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Aumento de mulheres mortas por consumo de álcool? Especialistas alertam sobre dependência alcoólica e impactos à saúde

(Foto: Pexels)

Enquanto o álcool sempre foi associado a um padrão de consumo mais recorrente entre os homens, as taxas de consumo entre as mulheres têm aumentado, levantando questões importantes sobre os impactos à saúde física, mental e social.

O número de mortes de mulheres por 100 mil habitantes causadas pelo consumo de álcool aumentou 7,5% entre 2010 e 2021, enquanto o número de homens que vieram a óbito em razão da bebida caiu 4,8%. Os dados são da 5ª edição da publicação “Álcool e Saúde dos Brasileiros: Panorama 2023”.

Fatores psicológicos
Foto: Cortesia ao Eufêmea

Ao Eufêmea, a especialista em dependência química e psicóloga, Roseanne Albuquerque, esclarece que entre os fatores psicológicos que podem contribuir para a dependência do álcool estão a ansiedade e a depressão.

“Problemas familiares e amorosos, às vezes um desemprego, a perda de um ente querido, faz com que a mulher procure o álcool como meio de aliviar os seus sentimentos, de preocupação e de tristeza. Então ela passa a fazer o consumo do álcool para anestesiar a dor emocional que está sentindo”, explica.

Ela destaca ainda os principais desafios que as mulheres enfrentam ao buscar ajuda para a dependência alcoólica. De acordo com a psicóloga, as mulheres não se sentem muito à vontade para falar sobre o consumo de álcool, principalmente quando estão em um grupo de autoajuda, onde a maioria geralmente é homem.

“Isso pode gerar também a questão do preconceito, da discriminação, a questão também do assédio sexual, muitas relatam isso. E isso faz com que elas inibam a vontade mesmo de buscar essa ajuda, de se expor”, avalia.

Segundo Albuquerque, é comum que a mulher, em busca de socialização, entre em grupos onde o consumo excessivo de álcool se torna comum. Assim, o que começa como um comportamento ocasional pode evoluir para uma dependência.

“Existe vida, existe um lazer, uma capacidade de você se divertir sem o álcool. Existem outras coisas que são saudáveis, como atividade física, espiritualidade, tratamento com um psicólogo, terapia, curso, enfim, o apoio familiar também é fundamental.”

A especialista também destaca que as mulheres são mais suscetíveis aos efeitos prejudiciais do álcool. Isso se reflete em uma maior incidência de câncer de mama, osteoporose e prejuízos cognitivos, tornando os impactos do uso de álcool ainda mais significativos. “Os sinais que as pessoas precisam ficar atentos é a compulsão pela bebida, má alimentação, agressividade e sintomas de abstinência”, alerta.

As estratégias para enfrentar essa questão incluem a sensibilização e orientação de equipes de saúde e assistência social para oferecer escuta qualificada e encaminhamento para tratamento especializado. Ela expõe a importância de abolir julgamentos e adotar uma postura empática ao oferecer ajuda, além de conscientizar a pessoa sobre as consequências do uso abusivo.

“Essa ajuda é um tratamento especializado dentro da necessidade de cada indivíduo”, reforça.

“Álcool é uma droga como qualquer outra”
Foto: Cortesia ao Eufêmea

A psicanalista e especialista em dependência química, Ana Paula Siqueira, compartilhou que a abertura de espaços de diálogo e discussão é fundamental para lidar com a dependência alcoólica.

“É muito mais fácil e educador quando a mulher tem consciência de que o álcool pode trazer prejuízo fisiológico e emocional para sua vida. Faltam políticas públicas voltadas para esse fim. Falar em prevenção, falar para as mulheres que o álcool é uma droga como qualquer outra.”

Ana Paula enfatiza que é imprescindível entender as diferentes realidades das mulheres, considerando variáveis como classe social e idade. Ela aponta que mulheres de diferentes contextos recorrem ao álcool como forma de lidar com desafios.

“Tem mulher que tem três filhos, com uma renda de um salário mínimo e tem no álcool uma forma de entorpecer seus problemas. Esses problemas provavelmente vem desde que foi abandonada lá na sua juventude e que o companheiro pode ser alcoolista.”

“Já a mulher que sai todos os dias para encontrar a amiga final de tarde para relaxar dos problemas do trabalho, de casa, dos filhos, do marido é outra situação. É o mesmo abuso de Álcool com abordagens diferentes”, continua.

