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O luto não reconhecido das mães de colo vazio

Lavínia Lins
Psicóloga
@minutodapsico

Perder é um dos verbos mais difíceis de conjugar.

A gente não aprendeu e nem parece desejar aprender a perder. Porque perder nos remete a falhar, a uma sensação de fracasso, de impotência. E não queremos aprender a naturalizar coisas assim, porque essa não é a lógica que dá movimento ao mundo em que estamos inseridos. Não é isso que esperam de nós. Já percebeu?

Então, ante a perda, a gente tende a se fechar, a se cobrar, a se punir. A gente chora. Deprime. Não deseja mais desejar coisa alguma. A gente entra em luto – um luto que nem sempre tem a ver com a perda para a morte. E, quando tem, nem se fala. Morte é, para a imensa maioria de nós, a maior das perdas. Ninguém quer se privar do calor do toque, do aconchego do abraço, ninguém quer sentir o seu colo vazio.

E é sobre a mãe de colo vazio que precisamos falar. Sobre a mãe que não chegou a ter o filho no colo, ou que o teve, mas por pouquíssimo tempo.
Tempo. Quem pode medi-lo?

Não à toa destaco o tempo aqui. Quando escutamos uma mãe que perdeu o seu filho, sobretudo no período gestacional, sobretudo quando nas semanas iniciais desse processo, o tempo aparece no discurso das pessoas “de fora”, como uma unidade de medida da dor, geralmente avaliada como “pouca”, “suave”, “que será superada facilmente”. Já para a mãe, que viveu naquele tempo, que para os outros parece ínfimo, toda uma vida, abre-se uma ferida, uma a mais, pelo não reconhecimento do seu luto.

Trago o óbvio que parece nem sempre estar claro: uma mãe em luto é uma pessoa em luto. E a gente respeita uma pessoa em luto. E a gente acolhe uma pessoa em luto. Ou não?

Quando uma pessoa perde alguém, a gente não diz a ela pra ficar tranquila, nem que outra pessoa logo virá para substituí-la, não é mesmo? E por que a gente diz à mãe de colo vazio que logo, logo ela poderá engravidar de novo? Na dúvida sobre o que falar, o silêncio pode ser o melhor acalento; o abraço, o melhor acolhimento.

Só quem sente sabe. E nenhuma palavra proferida é poderosa ao ponto de curar a dor que, se tem cura, somente será alcançada depois de um processo único, sem prazo definido, a ser vivido por quem realmente sente essa dor.

Abraço, com muito respeito, a todas as mães de colo vazio que agora me leem.
Cuidem-se bem…

Aborto espontâneo*: quais os direitos da mulher que perde o bebê?

Ana Carolina Trindade
Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões
@anacarolinatrindade.cohen

A perda de um filho em qualquer idade, ainda que gestacional, é um evento extremamente traumático; mas, ainda assim, é por vezes negligenciada pelos serviços de saúde, parceiros, empregadores, e, até mesmo, pela própria família da mulher, cujo luto, sobretudo quando se trata de uma perda gestacional, é ignorado.

Nesse contexto, pouco se fala sobre o luto das mães de colo vazio, e, por consequência, igualmente se ignoram os seus direitos, que muitas vezes sequer são conhecidos.

Em 2021, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher aprovou o Projeto de Lei n.º 3391/2019, que busca alterar a Lei Orgânica da Saúde, com vistas a estabelecer que o Sistema Único de Saúde – SUS conceda prioridade de atendimento no serviço de assistência psicológica e social às mulheres cuja gravidez resultar em aborto, óbito fetal ou perinatal.

Já o Projeto de Lei n.º 3.649/2019 visa a estabelecer que os hospitais públicos e privados instituam procedimentos relacionados à humanização do luto materno e parental.

Todavia, tais projetos ainda encontram-se em tramitação, sendo de fundamental importância que sejam não somente aprovados, mas que, de fato, o Poder Público ofereça instrumentos para que se concretizem – com qualidade –, pois essenciais às mulheres que sofrem com este tipo de perda.

Prevê o art. 358, da Instrução Normativa n.º 128/2022 do INSS, que o salário maternidade é devido à mulher, a contar do parto, inclusive de natimorto (perda fetal tardia).

Em caso de aborto espontâneo, comprovado mediante atestado médico, a segurada terá direito ao salário maternidade correspondente a duas semanas, a partir da data da interrupção da gravidez.

