Colabore com o Eufemea

Múltiplas personalidades? Especialistas explicam dificuldade de diagnóstico e os sintomas do Transtorno Dissociativo de Identidade

Foto: Reprodução/Internet

Diversas identidades na mesma pessoa, vozes diferentes, comportamentos variados, mudar de personalidade ou de idade. Essas são algumas das principais características do transtorno dissociativo de identidade (TDI), condição psiquiátrica rara que geralmente aparece após situações como abuso sexual, abuso físico ou negligência.

A condição entrou nos assuntos mais comentados após a reportagem do Fantástico abordar o assunto no “Show da vida”.  A reportagem detalhou as características do transtorno e mostrou o caso de jovens diagnosticadas que alegam conviver com diversas identidades dissociadas devido ao TDI.

O que é TDI?
Foto: Cortesia

O TDI, de acordo com Sheila Hauck, psiquiatra e psicanalista, não é uma entidade diagnóstica tão específica quanto a depressão ou a esquizofrenia.

Em contato com o Eufêmea, ela o descreve como pertencente aos quadros dissociativos, que costumavam ser chamados de histeria no início do século passado. Sheila relata que “são pessoas que, ao enfrentar dificuldades para processar e lidar com traumas graves ao longo da vida, como abuso sexual na infância ou ao longo da vida e violência, não conseguem emocionalmente assimilar essas experiências traumáticas.”

O transtorno se manifesta de maneira peculiar, apresentando sintomas dissociativos que envolvem uma “alteração qualitativa da consciência”, conforme explicado por Hauck. Embora os pacientes aparentem normalidade do ponto de vista neurológico, eles vivenciam um distanciamento emocional, esquecimento, amnésia e experiências de transe, como se estivessem assumindo outra personalidade.

Hauck destaca que, frequentemente, os pacientes com TDI passam por extensas investigações médicas antes de procurarem um psiquiatra. Ela explica que isso ocorre porque os sintomas dissociativos são bastante evidentes, mas paradoxalmente, a pessoa parece indiferente ao seu próprio sofrimento, um fenômeno conhecido como “belle indifférence”.

“A pessoa se comporta de maneira aparentemente normal, como se não estivesse sofrendo mentalmente, mas, na realidade, o sofrimento psicológico está reprimido e negado,” acrescenta a psiquiatra.

Traumas e abordagens

Uma característica intrigante do TDI é a manifestação de múltiplas personalidades. Hauck explica que isso pode ser uma maneira pela qual a pessoa aborda o trauma sem se identificar diretamente com ele. “Existem casos documentados de pacientes que, ao adotarem outra personalidade, conseguem discutir o trauma, fazer acusações ou defender alguém, coisas que a própria pessoa encontra dificuldade em fazer por si mesma.”

Para a especialista, o tratamento para o TDI é complexo e requer uma abordagem psicológica, preferencialmente na linha analítica. “O paciente precisa se sentir acolhido, ouvido e livre de julgamentos para falar sobre seu sofrimento”, diz Hauck. Ela enfatiza que a terapia não é uma solução única e que não é eficaz para todos. Depende da disposição e abertura do paciente para falar sobre o que o incomoda.

Sheila Hauck alerta para a possibilidade de estados mentais semelhantes ao TDI, como a simulação voluntária, que não é uma doença, mas pode envolver fingir ter múltiplas personalidades para evitar a responsabilidade por atos, inclusive criminosos. A avaliação precisa de um profissional de saúde mental é essencial para diferenciar entre simulação e transtorno dissociativo.

Ela demonstra preocupação em relação à recente visibilidade do TDI na mídia, como ocorreu na matéria do programa Fantástico. Ela teme que isso possa levar a um aumento de casos mal diagnosticados ou de simulação. “É importante que a mídia aborde essas questões com responsabilidade e preciseza”, adverte a especialista.

Sintomas e fatores
Foto: Cortesia

A psicóloga clínica Gabriela Góes explica os principais sintomas do TDI, seus fatores desencadeantes e a importância de um ambiente terapêutico seguro para o tratamento.

Ela enfatiza que diagnosticar o TDI é complexo, já que seus sintomas podem se sobrepor a outros transtornos. “É muito importante ressaltar que vários sintomas se repetem em outros transtornos e um mero ‘check’ de sintomas não é capaz de definir alguém com este ou qualquer outro transtorno”, alerta a psicóloga.

Ela explica que o TDI é caracterizado pela ruptura de identidade, em que se verifica a presença de dois ou mais estados de personalidade distintos. No entanto, muitas vezes, essas variações são sutis e passam despercebidas.

A psicóloga destaca que os casos mais evidentes, nos quais diferenças claras nos estados de personalidade são observadas, são raros e precisam ser cuidadosamente diagnosticados para excluir outros transtornos. Além disso, o TDI envolve o esquecimento recorrente de eventos cotidianos, informações pessoais importantes e eventos traumáticos. No entanto, Góes ressalta que o TDI só é diagnosticado quando causa sofrimento significativo à pessoa.

Quando questionada sobre como experiências traumáticas, especialmente na infância, podem levar ao desenvolvimento do TDI, Góes enfatiza que o transtorno pode se desenvolver em qualquer idade, não se limitando à infância. Traumas, como abuso sexual, violência ou negligência em qualquer fase da vida, podem desencadear o transtorno.

“O psiquismo não dá conta de alguns eventos estressores ou traumáticos e, com isso, promove uma ruptura, uma fragmentação, que pode desencadear vários transtornos, incluindo o TDI.”

“Transtornos mentais são tratados, exclusivamente, por psicólogos e por psiquiatras. E é através do ambiente seguro, com total compromisso ético do profissional, que se constrói um bom vínculo terapêutico”, destaca.

Desafios emocionais

Quanto às abordagens terapêuticas eficazes para o TDI, Gabriela Góes enfatiza que a psicoterapia com um psicólogo é a base do tratamento. “A terapia trabalha estratégias para lidar com as rupturas de identidade, além de abordar características associadas, como depressão, ansiedade e abuso de substâncias”, explica. Ela também enfatiza a importância do acompanhamento psiquiátrico quando necessário, para intervenção farmacológica.

Góes discute como a terapia pode ajudar os pacientes a integrar suas diferentes identidades dissociadas, mencionando o uso de estratégias como o mindfulness para desenvolver a capacidade de permanecer conectado com o presente e reparar as fragmentações psíquicas.

“Para as pessoas com transtornos mentais, não há outro caminho possível que resulte em saúde e qualidade de vida”, conclui.

Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas. Colaboradora do portal Eufêmea.