduras. Quando eu soube disso eu fiquei muito triste”, lamenta.

“Uns dias eu passei na frente de uma outra mulher, dona do local, que me perguntou se eu queria ensinar na escola dela. Eu passei três anos ensinando nessa escola e só saí porque minha mãe teve câncer de mama, então tive que cuidar dela”, continua.

Atualmente, Manuela não trabalha formalmente, recebendo um benefício do INSS para auxiliar em suas necessidades financeiras. “Ser mãe solteira, sustentar um filho e arcar com as despesas médicas e tratamentos com apenas um salário mínimo não é fácil”.

Além disso, ela carrega as marcas permanentes na forma de uma orelha perdida e uma audição parcialmente comprometida, além de uma mão esquerda afetada. Os olhares invasivos e a perseguição de pessoas em locais públicos, como praias e shoppings, são desafios diários que ela enfrenta.

Porém, Manuela entende profundamente o que outras pessoas que sofreram queimaduras passam, compartilhando a dor e o peso dos olhares de pena, apenas compreendidos por aqueles que já enfrentaram acidentes semelhantes.

Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.