Colabore com o Eufemea

“Dor inimaginável”: mulheres falam sobre luto invisível após a perda gestacional

Foto: GETTY IMAGES

“Foi como se eu tivesse descoberto a felicidade eterna, apenas para testemunhá-la se transformar em uma dor inimaginável.” As palavras são de Emerenciana, 30 anos, que passou pela experiência de enfrentar uma segunda perda gestacional quando estava com sete semanas de gestação. A perda gestacional precoce ou aborto espontâneo precoce ocorre em cerca de 15% das gestações.

A dor da perda gestacional é experienciada por algumas mulheres e pode ser solitária, um luto invisível por aqueles que não chegaram a nascer. O Eufêmea entrevistou mulheres que vivenciaram o processo de perda e que lidaram com o luto.

“Veio como um buraco em meu peito”
Cortesia ao Eufêmea

Elaine de Paiva Alonso, advogada empreendedora e palestrante de 39 anos, compartilhou sua jornada de luta, superação e fé ao enfrentar desafios em sua busca para realizar o sonho de ser mãe. Em setembro de 2020, ela passou por um procedimento de transferência de embrião em fertilização in vitro (FIV), carregando consigo a esperança de dar vida a um novo ser. No entanto, ela relata que o percurso não foi isento de dificuldades.

É que ela sempre teve baixa reserva ovariana e enfrentou a dura realidade de uma falha na implantação de um blastocisto, estágio avançado de desenvolvimento embrionário. Com apenas um embrião restante, ela manteve a esperança viva.

“Foi algo surreal e diferente. Minha melhor amiga pegou o telefone da minha mão e pediu para a médica revelar em segredo para ela! Foi quando fizeram até “chá revelação” do meu embrião vivo! cujo nome seria Davi”, contou.

A trajetória de Elaine envolveu uma cirurgia em 2021 para tratar a endometriose, um procedimento que exigiu um considerável investimento financeiro. Durante todo esse percurso, ela enfrentou não apenas desafios físicos, mas também emocionais, mantendo sua resiliência e fé inabaláveis.

“Após 12 dias, o resultado foi negativo. A notícia chegou como um vazio em meu peito… como se eu já tivesse conhecido meu filho Davi e, por vontade divina, ainda não fosse o momento certo. Para minha surpresa, mesmo após ter investido quase R$ 100.000,00 na FIV [Fertilização in vitro] sem alcançar sucesso, continuei com meus exames de rotina, buscando identificar se havia algo mais a ser feito para realizar meu sonho de ser mãe”, relatou.

Após fazer um exame de ressonância magnética, ela foi diagnosticada com endometriose profunda. “Tive que procurar um especialista em São Paulo e, gastando mais uma vultuosa quantia, me operei em 2021”, contou.

Com frequência, a sociedade lida com mulheres que passam por aborto espontâneo ou enfrentam desafios na gravidez por meio de estigmas, e Elaine não foi uma exceção. “

“Já experimentei pessoalmente situações em que mães afastavam discretamente seus bebês de mim, temendo um possível ‘mau-olhado’. Amigas que engravidaram demonstravam e ainda demonstram relutância em compartilhar comigo, como se temessem que eu pudesse invejar a experiência delas de gestação”, compartilhou.

Elaine também enfatiza a relevância do suporte médico e aconselhamento durante sua jornada. Ela buscou terapia e contou com acompanhamento de nutrólogos para enfrentar os desafios tanto emocionais quanto físicos que surgiram. “Mantenho minha crença inabalável de que serei mãe, fundamentada na minha fé. Acredito na profecia que me foi transmitida, e é nela que deposito minha esperança integralmente, confiando plenamente em Deus”, afirmou.

“Dor inimaginável”

Emerenciana, vendedora de 30 anos, também compartilhou sua trajetória de perda, tristeza e esperança após vivenciar duas dolorosas experiências de aborto espontâneo, uma em 2020 e outra em 2022. Além disso, ela revelou ter sido diagnosticada com trombofilia, uma condição que intensificou ainda mais os obstáculos em sua busca pela maternidade.

O primeiro aborto espontâneo, ocorrido quando ela estava com 8 semanas de gestação, trouxe à tona uma mistura de choque e devastação.

“A primeira vez é sempre um golpe duro, porque já compartilhamos a notícia com amigos e familiares e nunca imaginamos que isso possa nos afetar”, compartilhou Emerenciana.

Ela detalhou o quão doloroso foi passar por procedimentos médicos no mesmo ambiente onde outras mães estavam celebrando o nascimento de seus bebês.

A segunda perda, ocorrida com apenas 7 semanas de gestação, trouxe à tona um turbilhão de emoções para Emerenciana. Ela descreveu como foi descobrir, durante um ultrassom, que o coração do feto não estava batendo.

