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Rompendo o silêncio: mulheres contam como superaram o medo e denunciaram as violências sofridas

 (Foto: Reprodução)

A violência contra as mulheres assume diversas formas, desde agressões físicas até abusos psicológicos, agressões sexuais, danos morais e patrimoniais. No entanto, o medo e o constrangimento continuam sendo as principais barreiras que impedem as mulheres de denunciar a violência que sofrem.

Com a recente condenação do ex-BBB Felipe Prior a seis anos de prisão por estupro, uma das vítimas revelou ter buscado a Justiça e relatado o crime após ler relatos de outras mulheres na internet que também alegavam ser vítimas dele. Ela recebeu prints com relatos dos abusos.

Essa coragem de denunciar é compartilhada por outras mulheres. O Eufêmea conversou com algumas delas, que compartilharam os desafios enfrentados, mas como elas persistiram e denunciaram os seus agressores.

Violência física

Desde a infância, Marta* e sua família foram vítimas de violência familiar por parte do pai, que tinha problemas com álcool e era propenso à agressividade.

“Meu pai gostava de andar armado e atirar dentro de casa quando estava com raiva. Por isso, cresci com uma baixa tolerância a qualquer sinal de agressividade”, relata.

Quando tinha 38 anos, Marta decidiu se casar pela terceira vez, acreditando que seu marido era “compreensivo e legal”. No entanto, logo descobriu que ele escondia tendências alcoólicas e violentas.

A situação se agravou quando nasceu o filho do casal. “Quando nosso filho nasceu tive que me dedicar ao pequeno e ao trabalho, não conseguindo corresponder às expectativas do marido, que queria continuar viajando e curtindo a noite. Foi quando as bebedeiras dele ficaram mais intensas, incluindo dias de semana”, conta.

“Mandei que ele arrumasse as malas”

Um dia, Marta encontrou o marido em um bar, bebendo com pessoas desconhecidas, possivelmente menores de idade. “Aquilo foi a gota d’água para chegar em casa e mandar que ele arrumasse as malas para ir embora”.

“A reação foi violenta, na frente do meu filho de três anos. Ele chegou a pegar uma faca. Mas consegui empurrá-lo, pedir socorro, fugir e chamar a polícia”, continua.

Marta destaca ainda que ter uma rede de apoio foi essencial em sua jornada. De acordo com ela, quatro vizinhas se uniram para ajudá-la a proteger seu filho e levá-la para um local seguro. Além disso, sua chefe, colegas de trabalho, familiares e amigas forneceram coragem, aconselhamento e afeto.

“Uma rede de mulheres que me apoiou e deu força. Elas foram testemunhas, foram corajosas, conselheiras e afetuosas”, destaca.

“Não se culpe por denunciar”

O agressor de Marta foi preso por um curto período, menos de um mês, mas serviu para intimidá-lo. “Ele se sentiu injustiçado. Tentou suicídio duas vezes por minha causa, ou seja, a tirana sou eu, na cabeça dele e da família dele. Mas não me importo, sei muito bem que estou certa em me defender e ao meu filho e que ele foi preso em consequência dos próprios atos. A prisão foi importante para ele entender a seriedade da situação”.

Após a prisão, Marta e seu filho receberam acompanhamento psicológico para lidar com as consequências emocionais da violência vivenciada. Ela também teve que enfrentar acusações falsas do ex-marido, o que a afetou profundamente.

“Ele disse que eu só pensava na minha profissão e que não tinha tempo para meu filho. Eu sei que isso não é verdade, mas trabalhar 10 horas por dia sempre me deixava com uma certa culpa. Depois de tudo isso, pedi demissão de um dos empregos e reorganizei a vida para ter mais tempo com meu filho, e foi importante, porque iniciamos uma investigação e detectamos que ele é autista”, contou.

Ela também deixou um recado para as vítimas: “Não se culpe por denunciar, ele não é um coitadinho incompreendido. É um homem desequilibrado que pode provocar ferimentos emocionais e físicos em você e nos filhos. Mulher não tem que ser médica, você não tem a responsabilidade de cuidar dele nem de curá-lo. Meu conselho é, se o relacionamento não te garante uma vida tranquila, se afaste! Ir embora deixa menos sequelas do que ficar anos adoecendo mental e fisicamente”, afirma.

Violência psicológica, moral e patrimonial

“O pior crime de denunciar é a violência psicológica contra a mulher. Se não há agressão física, é como se tudo o que você dissesse fosse apenas invenção da sua cabeça. Apesar de muitas provas, em um dos processos, eu perdi e não quis recorrer. Isso tudo é muito desgastante”, relata Cláudia* ao compartilhar os desafios que enfrentou ao denunciar o crime e o apoio que encontrou em sua jornada.

