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Quem é Beatriz Santana, a primeira mulher negra no comando do Samu Maceió

A sergipana que adotou Alagoas como segunda casa desde a graduação em Enfermagem, agora é a primeira mulher negra no comando do Samu Maceió. Beatriz Santana já acumula mais de 10 anos de experiência e é doutoranda da USP, mestre em Enfermagem, especialista em urgência e emergência, e em saúde da mulher e obstetrícia.

Ao Eufêmea, a enfermeira compartilha sua trajetória profissional, que inclui a luta pela ocupação de espaços e diversos episódios de racismo.

“A mulher negra historicamente nunca é vista assumindo cargos como esse, então para mim, assumir esse lugar significa representatividade. Estou abrindo caminhos para que outras mulheres negras assumam, porque através de mim, elas veem que é possível sim ocupar cargos de liderança”.

A persistência e a luta por espaços

O sonho de ser enfermeira levou Beatriz Santana a abandonar sua terra natal para começar uma vida do zero em Alagoas. Sem os seus pais, a sergipana resolveu encarar um estado pouco conhecido e a vida adulta que iniciava junto à graduação.

“Eu lembro que quando eu passei na Ufal, meu pai disse para eu ir, mas com a consciência que eu teria que me virar. Foi assim que eu realmente fiz, dividindo apartamento com outros estudantes e buscando bolsas através dos estágios e das iniciações científicas. Com isso, eu posso dizer que eu soube aproveitar bem a graduação”, diz a enfermeira.

Apesar de sempre ter se destacado nos estágios e projetos da universidade, Beatriz ressalta que foi bastante difícil romper o racismo estrutural que imperava e continua imperando no mercado de trabalho. Ela menciona que a Enfermagem já é uma área da saúde vista com inferioridade, tendo uma tendência maior de os profissionais serem humilhados pelos pacientes, no entanto, essa situação piora quando envolve uma mulher negra.

“A visão colonial impera muito, mesmo sendo profissionais com o diploma na mão, as mulheres negras ainda são vistas como empregadas pessoais dos pacientes, como se eles tivessem posse de nós. Então eles gritam, chamam de “neguinha” e mandam a gente limpar e servir, coisas que não são atribuições nossas”, desabafa ela.

Ainda sobre os episódios de racismo no exercício da profissão, a enfermeira cita uma situação que marcou. Ao fazer um atendimento em domicílio pelo Samu, a esposa do paciente chegou a passar álcool em toda extensão do braço dele, onde Beatriz tocou para fazer o procedimento.

“Ela não conseguia nem chegar perto de mim, e pela expressão facial, já dava para perceber que ela estava com nojo. Quando eu estava analisando o braço dele, ela ficou me perguntando se eu iria colocar luva, expliquei que sim, e disse que estava sem luva naquele momento porque estava vendo o local ideal para fazer o acesso. Na hora, eu fiquei muito constrangida e pensando: ‘o que tem na minha pele que me impede de tocar no outro?’”, desabafa a sergipana.

Segundo Beatriz, a inspiração para não se abater e seguir firme vem dos seus pais, e agora, da sua filha. Ela afirma que desde criança observa a luta e a força de vontade do seus pais, que também são negros, para conquistar seu espaço no mercado de trabalho e até para alcançar cargos de chefia. Em relação à sua filha, a enfermeira diz que o objetivo é ser referência para que ela siga o exemplo e trace seu próprio caminho independente do racismo estrutural que existe.

O que vem por aí

Com o cargo de coordenadora geral do Samu Maceió, Beatriz Santana pretende estruturar a equipe de socorristas para melhor atender a população, fazendo isso de maneira ainda mais rápida e eficaz. Ela ainda cita que a intenção é também integrar o Samu com o corpo de bombeiros e com o Atendimento Pré-Hospitalar, para garantir uma assistência integral ao paciente.

A partir disso, a ideia é expandir a nova reestruturação para outras unidades do Samu e adaptar conforme as suas realidades. “Quero passar segurança e confiança para os servidores, para eles acreditarem em dias melhores e na renovação. Com certeza cumprirei com maestria tudo isso, porque força de vontade e interesse já temos”, ressalta a enfermeira.

“Estou assumindo esse cargo para quebrar paradigmas, para mostrar que nós mulheres negras também temos competência de assumir diretorias e chefias. Sou uma mulher que veio de uma família de mulheres negras e fortes, que me deram essa base firme para representar essa emancipação feminina negra”.

Cecília Calado

Cecília Calado

Pernambucana vivendo em terras alagoanas, Cecília Calado é estudante de Jornalismo com experiência em mídias sociais e produção de rádio e TV. Considera o Jornalismo uma ferramenta de transformação social.