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A voz de Mônica Cavalcante é um grito contra a opressão, o machismo e a culpa que carregamos

O vídeo deixado por Mônica Cavalcante, vítima de feminicídio em São José da Tapera, doeu em todas nós. Ele traz consigo muitas coisas: pedido socorro, conselho para outras mulheres, culpabilização e justificativa. A voz de Mônica Cavalcante é um grito contra a opressão, o machismo e a culpa que carregamos.

Eu quero falar sobre a culpabilização e o se justificar para a sociedade. Quero falar sobre isso porque eu sei que muitas mulheres estão passando, nesse exato momento, por isso.

“Eu fiz de tudo para a gente ser feliz, mas não deu. Eu fui uma boa esposa, respeitei ele em todos os aspectos, mas era um relacionamento extremamente abusivo, mas eu fiz de tudo que eu pude…”, disse a vítima em um trecho do vídeo.

Vocês conseguem perceber que dentro dessa fala dela existe uma culpa? Como se a responsabilidade pelo relacionamento fosse apenas dela. Como se ela tivesse tivesse culpa do relacionamento não ir bem.

Quando ela se coloca como ‘fui uma boa esposa’, ela demonstra que seguiu o que a sociedade pede, mas por qual motivo ela está vivendo aquela relação abusiva? Se ela foi uma boa esposa? Se ela tentou manter o relacionamento firme?

Mais uma vez, trago para o contexto de que a mulher carrega muitas culpas. Essa culpabilização feminina é um fenômeno profundamente enraizado na sociedade, no qual as mulheres são frequentemente responsabilizadas por uma série de questões e problemas, independentemente de sua verdadeira responsabilidade.

Essa dinâmica é alimentada por normas sociais patriarcais que perpetuam a desigualdade de gênero e reforçam estereótipos.

Sim, Mônica diz, em suas últimas palavras, que “tentou, mas não deu”. Isso me relembra que as mulheres vivem tentando salvar seus casamentos, relacionamentos, mas que nem sempre dá. Só que isso recai sobre a mulher como se ela tivesse que salvar o relacionamento, porque a sociedade patriarcal enxerga a mulher como responsável por cuidar do homem e do lar, e cobra isso dela.

Ao mesmo tempo que ela fala sobre tudo isso, ela também está se justificando para as pessoas. Sabe por qual motivo? Porque ela sabia que seria morta. E sim, quando ela morresse, ainda assim, muitas pessoas iriam culpabilizar essa mulher de alguma forma. E quando falo em pessoas, falo também que as próprias mulheres a jogariam nessa posição de culpada e não de vítima.

“Como aguentou tanto tempo?”; “Por qual motivo não fez um BO?”; “Ela deveria ter se separado antes”. Tudo isso coloca a mulher como culpada da sua própria morte.

As mulheres são constantemente pressionadas a se justificar e explicar suas escolhas, ações e até mesmo sua própria existência. Essa necessidade de se justificar o tempo todo é uma consequência direta de uma sociedade patriarcal que valoriza e privilegia o ponto de vista masculino.

A sociedade patriarcal cria um ambiente em que as mulheres são constantemente colocadas em uma posição defensiva, onde sua autonomia e autoridade são sistematicamente minadas.

Antes de morrer, Mônica gravou um vídeo que mostra bem o que é ser mulher nessa sociedade: sozinha, chorando, desamparada, se justificando, carregando culpas e assassinada na porta de um Fórum, onde se faz Justiça. Mais simbólico que isso, não há.

A voz de Mônica foi ‘calada’, mas nós ainda temos voz. E vamos gritar por ela.

Estou no Instagram: @raissa.franca
Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.