Cláudia foi vítima de violência psicológica, moral e patrimonial por parte de seu cunhado, que é casado com sua irmã. As ameaças, difamações e perseguições aumentaram a ponto de comprometer sua saúde física e mental.

“Eu trabalhava no Cartório em que ele era o responsável e foi quem me contratou. No primeiro mês, ele não me pagava o salário mínimo e não assinou minha carteira. Após um ano, a Corregedoria de Alagoas exigiu que todos os funcionários tivessem a carteira assinada. No final de 2018, ele assinou a minha, mas nunca cumpriu com as obrigações trabalhistas”, revela.

“Ele me obrigava a assinar contracheques de 13º salário sem nunca ter recebido por isso. Nesse período, as perseguições começaram para que eu pedisse demissão”, continua.

A situação tornou-se insustentável para Cláudia, que decidiu buscar outro emprego e se especializar na área. No entanto, as perseguições continuaram e ela desenvolveu uma lesão por esforço repetitivo que a deixou incapaz de realizar tarefas simples do dia a dia.

Ela enfrentou dificuldades para receber tratamento médico adequado e precisou lidar com a falta de empatia e compreensão de seu agressor.

“A situação estava cada vez mais insustentável. Eu era constantemente perseguida, não podia ir ao banheiro durante o trabalho, nem mesmo fazer uma pausa para comer. Trabalhava por horas exaustivas”, conta Claudia.

Ela relata que o médico recomendou tratamento fisioterapêutico e acupuntura, mas seu agressor negou a flexibilização de horário. Por não receber o tratamento adequado, Cláudia teve uma piora em sua condição de saúde.

“Cheguei ao ponto de não conseguir pentear meu próprio cabelo. Eu chorava de dores intensas nos membros superiores e inferiores. Houve momentos em que precisei ir direto do trabalho para a emergência porque não conseguia mexer o braço de tanta dor”, desabafa.

Ameaças de morte e perseguição

Quando Cláudia teve a oportunidade de assumir uma posição em uma cidade próxima, seu cunhado tentou sabotar seu acesso aos documentos necessários para a candidatura.

“Comecei a receber ameaças de morte e fui constantemente perseguida. Ele contratou uma pessoa para me filmar na academia. Isso me causou muito medo e acabei deixando a academia, desenvolvendo sintomas de pânico. Ele envolvia outras pessoas da família para me agredir e contratava pessoas para me prejudicar. Uma das tias dele me agrediu com palavras de baixo calão no centro da cidade, palavras indignas de serem ditas a uma pessoa. Além disso, ele usou o pai para tentar fazer uma denúncia falsa, alegando que eu o estava importunando”, expõe.

Além disso, Cláudia relata que sua irmã, que é casada com o agressor, vive em um relacionamento abusivo, chegando a ficar em cárcere privado, e até hoje é proibida de trabalhar fora. “Existem quatro processos em andamento: dois na Corregedoria, um na justiça do trabalho e outro relacionado a uma medida protetiva. Tudo isso em busca de poder e dinheiro. Ele destruiu minha família. Todos se afastaram deles”, afirma.

Denúncia

Durante todo o processo de denúncia, Cláudia encontrou apoio em sua família, amigos e conhecidos que conheciam sua situação. Ela ressalta que a violência psicológica é frequentemente desacreditada e invisibilizada, o que torna a denúncia um desafio ainda maior. Ela aconselha as mulheres a reunirem o máximo de provas possível antes de denunciarem seus agressores, para que suas palavras tenham mais peso.

“Essa semana tive uma audiência referente à medida protetiva, e você não faz ideia de como é difícil falar para um juiz e um promotor sobre o que você passou. As perguntas sempre se limitam a: houve agressão física? Você está tendo contato físico com ele? Violência psicológica, moral e patrimonial vão muito além disso. Somente uma mulher consegue entender o que eu passei”, desabafa.

No caso de Cláudia, o agressor não foi preso. Nesse processo, a vítima se vê acuada de todos os lados, com o descrédito da justiça e o receio de retaliação. Atualmente, ela só sai acompanhada por medo do agressor.

“Nesse caso específico, não houve prisão, apenas uma medida protetiva. Nas audiências, deixei claro que minha intenção não era a prisão dele, mas apenas que ele me deixasse em paz! Que ele esquecesse que eu existo! Que me deixasse viver!”, finaliza.

*A reportagem usou nomes fictícios para preservar a identidade das vítimas.

Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.