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Principalmente, me sinto arrasada…

Natércia de Andrade Lopes Neta – @dra.natercialopes

Em 1985, Robin Norwood escreveu o livro “Mulheres que Amam Demais” (Women Who Love Too Much), que se tornou um best-seller com mais de 3 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. Neste livro, a autora, que é psicoterapeuta especializada no tratamento de padrões mórbidos de relações amorosas, percebeu um padrão semelhante de comportamento entre as mulheres que amam demais e os dependentes químicos.

A autora explica que “usamos nossa obsessão dentro de um relacionamento para evitar nossa dor, vazio, medo e raiva. Usamos nossos relacionamentos como drogas, para evitar experimentar o que sentiríamos se ficássemos quietos conosco mesmos” (Norwood, 1985, p. 25).

Esse “amar demais” significa uma doação unilateral, onde apenas um dos lados decide compartilhar sua vida e fazer concessões, enquanto o outro continua com todos os seus planos sem fazer alterações, sem se importar com o esgotamento de sua companheira.

Para essas mulheres, tudo é feito para satisfazer as vontades do outro, e a busca pela realização pessoal passa a ser a realização do outro. Isso inicia um ciclo de invisibilidade de seus valores e objetivos de vida, resultando na perda de sua identidade e essência, e aprisionando sua felicidade.

A justificativa para que algumas mulheres tenham predisposição para amarem demais pode estar relacionada a uma criação familiar opressiva e à desvalorização feminina, somada a uma sociedade patriarcal que as inferioriza.

A família, como a primeira célula de organização social, pode levar essa mulher a acreditar que não vale nada desde a infância e adolescência, o que ela estende para a fase adulta, levando-a a buscar afeto e a fazer de tudo para que alguém esteja com ela, doando-se sem limites, já que ela pensa que não é digna de ter companhia.

Ao ouvir a música “Principalmente, me sinto arrasada” pela primeira vez, não pude deixar de fazer uma associação com essa mulher que está em um relacionamento abusivo devido ao seu perfil de doação extrema, enquanto o outro se acomoda em não oferecer nada a ela. No entanto, na música, é possível ver essa mulher em três fases.

Na primeira fase, ela está em crise. Em algum momento deste relacionamento, ela acorda e percebe o quão injusta é a contrapartida. Isso já dura muito tempo, e o cansaço é inevitável. Ela sente muito a ausência do outro, além de outras atitudes que ela vai descobrindo. Ela tenta sair da relação, mas não consegue, ouve da sociedade que deve manter as aparências, mas ela está explodindo, já não aguenta mais.

Em um segundo momento, percebe-se que ela toma a decisão de terminar depois de perceber que se exauriu completamente. No entanto, ainda há resquícios de submissão ao outro e de desvalorização pessoal, que a impedem de enxergar que essa relação não contribuiu em nada para seu crescimento.

Por fim, na terceira fase, a mulher se vê perdida em seus sentimentos, tendo que manter seu ritmo de vida e seu trabalho, mas não se permitindo dedicar um tempo para si mesma, o tempo que costumava dedicar ao outro. Ela ainda não consegue se sentir merecedora de cuidados e atenção. Foca no trabalho e age como se fosse uma máquina. São outras estratégias de fuga da realidade e de autopunição que a fazem continuar se sentindo “principalmente, arrasada”.

O conhecimento de si mesma por meio da psicanálise é capaz de esclarecer e compreender esses sentimentos, mas a decisão de sair dessa situação continua sendo dela.

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Natércia Lopes

Licenciada em Matemática, Mestra em Educação Matemática e Tecnológica, Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Coimbra e Psicanalista formada pela ABRAPSI.