Por outro lado, tendo havido parto, e nascendo a criança morta (natimorto), o benefício poderá, em casos excepcionais, ter suas datas de início e fim estendidas em até duas semanas, “mediante atestado médico específico submetido à avaliação médico-pericial” (§ 2º, do art. 358).

O bebê é classificado como natimorto quando o feto morre no útero da mãe, ou durante o trabalho de parto, a partir da 20ª semana de gestação (conforme Portaria 116/2009, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde).

Já o art. 395 da CLT prevê que, em caso de aborto não criminoso, comprovado por atestado médico oficial, a mulher terá repouso remunerado de duas semanas, sendo-lhe assegurado o direito de retornar à função que ocupava antes de seu afastamento.

Além disso, o Tribunal Superior do Trabalho – TST já decidiu que a empregada gestante que sofreu aborto espontâneo tem garantia à estabilidade provisória no emprego, desde a concepção até duas semanas após o aborto.

Entretanto, este entendimento não é pacífico no âmbito da Justiça do Trabalho, havendo decisões que não reconhecem o direito à estabilidade no emprego, tal como decidiu o TRT/2ª Região, em julho/2023.
No caso de ter a criança nascido morta, prevê ainda a Lei de Registros Públicos que será lavrado o assento do óbito.

Embora não haja expressa previsão legal, famílias vêm conseguindo no Judiciário decisões que reconhecem o direito ao registro civil do filho nascido morto, a fim de que o nome escolhido pelos pais conste da certidão de óbito, além dos nomes dos pais e avós.

Tratam-se de decisões que conferem dignidade à família e ao bebê que nasce sem vida, pois, infelizmente, como a lei de registros públicos não prevê a possibilidade de registro do nome nestes casos, aquele filho tão esperado, e que muitas vezes já era, inclusive, chamado pelo nome escolhido por seus pais, terá seu assento de óbito como um mero registro de feto que veio a falecer.

Em decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, destacou-se que a omissão do nome ao natimorto constitui “uma crueldade para com os pais, que já passaram pelo traumático evento da criança morta, e não precisam passar por uma segunda ‘morte’ do filho, desta vez causada pelo desprezo da ordem jurídica”.

Acerca deste aspecto, há também projeto que visa a deixar expressa na Lei de Registros Públicos a previsão de que a criança nascida morta, ou que morrer na ocasião do parto, será registrada gratuitamente com o nome que os pais desejarem (Projeto de Lei n.º 4899/20).

Como visto, nossa legislação pouco trata especificamente dos direitos das mães de colo vazio. Há um luto não reconhecido, mas que precisa ser percebido pelo Direito.


*Embora geralmente seja utilizado o termo aborto espontâneo para se referir à perda do bebê em qualquer fase da gestação em que esta ocorra, a OMS se refere a aborto quando a interrupção da gravidez ocorre antes do início do período perinatal, ou seja, até a 20ª semana de gestação (após isso, a perda é referida como óbito perinatal). Por outro lado, considera-se óbito fetal o ocorrido antes da expulsão completa da mãe, independente da duração da gravidez.

** Grupos de Apoio às mães de colo vazio pelo Brasil:

Nordeste
Instituto Transforma
Grito Solidário
Reconforto
Grupo Amor que Transforma
Da Dor ao Amor
Acolhimento Apoio Luto Parental
Grupo Reviver

Sul
​Grupo Acolher Mães de Anjos
Grupo Luz
Amada Helena
Trilhar Instituto de Luto
Entre Mães de Anjos
Renascer

Sudeste
​Mãe de Anjos
Grupo Luz
Florescer com Anjos
Grupo Transformação
Grupo Colo ES
Grupo Girassol
Grupo Sobreviver
Grupo Lado a Lado
Do Luto a Luta
Grupo Colcha

Norte
IAN – Instituto Amor Nosso
Grupo Luz
Florescer com Anjos

​Centro-Oeste
IMães de Anjos

Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade e Lavínia Lins

Ana Carolina Trindade é advogada, especialista em Direito e Família e Sucessões. Graduada e Mestre em Direito pela UFAL. Também é professora e Doutoranda. Lavínia Lins é psicóloga clínica, psicoterapeuta com base de trabalho na Psicanálise, escritora e palestrante.