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Pai não ajuda, pai cumpre seu papel

Não está tão distante de nós o tempo em que a mãe era aquela que, desde a gestação até o resto da vida do filho a ser posto no mundo, era entendida como alguém cuja existência estava diretamente ligada ao atendimento total das necessidades daquele filho.

O tempo passou, a coisa mudou (quero mesmo ser otimista!). A mãe também se percebeu pessoa; entendeu que, para ela, há outros papéis, outras funções… e tudo isso abriu margem às possibilidades de o pai ser alguém para além do provedor financeiro da família.

A convocação ainda provoca estranhamento – não somente entre os homens, mas também, em razão da crosta consistente que envolve a cultura em que estamos inseridos, nas mulheres. Há quem diga, em tons aveludados: “Que lindo, seu marido te ajuda muito”, ou “Nossa, você tem muita sorte por ter um marido que te ajuda com o filho!”.

Deixo aqui meu convite para que você, se já não o fez, revise a ideia de que cuidar, cumprir tarefas que dizem respeito à rotina do filho, fazer coisas que, em tese, são próprias do papel da mãe é, qualquer coisa, menos ajuda.

A teoria Winnicottiana nos revela que a mãe é, sim, na idade inicial, de dependência absoluta do bebê, quase que uma unidade com ele; há, portanto, uma fusão entre mãe e filho. Se fundem pela lógica inconsciente. A mãe se entrega no dever que toma para si, de suprir tudo aquilo que imagina ser necessário para que o seu bebê sobreviva e se sinta bem. O filho, por sua vez, vê suas necessidades supridas (quando assim o é, claro), e espera cada vez mais daquela interação.

E isso cansa, desgasta, e, segundo relatos de muitas mães que chegam à clínica, por meio da psicoterapia, quase enlouquece.

E o que o pai tem a ver com isso? Algumas pessoas diriam que pouco, já que o peito é da mãe!

As necessidades básicas do bebê estão para além do peito. Aliás, nem é em todos os casos que a alimentação se dá por meio do seio materno. Além das eventuais mamadeiras, os pais também podem dar banho, trocar fraldas, colocar para dormir… a criança, inclusive, segundo Winnicott, tem esse pai como uma mãe substituta, e sente-se suprida e satisfeita com os cuidados que lhe são ofertados, também pelo pai. Não fosse assim, como sobreviveriam as crianças criadas por mães não biológicas, e por cuidadores que não são mulheres? Enfim… não é sobre biologia ou anatomia, não é sobre gênero, nesse aspecto, que falamos. É sobre cuidado. Manejo. Suporte.

E, falando em suporte, um papel também importante do pai (que também em nada se confunde com ajuda), diz respeito ao suporte em favor do ambiente e em favor da mãe do bebê, para que esses se façam suficientemente bons, e criem condições favoráveis ao desenvolvimento infantil.

Poupar a mãe de tarefas com a casa, para que ela possa se dedicar ao filho; tomar decisões quanto às terceiras pessoas que eventualmente poderiam interferir na interação mãe-bebê; cuidar da mãe, de forma mais direta, por meio de atitudes que podem parecer pequenas, mas cheias de valia, como ofertar água e comida; estar com o bebê enquanto a mãe toma um banho; e, por que não dizer, mais à frente, dar espaço para que a mãe faça algo em prol de si mesma (perguntando para ela sobre o que lhe faria sentir-se bem).

Nada disso é ajuda. Nada disso é favor.

Compõe a compreensão da colaboração mútua, da parceria e do senso de responsabilidade, que estão (ou deveriam estar) intimamente ligados à ideia de trazer alguém à vida – para além da vida daquela família – à sociedade.

Lavínia Lins

“Mãezinha, após usar o trocador, coloque os materiais no lixo.”

Esta foi a frase que me surpreendeu quando precisei levar minha filha ao trocador, na primeira consulta à pediatra. Estava escrita no espaço reservado pela clínica para as trocas das crianças. Coincidentemente, fui eu quem a levei para trocar a fralda, mas poderia ter sido o meu marido, que também estava presente naquele momento.

O “paizinho” também não poderia trocar a fralda? Não poderia levar a filha sozinho à consulta?

É fato que o cuidado ainda é um tema muito distante para a maioria dos homens, mas sabemos que o papel do pai é tão importante quanto o da mãe para promover acolhimento, crescimento e desenvolvimento adequados para a criança.

Segundo o estudo “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil” (de 2021), desenvolvido pelo IBGE[1]; em 2019, as mulheres, principalmente as pretas ou pardas, dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas contra 11,0 horas).

