Colabore com o Eufemea

“Negra suja” e “macaca”: advogada relata episódios de racismo sofridos na internet

No Brasil, o racismo na internet possui um recorte de gênero, como revelam os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Esses dados indicam que as mulheres são alvo de 60% dos casos de racismo nas redes sociais. O levantamento, que abrange os episódios dos últimos 12 anos, destaca que essa forma de discriminação ocorre por meio de xingamentos, utilização de nomes pejorativos e práticas de animalização.

O Eufêmea conversou com a advogada Lazara Carvalho para representar as inúmeras mulheres negras que, ao expressarem suas opiniões nas redes sociais, tornaram-se alvo de ataques.

Foto: Cortesia

Forçando uma beleza que não existia”

Como de costume, a advogada e pesquisadora Lazara Carvalho postou uma selfie nas redes sociais, mas não esperava que essa simples foto motivaria um episódio de injúria racial.

“Despretensiosamente, tirei uma foto e compartilhei nos stories. Após 30 minutos, surgiu um comentário de uma pessoa dizendo que eu estava sendo arrogante e forçando uma beleza que não existia, além de destacar que eu precisava perder peso. Ela finalizou-me mandando beijos de luz e me apelidando de ‘escurinha’, relata a advogada.”

Segundo Lazara, as pesquisas na área de Comunicação Não-Violenta influenciaram a maneira de como lidar com a situação. Ela optou por denunciar, mas aproveitou a oportunidade para explicar que aquela mensagem, de acordo com os códigos legais, configurava um caso de injúria racial.

“Coloquei-me à disposição para conversar com ela e tentar resolver a situação de forma consensual. Meu objetivo era que a situação fosse revertida de maneira pedagógica, proporcionada à pessoa a oportunidade de compensar suas atitudes com bases mais sólidas”, completa a pesquisadora.

No entanto, essa não foi a primeira vez que a advogada foi alvo de discurso de ódio na internet. “Macaca” e “Negra Suja” foram alguns dos comentários direcionados a Lazara nas redes sociais, enquanto ela participava de uma chapa para concorrer a cargos na OAB-SP.

O destaque foi para um comentário que surgiu após ela expor que era a favor do uso da linguagem neutra. “Eu tive muita dificuldade de lidar com essa situação. A pessoa escreveu da seguinte forma: ‘sua negra macaca, fale só de coisa de gente preta, ou você é bicha também?’. Isso, para mim, foi uma tentativa de apagamento. Essa pessoa desacreditou de mim por causa da minha pele, sem relação com o meu post ou com a linguagem neutra. Foi como se eu não tivesse o direito de expressar minha opinião”, relembra ela.

Aprendendo a ser forte

Lazara foi criada por uma família de pessoas pretas, ouvindo quase sempre que precisaria ser forte para alcançar seus objetivos e ocupar espaços.

“Eu cresci entendendo que pessoas negras tinham mais dificuldade para conseguir emprego, que era difícil ter ascensão social. Então, eu precisaria ser forte, porque como menina negra, eu teria muitos desafios na vida”, diz a advogada.

Mas o que fazer para combater? De acordo a advogada, ser antirracista não é ter um amigo ou uma namorada negra, mas sim, assumir o compromisso de combater as estruturas do racismo, através do investimento em educação, cotas raciais e em outras medidas.

A pesquisadora que vem acumulando anos de estudo na área de educação e relações étnicos-raciais deixa uma mensagem: “O problema não está em nós, está no racista. Tudo depende de como enxergamos nós mesmos. Então vamos continuar existindo, vivendo, avançando, conquistando e sendo feliz. O racista que lide com as frustrações dele. ”.

Para você saber:

A Lei 14.532/2023, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 12 de janeiro de 2023, alterou a Lei 7.716/1989, conhecida como Lei do Crime Racial, para equiparar a injúria racial ao crime de racismo.

Antes da alteração, a injúria racial era tratada como um crime contra a honra, previsto no Código Penal. Com a nova lei, a injúria racial passou a ser tratada como um crime de racismo, com a pena aumentada de um a três anos para dois a cinco anos de reclusão.

A lei também tornou a injúria racial inafiançável e imprescritível. Isso significa que o crime não pode ser perdoado e não prescreve, ou seja, pode ser punido a qualquer tempo, mesmo que tenha sido cometido há muitos anos.

A equiparação da injúria racial ao crime de racismo foi uma medida importante para combater o racismo no Brasil. A lei visa a garantir que as vítimas de injúria racial tenham acesso à justiça e que os responsáveis pelo crime sejam punidos de forma severa.

Cecília Calado

Cecília Calado

Pernambucana vivendo em terras alagoanas, Cecília Calado é estudante de Jornalismo com experiência em mídias sociais e produção de rádio e TV. Considera o Jornalismo uma ferramenta de transformação social.