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Alienação parental: a lei é um problema ou solução?

Um dos temas que vem gerando diversas controvérsias no âmbito do Direito de Família diz respeito à revogação da Lei de Alienação Parental (Lei n.º 12.318/10), que foi criada para assegurar o direito de convivência e exercício da guarda no caso de filhos de pais separados.

Mas, por que uma lei com um propósito tão relevante, vem sendo alvo de críticas?

Um dos argumentos em prol de sua revogação, é o de que a lei teve seu uso deturpado por genitores acusados de abusos, com vista a assegurar a convivência com a criança, não obstante a situação de violência.

Em linhas gerais, genitores que praticaram abusos contra os filhos, e que vêm a ser “denunciados” em razão do ato, argumentam que, na verdade, a genitora da criança, ao promover a “denúncia”, estaria tentando imputar-lhes uma conduta que não aconteceu, e, por conseguinte, praticando ato de alienação parental.

Nesse cenário, a mãe, que busca agir no sentido de proteger o filho de uma situação de violência, bem como procura a responsabilização de quem praticou o ato, acaba, muitas vezes, sendo acusada da prática de alienação.

É por isso que há, atualmente, muitos movimentos da sociedade organizada, e de alguns juristas, no sentido de buscar a revogação da lei de alienação parental, por considerá-la discriminatória com relação às mães, e por entender que ela, de fato, não protege as crianças e adolescentes de abusos praticados por seus cuidadores.

Em julho de 2023, em audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA sobre o tema, o nosso Ministério de Direitos Humanos e Cidadania se manifestou de forma desfavorável à lei de alienação parental, considerando a sua revogação como a melhor medida a ser adotada pelo Estado brasileiro, “sem prejuízo de outras medidas que possam ser adotadas para fortalecer o cumprimento das normativas vigentes” (Fonte: https://www.gov.br/mdh/pt-br ).

Por outro lado, não obstante entenda serem legítimos os argumentos que vêm sendo levantados pelos defensores de sua revogação, penso que o problema não está na lei, e que revogá-la não seria a solução.

É fato que a prática de atos de alienação parental é uma realidade no ambiente de muitas relações familiares; sejam estes atos praticados pelo pai, pela mãe, pelos avós, ou por alguém que tenha a criança sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie o outro genitor, ou no sentido de causar prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

É, repita-se, uma prática muitas vezes reiterada nas famílias, e que causa diversos prejuízos para o desenvolvimento de crianças e adolescentes a ela expostos. Igualmente causa prejuízos para o outro genitor, que vai se ver impossibilitado de exercer o seu direito de convivência e de exercício de autoridade parental com relação ao filho.

A revogação da lei, portanto, não vai fazer com que tais práticas deixem de existir. Neste aspecto, será que nosso ordenamento jurídico tem instrumentos suficientes no sentido de prevenir e punir tais práticas?

Uma saída que vem sendo apontada, é a do Estatuto da Criança e do Adolescente, que, de fato, é um marco regulatório avançado de proteção dos direitos da criança e do adolescente, mas que não trata especificamente da prática de atos de alienação, bem como não prevê medidas específicas para esses casos.

Aliás, ainda que dispusesse acerca de tais medidas, se indevidamente aplicado, resultaria no mesmo problema com o qual nos estamos deparando acerca da aplicação da Lei de Alienação Parental.

Nesse sentido, penso que a raiz do problema não está na Lei de Alienação Parental em si, que se trata de um relevante instrumento veiculador de normas jurídicas; mas da maneira como as suas disposições vêm sendo interpretadas e aplicadas aos casos concretos.

Pensar na criança e no adolescente como sujeitos de direito que merecem especial proteção do Estado, da sociedade e das famílias; pensar as relações familiares com base na perspectiva de gênero, apreciando e julgando estas demandas com o olhar voltado para estes aspectos, e afastado da estrutura do patriarcado; ouvir os vulneráveis atentamente e por meio de profissionais devidamente habilitados para isso; equipes multidisciplinares suficientes para atender às demandas; são algumas das medidas que serão mais eficazes do que a revogação da LAP.

Ana Carolina Trindade

@‌anacarolinatrindade.cohen

PARA ALÉM DA LEI

As leis são feitas por pessoas, para pessoas, para regular, proteger, as relações estabelecidas entre as pessoas.

PESSOAS!

Quem mais perde quando acontece uma alienação parental? Quem, nessa dança, é que tem menos chances de alcançar o ritmo da música que toca? Quem é a parte mais vulnerável da história?

Alienação parental é uma conversa sobre amor. Um amor para além do romantizado. Por vezes, um amor que não deu certo, que não atendeu às expectativas dos envolvidos… o amor.

Amor ferido, doído. Amor com raiva, com sede de causar no outro a mesma dor. Que outro?

O amor, entre o casal que supostamente não vingou, não pode ser o amolador da faca a vingar a dor que em um deles ficou. Esse amor, que espera do outro o que o outro, por vezes, não tem pra dar, não pode tirar de quem nada tem, nem mesmo conta a pagar.

Há respingos no outro a quem se deseja ferir? É possível! Há um outro, um pequeno outro, frágil outro, que sofrerá bem mais que respingos? Certamente!

Lembrem das crianças!

Daquelas que têm a voz (vontade/desejo/destino) na boca e nas mãos das outras pessoas. Daquelas que, acertando ou não, um juiz, em sua decisão, estarão sujeitas ao indeterminado, ao não visível, ao não dizível.

Lembrem das crianças!

Pensem nos danos, nos traumas, nas dores, nas faltas, nas perdas, nas chagas… pensem no dia que virá depois de amanhã.

Lembrem das crianças!

Lavínia Lins – @‌minutodapsico

Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade é advogada, especialista em Direito e Família e Sucessões. Graduada e Mestre em Direito pela UFAL. Também é professora e Doutoranda. Lavínia Lins é psicóloga clínica, psicoterapeuta com base de trabalho na Psicanálise, escritora e palestrante.