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Como a Justiça Restaurativa pode auxiliar mulheres vítimas de violência? Juíza explica

A Justiça Restaurativa compreende um conjunto de técnicas e procedimentos destinados a conscientizar sobre atos ilícitos ou transgressões das normas sociais. Seu propósito é promover a restauração dos vínculos entre infratores e vítimas, podendo, conforme a situação, facilitar a reparação dos danos causados e fortalecer a autoestima da vítima por meio de uma abordagem centrada nela.

Ela não é obrigatória, mas foi regulamentada em 2016 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Fica a critério dos juízes, Ministério Público, agente judicial ou da própria vítima escolherem o método.

Em uma entrevista ao Eufêmea, a juíza de direito que faz parte da Coordenação de Justiça Restaurativa do Tribunal de Justiça de Alagoas, Juliana Batistela, explicou que a Justiça Restaurativa está alinhada com princípios de direitos humanos, incluindo a busca por uma justiça mais inclusiva e reparadora.

“No sentido de que a vítima e a comunidade participem do processo, promovendo uma maior compreensão das causas do ilícito ou da transgressão, bem como facilitando a reintegração do transgressor na comunidade”, diz.

E quanto aos casos que envolvem violência de gênero?

Um estudo realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em 2019, com base em dados de 12 projetos de justiça restaurativa em casos de violência doméstica, mostrou que a prática pode ajudar a reduzir a reincidência da violência, melhorar o atendimento às vítimas e fortalecer a comunidade.

A juíza explica que há um sistema de mediação entre a vítima e o ofensor conhecido como EVOC (Encontro Vítima, Ofensor e Comunidade), mas ressalta que esse encontro é aconselhado apenas para conflitos mais graves.

Entretanto, para que esse sistema seja implementado, é fundamental que o ofensor reconheça o ato criminoso e que a vítima concorde em participar.

“Também é envolvida a rede de apoio de atores comunitários, a fim de que participem do processo e contribuam com ferramentas que possibilitem alcançar melhores resultados no que diz respeito ao bem-estar da vítima e à conscientização, por parte do ofensor, das consequências de sua conduta. Esse é um processo mais demorado, composto por várias fases e conduzido por instrutores com formação teórica e prática”, afirma.

A juíza enfatiza, no entanto, que essa abordagem deve ser conduzida com muita cautela e requer facilitadores altamente experientes. Isso se deve ao fato de que a abordagem envolve a consideração dos sentimentos e expectativas da vítima, além de buscar a reparação dos danos causados pelo ofensor.

“Como em todo procedimento de Justiça Restaurativa, é essencial que seja voluntário. Muitas vezes, a vítima não está disposta a participar imediatamente, pois isso pode envolver processos internos que requerem um trabalho mais aprofundado. Portanto, os Círculos de Construção de Paz são necessários em algumas situações, a fim de preparar o terreno para a realização do EVOC em uma fase posterior, quando a vítima estiver mais fortalecida”, reforça.

Olhar mais humanizado para a vítima

A magistrada também explica que diferentemente do sistema processual penal, na Justiça Restaurativa, a vítima é vista.

“No nosso sistema processual penal, a vítima muitas vezes não é devidamente considerada; muitas vezes, ela é tratada apenas como um meio de prova, e suas necessidades raramente são contempladas. A Justiça Restaurativa proporciona essa mudança de perspectiva em relação à vítima, alinhando-se com um princípio fundamental de direitos humanos, que é o de colocar a vítima no centro, garantindo que suas necessidades também sejam atendidas pelo Estado.”

Batistela destaca que a vítima que passa pelo processo de Justiça Restaurativa (JR) também conta com o auxílio de uma rede de apoio formada por atores sociais da comunidade em que está inserida. Essa rede proporciona suporte para a capacitação profissional, a inserção no mercado de trabalho, o acompanhamento psicológico e encaminhamentos médicos dessa mulher.

“Em outras palavras, essas ações buscam assegurar uma nova perspectiva de vida para as mulheres vítimas de violência, que frequentemente se encontram presas em relacionamentos abusivos devido a necessidades econômicas, bem como questões psicológicas ou de saúde”, conclui.

Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.