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Não quero dinheiro, eu só quero amar

É muito provável que você tenha lembrado desta música quando questionado acerca do regime de bens do seu casamento. “E precisa escolher?”; “Não quero pensar nisso agora!”; “Eu não vou casar pensando em me divorciar!”; “Se eu for falar sobre isso com meu noivo(a), vai achar que sou interesseiro(a)”; “Isso só é importante pra quem tem muito dinheiro!”.

Estas são algumas das frases comumente repetidas por quem está prestes a casar. Até poderia me referir aqui também a quem pretende viver em união estável. Mas, neste caso, a situação é ainda pior, pois como não se exige nenhuma formalidade para constituí-la, muitas pessoas apenas iniciam a relação sem serem questionadas ou se questionarem acerca da escolha do regime patrimonial.

No casamento, por outro lado, o questionamento vai necessariamente existir, pois ao fazer a habilitação para casar, o oficial do cartório irá perguntar aos nubentes (noivos) qual regime irão escolher, e estes, na grande maioria das vezes, “optam” pela comunhão parcial de bens, pois não querem conversar sobre isso, e/ou não entendem como funcionam os regimes, e nem a importância desta escolha.

Sim, é uma escolha relevante para o casal!

Juridicamente, esta escolha é chamada de planejamento matrimonial. Embora este envolva outros aspectos além do patrimonial/financeiro, na coluna desta semana vamos abordá-lo nesta perspectiva, uma vez que a prática da advocacia familiarista e sucessória vem demonstrando que a ausência de planejamento é um dos grandes motivos geradores de conflitos entre os casais/ex-casais.

Recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que, em 2021, o Brasil teve um total de 386,8 mil divórcios concedidos judicialmente ou realizados de maneira extrajudicial (por escritura pública em cartório); ou seja, 16,8% a mais que em 2020.

Dentre os muitos motivos que podem levar um casal ao divórcio, uma tendência que tem sido observada é o seu aumento em virtude de problemas trazidos por questões financeiras.

A infidelidade patrimonial/financeira é uma realidade, e se evidencia, por exemplo, na aquisição de bens em nome de terceiros (para que não componham a partilha), na omissão acerca da renda e gastos mensais, na desconsideração da opinião do parceiro acerca de decisões que possam impactar nas finanças do casal, etc.

A legislação brasileira, por outro lado, oferece instrumentos que possibilitam que os parceiros ordenem estas questões de forma clara antes mesmo do casamento/união estável, de acordo com as necessidades e perfil de cada casal.

Antes do casamento, é possível realizar um pacto antenupcial, por meio do qual os noivos, previamente orientados por profissional especialista, irão escolher qual regime de bens mais se adequa às suas expectativas patrimoniais e financeiras durante e após o casamento (caso este venha a terminar em virtude do divórcio; ou pela morte de um dos cônjuges).

O mesmo se dá quanto à união estável, sendo que, neste caso, o casal irá firmar um contrato de união estável, que fará as vezes do pacto antenupcial.

Por meio desses instrumentos, o casal poderá, além de escolher dentre um dos regimes previstos em lei (comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens, e regime de participação final nos aquestos), mesclar regras de mais de um regime, de acordo com suas necessidades, criando um regime misto adequado ao perfil dos parceiros.

E se eu não tiver realizado esta escolha prévia?

Grande parte dos casais não faz este planejamento antes de concretizar a relação, todavia existe a possibilidade de fazê-lo ainda que no curso do casamento/união estável, promovendo-se uma mudança de regime de bens, que, em regra, produzirá efeitos jurídicos a partir de então.

Relevante destacar que estas escolhas também repercutem na liberdade de disposição patrimonial que o casal pretende/precisa ter durante o casamento.

A depender do regime escolhido, dependerão da concordância do seu cônjuge para vender/doar determinados bens, ou para serem fiadores ou avalistas, por exemplo. Se algum dos cônjuges exerce uma atividade empresária, é igualmente grande a repercussão da escolha do regime no desenvolvimento de tal atividade.