Ainda segundo o estudo, mesmo para as mulheres que se encontram ocupadas em trabalhos por tempo parcial, “o seu maior envolvimento em atividades de cuidados e/ou afazeres domésticos tende a impactar na forma de inserção delas no mercado de trabalho, que é marcada pela necessidade de conciliação da dupla jornada entre trabalho remunerado e não remunerado”.

Por outro lado, também é fato que vivemos um tempo de mudanças, no qual vem crescendo a percepção dos pais acerca dos seus deveres, de modo que acabou virando comum as pessoas se referirem ao pai que ajuda como um herói, como exemplo, como um paizão.

É até compreensível essa postura das pessoas ao se referirem dessa forma ao pai que cumpre o seu papel, haja vista que culturalmente tais atribuições eram exercidas com exclusividade pela mãe.

Todavia, ela não pode se perpetuar.

Se nós, enquanto família e sociedade, perpetuarmos a cultura do pai que ajuda, seguiremos sobrecarregando a mãe que exerce trabalho doméstico não remunerado, a mãe que exerce dupla e até tripla jornada; continuaremos romantizando a situação da mãe exausta, da mãe guerreira.

Esta não é uma missão apenas da família, mas, como dito, é também da sociedade, dos gestores, dos profissionais de saúde: não há dúvida de que o envolvimento ativo dos homens com todas as fases da gestação e nas ações de cuidado com os filhos fortalece o vínculo saudável entre crianças, homens e suas/seus parceiras (os).

Embora ainda haja muito a avançar, nossa legislação tem evoluído acerca do tema. É o caso, por exemplo, da Lei n.º 11.108/2005, que garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.

A CLT, por sua vez, prevê no art. 473, que o “empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:  III – por 5 (cinco) dias consecutivos, em caso de nascimento de filho, de adoção ou de guarda compartilhada” (Redação dada pela Lei nº 14.457, de 2022). Igualmente poderá afastar-se pelo tempo necessário para acompanhar sua esposa ou companheira em até seis consultas médicas ou exames complementares, durante o período de gravidez (inc. X).

A Consolidação das Leis do trabalho também prevê que é possível o afastamento por 01 (um) dia no ano para acompanhar filho de até 06 anos em consulta médica (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016).

Quantas vezes a criança, principalmente aquelas em idade escolar, contrai virose em um ano? Ao responder a esta pergunta, já fica nítido – apesar de se tratarem de alterações recentes – o quão ainda precisamos evoluir legislativamente.

Por fim, vale destacar ainda que a licença paternidade pode ser estendida por mais 15 dias; apenas nos casos em que a empresa empregadora tenha aderido ao Programa Empresa Cidadã, regido pela Lei n.º 11.770/2008.

Precisamos, portanto, estimular e garantir a participação dos pais no cumprimento do seu papel, para que os cartazes nos trocadores não se dirijam apenas às mãezinhas.

A soma entre garantias legais, conscientização, incentivo dos profissionais de saúde, atuação de gestores, possibilita fortalecimento de vínculos, qualidade de vida na família, e até mesmo maior realização profissional, tirando a mãe exausta do lugar de guerreira.

Ana Carolina Trindade

Dicas de Cursos:

Curso “Pai Presente: Cuidado e Compromisso”: Curso desenvolvido pelo Ministério da Saúde, em Parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para atender à crescente demanda de pais e/ou futuros pais sobre como se envolver no processo de planejamento reprodutivo, pré-natal, parto e pós-parto de sua parceira e nos cuidados no desenvolvimento da criança. O curso é online e tem uma carga horária de 12 horas.

Disponível em:  https://avasus.ufrn.br/local/avasplugin/cursos/curso.php?id=77

Curso “Promoção do Envolvimento dos Homens na Paternidade e no Cuidado”: elaborado em parceria entre o Ministério da Saúde, o Instituto Promundo, a UFRN e a Comunidade de Práticas, este curso é direcionado para profissionais da saúde e gestores. Tem como objetivo discutir questões relacionadas ao exercício da paternidade e do cuidado como gênero, sexualidade, diversidade sexual, masculinidades e violência. É online e tem uma carga horária de 60 horas.

Disponível em: https://avasus.ufrn.br/local/avasplugin/cursos/curso.php?id=77


[1] Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdfm

Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade é advogada, especialista em Direito e Família e Sucessões. Graduada e Mestre em Direito pela UFAL. Também é professora e Doutoranda. Lavínia Lins é psicóloga clínica, psicoterapeuta com base de trabalho na Psicanálise, escritora e palestrante.