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“Riam de mim quando eu perguntava em sala”: conheça a história da médica Amanda Gusmão, a Satubinha

Filha da dona de casa Irene e do ‘seu’ Cícero, ex-proprietário de um carrinho de confeitos da escola, hoje aposentado como motorista de pesca, Amanda Gusmão carrega com orgulho o nome da sua cidade natal, conhecida carinhosamente por todos como Satubinha.

Foto: Cortesia

Oncohematologista pediátrica, ela compartilhou a sua trajetória inspiradora e cheia de desafios ao Eufêmea.

Amanda lembra que aprendeu a ler aos 6 anos e se apaixonou pelo mundo imaginário dos livros. Foram eles que, de alguma forma, despertaram o desejo pela medicina. “Recordo de uma cena em que vi minha prima com um livro imenso, sentada na varanda de casa. Perguntei o que ela estava lendo e ela disse que estava estudando para ser médica. Imediatamente, disse que também queria ser médica para ler livros daquele tamanho”.

Ela conta que cursou o ensino médio em Satuba e fazia preparatório em Maceió com uma bolsa parcial de estudos para se preparar para o concorrido vestibular, e apesar do sonho da profissão, pensou em desistir algumas vezes.

“Tive problemas de adaptação por questões sociais, riam de mim quando perguntava em sala. Comecei um acompanhamento com a psicóloga do cursinho e alguns colegas perceberam e me chamaram pra fazer parte do Grupo de Oração Pré-universitário, onde encontrei o acolhimento que precisava para continuar”.

“Certo dia, uma colega do cursinho pediu para que orássemos pelo irmão dela que estava internado com leucemia, semanas depois fomos informados que o irmão dela havia falecido. Fomos chamados para cantar no velório e eu que sempre tive pavor de ver gente morta, resolvi me aproximar do caixão e vi que era um grande amigo no ensino médio em Satuba”.

Amanda relembra que naquele dia prometeu que ia lutar com todas as forças para que histórias como a dele não terminassem assim e decidiu fazer Oncohematologia Pediátrica.

A aprovação não veio no primeiro vestibular e seu pai, sem recursos, recorreu a um empréstimo para continuar bancando o cursinho. “Lembro que estava em meu quarto na casa dos meus pais estudando e me sentindo bem desanimada, de repente ouvi um barulho insistente na janela de vidro, quando abri tinha um gafanhoto enorme fechei a janela e resolvi ler a bíblia, abri em um trecho que citava que Deus vê os homens como gafanhotos e para mim foi: confie em mim”.

Outra situação também a marcou. Ela contou que estava no apartamento da irmã quando a irmã recebeu o entregador de água, e ele disse: ‘Não se preocupe, seus sonhos vão se realizar.’ Em outra situação, estava na rodoviária esperando condução para Satuba, e um rapaz sentou ao meu lado e disse: ‘Você vai conseguir!’

Ela partiu para Fortaleza com R$ 300

E ela conseguiu se formar. Começou a residência em pediatria, primeiro em Maceió, depois partiu para Fortaleza com R$300 no bolso.

“Comprei um kit de edredom, lençol e dois travesseiros, e dormia no chão mesmo. Sem geladeira, fogão, cama, mesa. Peguei um apartamento barato na frente do hospital, já que não tinha carro”, conta.

Já estabelecida na capital cearense, prestou prova para a residência em hematologia e depois, a terceira, em oncologia pediátrica e foi quando decidiu voltar para seu estado.

“O mercado nessa área aqui ainda era muito restrito e fiquei dois anos sem atuar como oncopediatra. Decidi me voluntariar em um hospital, lá fui contratada e é onde trabalho”.

Amanda conta que quando se voluntariou estava gestante e que foi contratada quando sua primeira filha tinha apenas quatro meses, hoje, são três meninas com nove, sete e dois anos que demandam uma rotina puxada de tripla jornada.

“Sempre explico para elas que a mamãe não trabalha só para prover as coisas, mas porque precisa ajudar as crianças doentes e vê-las melhorando. Agradeço a elas, ao meu esposo, irmã, irmão e pais por sempre terem me apoiado nessa jornada, mesmo quando precisei estar ausente virando as madrugadas trabalhando e estudando”, afirma.

Foto: Cortesia

Segundo ela, tudo valeu a pena. “Não me vejo fazendo algo diferente, por vezes, exausta, penso em desistir, mas quando olho para esses pequenos lutando pela vida sem noção da dimensão da dor, do sofrimento, com um brilho no olhar, eu percebo como somos gafanhotos”, completa.

Meline Lopes

Meline Lopes

Jornalista, advogada, especialista em comunicação e em marketing digital. Atuou como repórter de televisão durante 9 anos em diversas emissoras do Brasil. É repórter do Eufêmea.