“Foi como se eu tivesse descoberto a felicidade eterna, e então vi essa felicidade se transformar em uma dor inimaginável”, disse ela.

Compartilhar as notícias de suas perdas não foi uma tarefa simples. A vendedora relata que, na primeira vez, enfrentou o desafio de comunicar a notícia para uma ampla rede de contatos nas redes sociais. Na segunda vez, a decisão de compartilhar com pessoas mais próximas foi uma escolha mais natural.

Emerenciana também compartilha seus sentimentos de tristeza, perda e culpa que a acompanharam. “Optei por não lidar com isso e agir como se nunca tivesse engravidado, mas existe um vazio profundo dentro de nós e a culpa certamente se faz presente, pois eu pensava que poderia ter cometido algum erro ou consumido algo inadequado”, desabafa.

Cortesia ao Eufêmea

O processo de lidar com a perda, tanto em termos físicos quanto emocionais, trouxe à superfície desafios que muitas mulheres enfrentam nesse cenário.

“A dificuldade física surgiu quando descobri que teria que esperar para que o feto saísse naturalmente, sem a necessidade de curetagem”, relata. “Saber que ele ainda estava dentro de mim, sem vida, nos causou sofrimento tanto fisicamente quanto emocionalmente.”

“Estava no desespero”

Uma mulher, que preferiu manter sua identidade em sigilo, compartilha a complexidade emocional e os desafios médicos que envolvem a experiência de perda gestacional. Após três anos de relacionamento, ela vivenciou a descoberta da gravidez, marcando o início de uma jornada emocional tumultuosa.

A notícia chegou inesperadamente, em maio, após um atraso menstrual de dez dias. O teste de gravidez deu positivo e não trouxe a alegria esperada. Enquanto o pai da criança, sua mãe e toda a família celebravam a gravidez, ela lutava para aceitar a nova realidade.

“Eu estava querendo mais planejada, queria ter uma estabilidade financeira, receber melhor, até pra poder morar só, sair da casa dos meus pais”.

No entanto, com o tempo, ela começou a se adaptar e, até mesmo, a nutrir um contentamento com a ideia. Ela revelou que, apesar da situação inesperada, encontrou forças para abraçar a perspectiva da maternidade.

A mulher também descreveu a angústia vivenciada ao passar pelo aborto espontâneo. Após um ultrassom de emergência na Santa Casa do Farol, recebeu a notícia de que o feto estava sem vida e que o sangramento que experimentava indicava a perda.

“A médica disse que o feto estava sem vida, sem batimento. Disse que ele era muito pequeno, não se desenvolveu e estava sem batimentos.”

Apesar do suporte emocional limitado, ela se deparou com o dilema de escolher entre esperar o feto ser expelido naturalmente ou optar por uma curetagem. A decisão foi tomada após uma análise médica da situação.

“Não conseguia falar, estava dominada pelo desespero. Chorei muito, o primeiro dia foi muito difícil para mim.”

Viva o luto
Cortesia ao Eufêmea

Já a professora de Ciências e Biologia, Patrícia Oliveira, de 32 anos, compartilhou a experiência de enfrentar um parto prematuro e a perda de seu filho. Ela relata que aos 25 anos reviveu momentos de intensa dor, mas também encontrou forças para seguir em frente.

Em meio a uma rotina agitada de trabalho e preocupações com a saúde de sua mãe, Patrícia viu sua vida tomar um rumo inesperado. No entanto, a alegria da gravidez se transformou em angústia. “A bolsa rompeu, estourou, todos os sinais de um parto prematuro.”

Patrícia relembra os momentos de desespero e as dificuldades. “No início foi difícil porque passei por dores e lutos ao mesmo tempo. Eu recebi a notícia do falecimento do meu filho quando estava no velório da minha mãe”, relata Patrícia.

O nascimento de seu filho, ocorrido em 22 de agosto, marcou o início de uma semana de intensas emoções. “Ele passou praticamente uma semana na UTI neo, mas por ter nascido muito prematuro, já em estado muito avançado de infecções, não foi compatível com a vida.”

Uma das questões que Patrícia destaca é o peso das expectativas sociais e comentários insensíveis de outras pessoas em relação ao luto pela perda de um filho. Ela ressalta a importância de “reconhecer o valor de cada vida, independentemente da idade gestacional, e de respeitar a dor daqueles que enfrentaram tal tragédia.”

Durante esse período, Patrícia buscou ajuda profissional e apoio emocional, embora brevemente. Ao mesmo tempo, ela encontrou uma forma de seguir adiante, retomando suas atividades.

Ela encoraja a vivência do luto, permitindo-se sentir as emoções, mas também incentiva a seguir em frente e encontrar significado em suas jornadas individuais. “Viva o luto, viva essa tristeza, mas siga. Siga em frente, dê tempo”, aconselha.

Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.