Colabore com o Eufemea

Mulheres relatam casos de lesbofobia e apontam para a invisibilidade da violência

Foto: Reprodução

Nos primeiros oito meses de 2023, o Brasil contabilizou um total de 5.036 casos de lesbofobia, de acordo com os dados apresentados pelo Painel de Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Esse número reflete um quadro alarmante de discriminação e violência dirigida especificamente contra mulheres lésbicas em nosso país.

Ao Eufêmea, Ana Pereira, assistente social e mestra em sociologia, que faz parte do Instituto Feminista Jarede Viana e da Rede Nordeste de Mulheres Negras, enfatizou que, ao abordarmos a lesbofobia, estamos considerando a faceta da violência que frequentemente permanece invisível.

“Quando falamos da invisibilidade, estamos falando dos nossos afetos e da importância de viver a livre expressão social. Estamos também considerando uma invisibilidade que não se reflete nas estatísticas e que não é levada em conta pelos governos. Sem esses dados, torna-se impossível realizar políticas públicas que verdadeiramente assegurem uma convivência democrática, onde todas as identidades tenham espaço e sejam respeitadas”, destaca.

Lesbofobia dentro de movimento

Ana compartilhou uma experiência que teve quando fazia parte de uma organização de mulheres em Alagoas. Ela relatou que, dentro dessa instituição, houve uma deliberação que a proibia de se identificar como mulher lésbica quando estivesse representando a organização.

“Esse foi o episódio mais impactante de violência que vivenciei em minha jornada de militância”, afirmou ela. Após esse acontecimento, Ana optou por deixar a instituição e seguir em direção a novos caminhos e oportunidades.

Foto: Cortesia

“Eu costumo dizer à juventude que estar aqui hoje, de forma tão expressiva, é resultado de muitas lágrimas e muito sangue derramados”, afirma.

Ela enfatizou que a família, muitas vezes, é o primeiro ambiente onde a lesbofobia se manifesta, uma vez que os pais frequentemente têm expectativas heteronormativas em relação às filhas.

“Muitas vezes, a lesbofobia se manifesta de maneira contundente, indo desde o estupro corretivo até processos de expulsão de casa, mas também pode assumir nuances sutis que são ainda mais difíceis de enfrentar”, destaca.

“Sapatão nojenta”

A lesbofobia não se manifesta apenas no âmbito familiar. Uma mulher lésbica, que preferiu não se identificar, compartilhou com o Eufêmea que enfrentou várias situações desafiadoras tanto na faculdade quanto fora dela. Ela observou: “Não apenas dentro da instituição, mas também fora. Muitas vezes, meus direitos foram limitados devido à minha orientação sexual.”

Ela relatou que um dos rapazes que compartilha o mesmo círculo de amigos na universidade utilizou o espaço da biblioteca para estudo e fez um comentário desrespeitoso a seu respeito, referindo-se a ela de forma pejorativa como uma “sapatão nojenta” que ele odeia e não consegue compartilhar o mesmo ambiente.

“Além disso, ele também usou termos de baixo calão extremamente pejorativos, fazendo referência à minha característica física por ser uma mulher gorda. Quando passei pelos corredores da universidade, notei que ele estava com um grupo de estudantes que também eram acadêmicos, e quando passei por eles, começaram a falar baixo e rir. Continuei meu caminho, já constrangida, pois já sabia do que se tratava”, relatou.

Ela disse que foi surpreendida, na semana passada, quando uma das meninas foi até ela para compartilhar o que esse homem tinha dito sobre ela. 

“Ela, curiosa, questionou por que tanto ódio, e ele simplesmente reafirmou seu sentimento de ódio, usando termos ofensivos como “sapatão” e outros que me constrange citar devido à falta de respeito e à agressividade envolvida”, disse.

“Dessa vez, confesso que não foi algo tão “pesado”, talvez porque tenha acabado por “normalizar” em minha mente devido a tantas experiências dolorosas e difíceis em cenários semelhantes. Em alguns casos, cheguei a ser demonizada e tratada como um monstro, para usar as palavras exatas, especialmente quando estava inserida em contextos religiosos, como igrejas protestantes que afirmavam ser inclusivas e acolhedoras”, acrescentou.

Ela enfatiza que esses casos deixam marcas e podem resultar em traumas, mas que todos os dias ela se esforça para reivindicar o seu espaço, lutando pelo direito de viver plenamente, de existir e de ser respeitada como mulher, lésbica e ser humano que é.

Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.