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Por que algumas mulheres vítimas de violência não denunciam seus agressores?

O que leva uma mulher a não denunciar seu agressor? Cerca de 60% das mulheres vítimas de violência de gênero em 2023 não registraram queixa contra seu agressor junto à polícia. Essa informação foi divulgada pelo Mapa Nacional da Violência de Gênero lançado na semana passada pelo Senado Federal em parceria com o Instituto Avon e a agência de jornalismo de dados Gênero e Número.

Medo, dependência financeira…

A advogada criminalista, Doutora em Direito Público e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, Daniela Portugal disse ao Eufêmea que são inúmeros os fatores que levam as mulheres a não denunciarem: medo de causar trauma aos filhos, dependência financeira, julgamento social, entre outros.

“Muitas relatam o receio de causar algum trauma aos filhos caso o pai venha a ser preso. Outro receio se deve ao fato de serem dependentes economicamente do agressor e temem passar por dificuldades financeiras caso venham a denunciar. Muitas ainda se calam por medo do julgamento familiar ou social. Outras temem que, caso denunciado, o agressor possa adotar uma postura ainda mais violenta, vindo a atentar contra a integridade ou vida dela e dos familiares”, diz.

Violência é diferente para mulheres pobres e ricas

Para a advogada Paula Lopes, que atua na área dos direitos das mulheres e é fundadora do CDDM (Centro de Defesa dos Direitos da Mulher) em Maceió, quando a mulher vítima de violência é colocada como figura única, não se analisam os critérios de interseccionalidade que envolvem as questões. “Não consideramos os critérios regionais, locais, de classe e raça que emergem junto a essas necessidades”.

Ela destaca que existe uma diferença entre as mulheres pobres que são vítimas de violência e mulheres com a vida financeira estável. “Para as mulheres mais pobres, a violência ficará ainda mais grave pela falta de recursos e alternativas financeiras da mãe empobrecida ou endividada. Por outro lado, o agressor, que também não tem recursos mínimos, não tem nada a perder e pode ser extremamente perigoso”.

“Para a mulher de classe média e da elite, com uma vida financeira mais estável, pesará socialmente o status de mulher separada ou solteira. Por outro lado, o agressor, que é mais poderoso economicamente e juridicamente influente, pode persegui-la de diversas formas”, completa Paula.

Judiciário precisa agir

Segundo Daniela Portugal, os investimentos públicos precisam estar voltados à garantia do efetivo funcionamento do aparato de tutela. Além disso, para ela, é importante que se tenha uma atuação do Judiciário mais efetiva.

“Precisamos de mais casas de acolhimento, de mais DEAMs, de mais rondas especializadas para atendimento de mulheres. Na atuação jurisdicional propriamente dita, uma questão precisa ser corrigida: a atuação do nosso Judiciário tem sido restrita à aplicação das medidas protetivas de urgência requeridas, mas os processos criminais decorrentes do episódio de violência não são iniciados na mesma proporção das protetivas”, reforça.

A advogada afirma que essa “falha” na atuação do sistema revela uma certa conivência com as práticas de violência. “Pois aplica a medida processual cautelar em benefício da vítima, mas não se compromete em processar e punir o agressor”.

Rede precisa estar preparada

Paula Lopes pontua que quando uma mulher vítima de violência não é acolhida, é revitimizada ou não consegue resolver a situação diante da burocracia da Justiça ou dos serviços de proteção, ela divulga isso para toda a rede de amigas e conhecidas dela.

“Da mesma forma, quando uma mulher é atendida, ela também repassa para toda essa rede o sucesso de seu acolhimento e resolução de suas questões. Portanto, sendo bem didática, é imprescindível que a rede esteja minimamente preparada para acolher essa mulher. Para isso, é necessário investir em profissionais capacitadas para realizar esse diagnóstico e esse primeiro atendimento.”

Para Daniela Portugal, o problema na proteção das mulheres não está em uma falha legislativa, mas sim na ausência de efetividade desses textos normativos, por não serem aplicados corretamente pelo Poder Judiciário e cita um exemplo:

“A Lei Maria da Penha prevê, no art. 22, dentre as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, a prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Ocorre que nossos magistrados simplesmente se recusam a aplicar a referida medida protetiva, sob o equivocado argumento de que estariam usurpando competência das Varas de Família. O resultado disso, nos casos de violência doméstica e familiar, é o seguinte: a mulher consegue retirar o agressor do lar, mas precisará recorrer a ele quando faltar dinheiro no final do mês para pagar a cesta básica e o aluguel”, conclui.

Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.