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A Síndrome de Estocolmo e as relações abusivas

“Quando eu era criança meu pai quebrou uma vassoura nas minhas costas. Ele batia muito. Já apanhei até de corrente de bicicleta, mas hoje sou grata a ele, porque me tornei gente!”

Na década de 1970, um assaltante prolongou um sequestro por quase uma semana. Suas quatro vítimas, ao invés de temerem os meliantes, começaram a ter medo das pessoas que estavam fora do banco. Mas, por que isso aconteceu?

Quando uma mulher sequestrada estava com frio, o assaltante lhe deu seu próprio casaco. Quando um homem sequestrado começou a ter crise de pânico, o assaltante começou a caminhar com ele pelo banco para que ele se tranquilizasse.

As vítimas começaram a ter gratidão pelo assaltante por mantê-las vivas. Elas não o culparam por colocá-las naquela situação.

O psicólogo Frank Ochberg dizia que pessoas que passam por traumas com a iminência de morte passam a ver qualquer gesto menos rude como ato de bondade e acabam esquecendo que o sofrimento que estão passando é causado pela pessoa que fez tal gesto. A Síndrome de Estocolmo é esse estado psicológico caracterizado pela situação de tensão, de medo, de intimidação, em que a vítima acaba se identificando com o agressor.

Psicanaliticamente, uma forma de explicar esse laço emocional que se forma entre algoz e vítima é o instinto de sobrevivência que, de modo irracional, faz com que o agredido busque se livrar daquele mal ou ter a sensação de que está protegido. Dessa forma, a vítima procura se aliar ao sequestrador como um mecanismo para conseguir suportar o pavor que é estar com sua vida sendo ameaçada por um perverso.

Para que as agressões não continuem, a vítima começa a evitar qualquer tipo de comportamento que vise desagradar o algoz, cedendo seus desejos e vontades para que possa sair daquela situação de forma mais ilesa e menos dolorosa possível. Numa situação de total controle, o agressor se comporta de forma menos rude, e a vítima, equivocadamente, interpreta esse cenário como uma segurança garantida por quem poderia tirar a sua vida, mas que agora parece estar a protegendo. Nesse ínterim, a vítima acaba se desvinculando emocionalmente da situação perigosa na qual se encontra inserida.

A mulher que sofre dessa violência acredita que se está viva é por causa do agressor. Mesmo que venha a ser agredida, ela continua justificando os atos e defendendo-o porque em algum momento ele baixa a guarda, alimentando um sentimento de segurança e paixão na vítima.

Há de se perceber, numa situação de risco de morte, que o sujeito está de frente para a pessoa que pode causar o maior mal para ele, que pode tirar sua vida, que pode arrancar seus sonhos. O sujeito se encontra cara a cara com o seu pior pesadelo, a pessoa que mais teme no mundo, que é extremamente perigosa, temida por todos, e é essa pessoa que simulou um gesto de delicadeza para ele. Por alguns instantes, o medo passa. A pessoa se sente aliviada. Mas, ao mesmo tempo, quer que isso dure porque provoca uma sensação de segurança. Afinal, não há outra pessoa tão ruim no mundo que pode te causar mal a este nível.

O estado psicológico que caracteriza a Síndrome de Estocolmo mostra que o algoz submete a vítima ao mais extremo medo e ao desespero de implorar por sua vida.

Nas relações abusivas é isso que o homem faz com a mulher. Ele faz com que ela acredite que não há ninguém melhor que ele, que ela deveria agradecer por estar com ele, que ela não desperta o interesse de mais ninguém e faz sua autoestima despencar.

Esse abuso emocional, psicológico e físico, causa graves danos à dignidade da mulher devido à exposição contínua de narrativas negativas sobre ela. No momento de trauma, a vítima acredita que o pior vai acontecer, mas qualquer simulação de gesto de atenção do agressor é interpretada como carinho. A Síndrome de Estocolmo vincula de forma doentia a vítima a uma pessoa abusiva e dominadora, o que também pode ser estendido para o meio profissional. Algumas profissões tidas como as “reservas morais do país” submetem seus profissionais a torturas em treinamentos que lhes custam a vida e depois cobrem seus caixões com a bandeira da instituição que lhes matou. Para muitos, isso é representado como sinônimo de cuidado.

Certas instituições humilham seus subordinados, os nivela ao chão, desumaniza-os e os imbecializa, fazendo questão de exaurir suas forças sob o pretexto de que o “treinamento, com repetição, até a exaustão, leva à perfeição”. São tão injustas a ponto de punir um para servir de exemplo aos demais, mas acoberta outros que possuem faltas mais graves.

Numa bazófia cheia de tortura e assédio moral com o intuito de que a morte seja naturalizada, levam profissionais ao limite físico e psicológico sem que exista nenhum tipo de fundamento científico que comprove a eficácia do método.

E, mesmo assim, os profissionais idolatram a instituição como “fiéis soldados por ela amados”, que ao passar por estas torturas se tornam mais fortes; uma espécie de imortalidade que se concebe como uma dívida eterna aos seus algozes.
Seja na relação pessoal ou profissional, a Síndrome de Estocolmo causa danos que podem te custar a vida.

Não escolha viver no sofrimento.

Natércia Lopes

Natércia Lopes

Licenciada em Matemática, Mestra em Educação Matemática e Tecnológica, Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Coimbra e Psicanalista formada pela ABRAPSI.