Ana Paula rejeita a terminologia “Dependente Químico”, enfatizando a importância de buscar ajuda psicoterapêutica e grupos de apoio para as mulheres que enfrentam a dependência alcoólica.

“Na minha experiência de consultório, eu não atendo nenhuma mulher. Acredito que existem dezenas e centenas precisando de ajuda, psicoterapia e frequentar grupos de auto ajuda. Elas não chegam até nós. Não chegam até os grupos de Alcoólicos Anônimos. Onde estará essa mulher?”, indaga.

Ana Paula acredita que a autoaceitação, o empoderamento e a busca pelo autoconhecimento são passos essenciais para vencer a dependência. Nós precisamos cuidar das nossas emoções e sentimentos. Precisamos acolher nossas fragilidades, nossas fraquezas, e acima de tudo potencializar nossas virtudes. Nunca aceite menos do que você merece”, finaliza.

Rede Acolhe

Diante desse cenário, a Secretaria de Estado de Prevenção à Violência (Seprev) tem liderado o esforço para promover mudanças substanciais através da Rede Acolhe.

A missão da Rede Acolhe é oferecer apoio e esperança para mulheres que enfrentam a dependência química, resgatando não apenas suas vidas dos grilhões das drogas, mas também empoderando-as para recuperar sua dignidade, autoestima e autonomia.

De acordo com os dados da Seprev, desde janeiro deste ano, a Rede Acolhe já acolheu e proporcionou tratamento a 115 mulheres em um total de 2.574 indivíduos.

No primeiro semestre de 2022, mais de 2.300 pessoas foram acolhidas, incluindo homens, mulheres e adolescentes. Isso demonstra o comprometimento da Rede em oferecer uma rede de apoio essencial para aqueles que buscam uma vida livre das garras da dependência química e da violência.

“Ao todo, são 3 comunidades acolhedoras credenciadas à Rede Acolhe voltadas exclusivamente para o público feminino, sendo duas para mulheres adultas e uma para adolescentes. As instituições, inclusive, permitem que as mães levem seus filhos de até cinco anos para cuidar deles durante o tratamento. Isso mostra o empenho da Rede Acolhe”, informa a Seprev.

O programa incentiva as mulheres a buscarem ajuda, acreditando que a recuperação é possível e que há um caminho para uma vida melhor, longe das drogas e da violência.

“Trabalhar a autoestima dessas mulheres, motivando-as a olhar para si mesmas e cultivar o amor-próprio, resgatando tudo o que foi perdido com a dependência química. A equipe técnica trabalha a reinserção social das acolhidas, o fortalecimento dos vínculos familiares e toda uma reestruturação da sua vida para que essa mulher não apenas abandone o vício, mas tenha todas as suas demandas sanadas, reduzindo assim as chances de recaídas.”

“Mulher forte, de atitude e com coragem”
Foto: Cortesia ao Eufêmea

Maria Aparecida dos Santos, de 35 anos, é um exemplo de mulher que se reencontrou a partir do serviço prestado pela Rede Acolhe. Natural do município de Pindoba, no interior de Alagoas, ela conta que sua relação com o álcool e outras drogas começou ainda na juventude, por influência de um ex-companheiro.

“Comecei usando lança-perfume, passando posteriormente para o crack, a cocaína, cola, até substâncias aplicadas na veia, e o álcool estava sempre presente”, relata.

“Chega um momento em que a droga acaba com os seus vínculos familiares. Você perde o amor da mãe, perde o amor da família, do marido, e se encontra no fundo do poço. Aí só existem duas saídas: ou você pede ajuda ou acaba morrendo”, comenta Maria Aparecida.

O desespero causado pela dependência química fez com que ela perdesse as esperanças e, por sete vezes, Maria Conceição tentou tirar a própria vida. “Tentei deixar a droga sozinha e não conseguia, por isso houve tantas tentativas de suicídio. Mas a mão de Deus estava sempre comigo”, diz.

A esperança veio quando ela aceitou um convite para iniciar o tratamento oferecido pela Rede Acolhe. Ela foi encaminhada para a comunidade acolhedora Casa Betânia, onde recebeu o apoio da equipe multiprofissional.

“O conselho que eu tenho para quem sofre com esse tipo de doença é: procure ajuda e corra enquanto é tempo. A Maria de hoje é uma mulher forte, de atitude e com coragem para enfrentar o que vier; uma mulher que se renova a cada dia para vencer qualquer adversidade”, afirmou.

Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.