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Angústia e medo da discriminação: mães negras compartilham experiências e desafios na criação dos filhos

Foto: Iustração Alina Kotliar/Internet

A maternidade é, para muitas mulheres, um período de renúncia e desafios. Contudo, será que a experiência da maternidade é a mesma para todas? Como essa vivência se manifesta especificamente para as mulheres negras?

Mulher negra, mãe e estudante de jornalismo, Brunna Moraes compartilhou com o Eufêmea suas experiências e reflexões sobre a maternidade. Ela relata que sua jornada na maternidade começou de maneira inesperada, já que não era algo que tinha planejado, e que cada passo desde o momento da gravidez tem sido um desafio. “Eu acho que é assim para todas as mães”, afirmou.

“Minha filha não brinca com racistas”
Foto: Cortesia

Além dos desafios comuns da maternidade, Brunna também destacou as dificuldades que as mães negras enfrentam devido ao racismo sistêmico. Ela mencionou uma situação específica que ocorreu em sua vizinhança, onde as mães do bairro estão transmitindo comportamentos semelhantes aos seus filhos.

“Eu estava chegando em casa com minha filha, tinham umas crianças na porta brincando e uma dessas crianças falou do cabelo da minha filha. Eu coloquei minha filha para dentro de casa e eu expulsei as crianças da minha porta, mandei elas saírem porque minha filha não brinca com racistas. Não tenho orgulho disso, mas faria novamente”, desabafa.

A rede de apoio desempenha um papel fundamental na vida de Brunna. Ela ressaltou a importância de sua mãe e irmã em sua jornada como mãe e estudante de jornalismo. “É fundamental porque, se eu não tivesse uma rede de apoio, eu estaria conseguindo viver a mulher, a Brunna que existe em mim muito menos”, enfatizou.

Segundo ela, a complexidade da maternidade preta vai além da provisão material, uma vez que atividades que podem ser simples na maternidade se tornam angustiantes para ela.

Brunna revela ter medo de colocar sua filha na escola, onde a pequena pode enfrentar o preconceito racial sem a mãe por perto para protegê-la. “Ela é apenas uma criança; não deveria ter que lidar com esse peso aos três anos”

A estudante destaca a tradição ancestral das mulheres negras como matriarcas naturais, capazes de unir suas comunidades para criar um ambiente mais seguro e acolhedor para seus filhos. “A maternidade negra tem esse aspecto de comunidade que vai além do meu filho biológico”, afirmou a mãe.

“Desconfortável e doloroso”
Foto: Cortesia

Também mãe negra, Dani Lins, pedagoga em formação de 32 anos, descreveu sua jornada na maternidade como uma “maratona sem fim”. “A maternidade não é apenas um bebê cheiroso e bem vestido; por trás desse bebê, há uma rotina estressante e altamente cansativa para a mãe”, disse Dani.

Dani também compartilhou os momentos mais significativos de sua jornada como mãe negra. Ela é mãe de três filhos e enfatizou a importância de poder proporcionar momentos felizes para seus filhos, apesar das dificuldades financeiras. “Isso para mim é algo muito significativo”.

A rede de apoio desempenha um papel fundamental na maternidade, mas Dani lamentou não ter um apoio sólido ao qual pudesse recorrer.

Dani também compartilhou experiências de enfrentar a discriminação racial.

“Eu costumava ir ao supermercado com meu bebê no colo, e toda vez que entrava, era seguida pelos seguranças. Isso era extremamente constrangedor e doloroso! Lembro-me de um domingo, fui até a seção de fraldas, e lá estava o rapaz da segurança me seguindo.”

“Mesmo tendo um tom de pele mais claro do que o meu e o do pai, meus filhos têm cabelos encaracolados e traços negróides, então percebo em alguns momentos essa ‘desconfiança’. Busco sempre falar em um tom mais alto para que aqueles ao meu redor reconheçam a discriminação e compreendam que ali está uma mulher negra, mãe, e não alguém desprovida de conhecimento!”, continua.

Quando questionada sobre o futuro da maternidade para as mães negras, Dani destacou a necessidade de mudanças. Ela mencionou a violência obstétrica que afeta principalmente mães negras e menores de idade e enfatizou a importância de não romantizar a imagem da “mulher guerreira”.

“Somos fortes, somos luz, somos amor, somos carinho e afeto! Nossa força e respeito de mulher/mãe negra precisam ser reconhecidos e respeitados”, reforça.

Tratadas de igual para igual
Foto: Cortesia

Já Jany Santos, de 37 anos, destacou que, apesar dos obstáculos, a jornada tem sido incrível, especialmente quando se trata dos marcos do bebê. Cada mês completado e cada novo avanço são motivos de alegria e significado para todas as mães, independentemente da cor da pele.

Como mulher negra, Jany enfrentou olhares e preconceitos desde o período da gravidez. Ela compartilhou experiências de discriminação, como a necessidade de usar uma aliança para evitar julgamentos sobre seu estado civil.

Jany explicou como a sociedade frequentemente reage de forma diferente em relação a mulheres grávidas negras que não usam alianças. “A sociedade te trata de maneira um pouco diferente quando percebe que você está usando uma aliança no dedo”, afirmou ela.

Jany também contou uma experiência pessoal sobre a falta de respeito que algumas pessoas têm em relação às mulheres negras grávidas.

“Uma coisa que eu evitei durante a gravidez foi andar de ônibus. Só peguei o ônibus uma vez quando estava com cinco meses; minha barriga já estava bastante grande e notável, mas ninguém me cedeu lugar no ônibus, então tive que ficar em pé. Era o meu primeiro filho, eu era mãe de primeira viagem, e já havia passado por uma perda anterior devido a um aborto espontâneo.”

Quanto ao futuro da maternidade para as mães negras, Jany expressou suas esperanças e sonhos. Ela sonha com um mundo onde as mães negras não enfrentem preconceito e sejam tratadas com igualdade.

“Minhas esperanças e sonhos são que nenhuma mãe passe por preconceito, que todas sejam tratadas de igual para igual, e que, quando tiverem filhos, estejamos em um mundo melhor, sem preconceito. Esse é o meu sonho”, ponderou.

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Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.