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Mulheres vítimas de violência: o caso Ana faz pensar a liberdade em condições de subalternidade

Para o texto de hoje, convidei a Dra. Cristiane Souza, psicóloga clínica e organizacional, pesquisadora, escritora e professora universitária.

O desentendimento entre Ana Hickmann e seu esposo Alexandre Correa reacende a necessária preocupação sobre as agressões contra mulheres, que atingem todas as classes sociais.

Nesse sentido, retomo a minha tese de doutorado, que trata da contradição como tom predominante da trajetória feminina, com a normalização de sentidos, homogeneização de comportamentos, relacionando mulheres aos riscos e às condições adversas.

O Brasil assume uma dianteira no ranking da violência doméstica – uma das maiores problemáticas no mundo ocidental. Um mal do século. Em nosso país, uma mulher é agredida em seu lar a cada quatro horas. São mais de 50 mil vítimas por dia. Em 2022, foram mais de 18 milhões de mulheres vítimas de violência. Ao mesmo tempo, estudos revelam que uma em cada três mulheres brasileiras (33,4%) com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de parceiros, ou ex-parceiros.

E mais um ponto que agrava: o ciclo do abuso vem seguido de medo e insegurança em denunciar o agressor, principalmente quando se é casada e tem filhos ou notoriedade pública. Infelizmente, o medo em denunciar ainda é reflexo do machismo enraizado em nossa sociedade.

E se a violência contra a mulher é um tema que envolve pessoas de todos os gêneros, classe sociais, etnias, orientação sexual ou opções políticas, é uma questão que diz respeitos a todos.

Vale saber que o ciclo do abuso contra a mulher foi identificado pela primeira vez pela psicóloga Lenore Walker, fundadora do Instituto de Violência Doméstica, no Colorado. Em 1979, lançou o livro The Battered Woman. Uma obra baseada em sua experiência como especialista, que alerta para um padrão de abuso.

A autora cita o padrão em fases, tais como: fase 1. Quando o agressor mostra irritação por coisas insignificantes e tem acessos de raiva, humilha a vítima, faz ameaças e até destrói objetos. Nesse sentido, a mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e vai evitando qualquer conduta que possa “provocá-lo”. Começa a sentir tristeza, angústia, ansiedade, medo, por exemplo. Emoções e sentimentos que a acompanham em todos os momentos e atividades. Em geral, a vítima tende a negar o que acontece, muitas vezes acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do agressor.

Fase 2 – É a explosão do agressor, quando ele perde o controle e parte para o ato violento. A tensão acumulada na fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial.

A fase 3 – chamada de “lua de mel”, se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade. Podendo até dizer que o companheiro “vai mudar”. Seguindo-se de um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude. Todavia, vai se acumulando ainda na mulher um misto de medo, confusão, culpa e ilusão como parte dos seus sentimentos. A tensão pode voltar e, com ela, as agressões da fase 1.

Em suma, sob diversas formas e intensidades, a violência doméstica e familiar contra as mulheres é recorrente e presente no mundo todo, motivando crimes e graves violações de direitos delas. Mesmo assim, a vítima, a exemplo de Ana Hickmann, pode ainda enfrentar a chamada ‘rota crítica’ – um caminho tortuoso que a mulher percorre buscando a notificação, o atendimento do Estado, arcando com as dificuldades estruturais e a mídia que adoece e expõe de forma tóxica também, reproduzindo discriminações ainda maiores contra as mulheres nesses serviços.

É importante que todas nós conheçamos nossos direitos. E lembro que as violências baixam a autoestima da mulher e não podemos nos calar. Busquemos uma rede de apoio; vale falar com amigas e familiares. É importante buscar pessoas próximas para estarem cientes da situação e oferecerem ajuda. E especialistas que podem fornecer informações assertivas para cada caso.

Para denunciar e ajudar a vítimas de violência contra mulheres (Ligue 180)” – Central de Atendimento à Mulher –” Lei Maria da Penha”.

Natasha Taques

Natasha Taques

Psicóloga clínica (CRP-15/6536), formada em Terapia do Esquema pelo Instituto de Educação e Reabilitação Emocional (INSERE), Formação em Terapia do Esquema para casal pelo Instituto de Teoria e Pesquisa em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (ITPC).