Questões financeiras, como decisões acerca de quem vai arcar com as despesas da família, em que proporção, limites, etc, podem também ser incluídas no planejamento.

Por fim, necessário frisar que tais escolhas ainda irão ecoar no aspecto sucessório. Com a morte de um dos parceiros, o regime de bens anteriormente adotado irá influenciar na definição dos herdeiros do falecido. Ou seja, a depender do regime escolhido, é possível que você não seja herdeiro do seu parceiro.

Planejamento, portanto, é a palavra de ordem quando o assunto é patrimônio/finanças do casal.

A partir do momento em que o casal decide ter algo sério, a consulta com um advogado especialista é essencial para que a parceria funcione a longo prazo, para que haja transparência, e perspectiva de futuro.

Ana Carolina Trindade (anacarolinatrindade.cohen)

E por que é tão difícil falar sobre dinheiro, quando o amor está envolvido?

Convido você a, comigo, começar essa reflexão a partir de um fragmento do livro “A gente mira no amor e acerta na solidão”, de Ana Suy:

“A paixão não quer saber da castração, dos limites, da solidão. O apaixonado sente que encontrou sua ‘cara-metade’, ‘A’ pessoa que nos permitiria não saber da nossa condição de faltantes, tal como vimos no mito de Aristófanes. Na paixão, é de plenitude que se trata, seja de alegria ou de infelicidade, porque a paixão tem horror aos meio-termos, aos mais ou menos, às ponderações. A paixão é sobre tudo ou nada”.

Nesse jogo arriscado de tudo ou nada, reside o medo de uma faísca acender o fogo da perda. E, quem quer perder? Ninguém. Não nos ensinaram a lidar com perdas. Sobretudo, quando as coisas parecem ir tão bem, mas tão bem, que sentimos viver um conto de fadas.

Amar é, para a imensa maioria de nós, algo sobre ganhar, completar, encaixar, suprir, compensar, dar conta de uma falta da qual, quando a paixão está presente, não se tem notícias, não se sente, não se percebe. Quem quer colocar tudo isso a perder com assuntos como regime de bens? Não, não mesmo!

Mas, aí, vem a rotina, vêm os compromissos, os desafios, a inevitável incompletude (da qual se foge, mas não se pode evitar). E, então, começam os conflitos.

Se antes não considerávamos a possibilidade de frustrar a outra pessoa com perguntas que poderiam fazer-nos parecer interesseiros ou pessimistas (pois prevendo/imaginando o fim da relação), depois de um tempo, ao lidar com a realidade do que nos atravessa – de quem somos, e de quem é aquele que conosco tem dividido a vida – é  que somos acometidos pela angústia que, por vezes, o arrependimento nos causa.

Falar sobre o que sentimos é um desafio. Quem foi educado para isso? A verdade, que não cansa de implorar para ser ouvida, é que, na hora que a dor aperta, não conseguimos mais sustentar a fantasia.

É preciso sentar e alinhar. É preciso dizer o que sentimos. Se o outro não suporta o que temos a dizer, se faz disso uma razão para duvidar de quem somos, e das nossas intenções, talvez tenhamos, nessa, a oportunidade de revisitar as nossas escolhas.

O medo, que nos faz evitar ver a outra pessoa sob ângulos mais reais, se encarado de outras formas, pode ser uma maneira de nos precavermos das “grandes surpresas”.

Não seria, esse, um presente de casamento antecipado?

Talvez ainda não estejamos preparados para essa conversa. Mas, é preciso que pensemos sobre ela…

Lavínia Lins (@minutodapsico )

Picture of Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade é advogada, especialista em Direito e Família e Sucessões. Graduada e Mestre em Direito pela UFAL. Também é professora e Doutoranda. Lavínia Lins é psicóloga clínica, psicoterapeuta com base de trabalho na Psicanálise, escritora e palestrante.