Colabore com o Eufemea

Síndrome da filha mais velha: mulheres relatam sobrecarga ao assumirem o papel de ‘segunda mãe’

Cuidar dos irmãos mais novos, auxiliar nas tarefas do cotidiano e gerenciar a casa são alguns dos papéis que as irmãs mais velhas frequentemente assumem ao ocuparem a posição de ‘segunda mãe’. Essa responsabilidade é muitas vezes imposta às primogênitas e pode criar um fardo que não lhes pertence.

Isso é o que a psicóloga Kelcy Mary explica. Em entrevista ao Eufêmea, ela discute como a dinâmica familiar pode ter um impacto profundo no desenvolvimento das irmãs mais velhas e, consequentemente, na sociedade que elas contribuem para moldar.

Síndrome da irmã mais velha
Foto: Cortesia

A psicóloga destaca a importância de reconhecer que a irmã mais velha muitas vezes assume responsabilidades precoces que não deveriam ser suas, acumulando funções que não caberiam a ela naquele momento.

No entanto, essa situação pode ter repercussões significativas no futuro. “A irmã mais velha pode se tornar a futura mãe que reproduzirá esses padrões de comportamento com seus filhos, perpetuando cobranças, frustrações e modelos de opressão psicológica, especialmente se ela for uma mulher.”

Para identificar quando uma irmã mais velha está assumindo o papel de segunda mãe, a psicóloga aponta indicadores cruciais: “Isso ocorre quando ela precisa abrir mão de seus projetos de vida, fica sem tempo para o lazer ou para buscar seu desenvolvimento pessoal e profissional, devido às atribuições e responsabilidades que assumiu em relação aos irmãos ou irmãs mais novos.”

Kelcy Mary também enfatiza as consequências desse papel, destacando problemas como doenças psicossomáticas, ansiedade, insônia, frustrações profissionais, dificuldades com o autocuidado, depressão e a luta para reconhecer o seu valor na sociedade.

Ela explora os fatores que perpetuam essa dinâmica, como tradições familiares e contextos sociais e econômicos desafiadores. “Sempre foi assim… minha avó cuidou dos irmãos, minha mãe também, e eu serei obrigada a cumprir essa missão”, diz ela, ressaltando a pressão sobre as irmãs mais velhas para assumirem responsabilidades.

A longo prazo, a psicóloga adverte sobre as repetições de comportamento e conflitos familiares que podem surgir quando as novas gerações questionam essas “verdades impostas”. Além disso, ela destaca o desequilíbrio nas oportunidades de gênero, já que as mulheres frequentemente assumem esse papel, limitando suas perspectivas e potencialidades.

Preocupações excessivas

Renata*, uma jovem de 22 anos, relata que a dinâmica familiar assumiu um papel diferente, transformando-a na segunda mãe de sua irmã.

“Em muitos momentos, tenho responsabilidades que não seriam naturalmente esperadas em uma relação de irmãos.”

De acordo com ela, a situação não aconteceu apenas por imposição familiar, mas também de forma natural. “Em determinadas situações eu tinha que deixar de efetuar alguma atividade para ficar com minha irmã, por exemplo, mas em outras eu não via problema em cuidar dela, porque eu já ia ficar em casa de qualquer maneira.”

A carga emocional dessa posição não é subestimada por Renata. “Essa relação pode ser bem estressante porque muitas vezes eu sinto que sou responsável pela educação dela, e constantemente tenho preocupações excessivas com o seu desenvolvimento.”

Ela relata ainda que percebeu sua responsabilidade adicional como irmã mais velha em situações específicas. “Situações em que meu pai muitas vezes pedia a ela para pedir permissão a mim para fazer alguma coisa, em vez de a ele, ou quando se referiam a mim como sua segunda mãe por sempre cuidar dela.”

Quando questionada sobre como isso afetou seu cotidiano, Renata desabafou.

“Agora que ela está mais independente, sinto que ela me atrapalha menos, mas houve situações em que eu precisava cuidar da sua alimentação, verificar se estava estudando ou passando muito tempo no celular, entre outras coisas. Em certos momentos, eu não conseguia me concentrar nas minhas obrigações devido à preocupação com ela.”

“A responsabilidade foi imposta”

No caso de Gabriela*, a função de segunda mãe fez parte integrante de sua vida desde a infância. Ela compartilha como essa responsabilidade moldou sua infância e influenciou sua jornada emocional.

“A responsabilidade foi imposta; meus pais sempre consideraram como função da irmã mais velha tomar conta e cuidar da mais nova. No entanto, como eles passavam pouco tempo em casa, foram atribuídas funções a mim que não eram adequadas para uma criança”, relata.

Ela avalia que as consequências dessa responsabilidade precoce não passaram despercebidas. “Todo esse acúmulo de funções sempre me fez sentir como se tivesse perdido uma parte da minha infância, criando um tipo de ressentimento, além da ansiedade e do medo de estar fazendo algo errado que poderia ter consequências no desenvolvimento da minha irmã.”

Quando questionada sobre o momento em que percebeu essa responsabilidade, Gabriela relembrou: “Quando eu tinha uns 10 anos, meus pais não tinham mais condições financeiras de pagar uma babá e começaram a me deixar responsável por cuidar da minha irmã quando chegávamos da escola.”

O impacto desse papel também afetou a vida social de Gabriela. “Quando era criança, isso afetava bastante, pois quase nunca podia ir para a casa das minhas amigas ou sair com elas, já que tinha que cuidar da minha irmã. Hoje em dia, atrapalha mais na questão psicológica, pois frequentemente me pego pensando em como ela foi afetada por essa situação”, conclui.

Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas. Colaboradora do portal Eufêmea.