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Médica, mãe e negra: africana lidera instituto em prol da saúde da população negra em Maceió

Keila Andreia Martins Moreno, 38 anos, ginecologista e obstetra, é caboverdiana e mora em Maceió há 18 anos. Formada pela Universidade Federal de Alagoas é Ginecologista e Obstetra pelo Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes.

A médica relata que chegou a Maceió por meio do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) que oferece oportunidades de formação superior a cidadãos de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordos educacionais e culturais. Desenvolvido pelos ministérios das Relações Exteriores e da Educação, em parceria com universidades públicas – federais e estaduais – e particulares, o PEC-G seleciona estrangeiros, para realizar estudos de graduação no país.

A escolha por Maceió foi porque seu pai já havia realizado mestrado em Alagoas e a família buscava uma cidade tranquila para que a filha realizasse seu sonho de ser médica, já que viria sozinha.

Desafios na medicina e preconceito

A língua oficial de Cabo Verde é o português, usada nas escolas e na administração pública, logo o idioma não foi o maior desafio para adaptação de Keila ao Brasil, mas sim a saudade da família e a intensa rotina da faculdade que era integral e necessitava de dedicação exclusiva.

Na época da graduação, a médica não tinha ainda a percepção de lutar pela causa racial, e relata que o sotaque gerava curiosidade sobre seu país de origem e era intitulada de ‘’morena clara’’, e diversas vezes ficavam até surpresos quando ela falava sobre sua origem africana, segundo seu relato, era um preconceito ‘’velado’’, mas nada que a fizesse se sentir inferiorizada à época. Foi bem acolhida pelos colegas de faculdade e engajada desde o início na Saúde da Mulher, participando de ligas estudantis e produções científicas na fase acadêmica.

Os episódios mais marcantes de discriminação racial foram vivenciados após a faculdade, como médica e especialista, estranhada por pacientes negros, que não a viam como médica e se dirigiam a outros membros brancos da equipe. Esse comportamento nefasto ainda persiste, visto que os negros que ocupam posições de destaque social, infelizmente, ainda são poucos. Um estudo demográfico sobre médicos no Brasil, de 2020, revela que apenas 3,4 % dos médicos formados se autodeclaram negros, e quando se trata da visibilidade dessa população na medicina, os dados estatísticos são escassos, o que revela uma urgente necessidade de conscientização sobre diversidade dentro na profissão.

ONG

Neste ano, o Instituto Akoben foi criado com o objetivo de atender a população negra, imigrantes sem acesso à saúde e população vulnerável. O grupo é formado por africanos de diversas áreas de atuação na Medicina, um administrador e uma contadora: Halbate, Crisandra, Rafael, Ewila, Benjamin, Ravidson e Carlos, formam a diretoria.

As ações serão realizadas em diversos municípios alagoanos e bairros periféricos de Maceió. Contando, principalmente, com atendimento médico em geral, o projeto pioneiro busca assistir a população que apresenta dificuldade em ter acesso à saúde digna, como uma forma de retribuir a formação proporcionada pelo governo brasileiro aos africanos que permaneceram no Brasil.

Instituto Akoben (vigilância e a preocupação).

-Halbate: presidente

-Keila: vice presidente

-Crisandra:Secretária geral

-Rafael :Secretário adjunto

-Éwila: tesouraria

-Benjamin,Ravidson e Carlos: conselho fiscal

Maternidade e Legado

Keila é casada com Rafael Pires, administrador de empresas, também africano, e juntos são pais de Leticia Pires de cinco anos de idade. A pequena é fruto de uma educação voltada à aceitação e à luta contra o preconceito. Desde muito pequena é ensinada a amar os seus cabelos crespos e seus traços, assumindo suas raízes africanas.

Recentemente, Letícia representou Alagoas em Porto Alegre no concurso de relevância internacional “Mini Miss Brasil Mundial’’. O seu traje típico trouxe como referência a princesa do Congo Aqualtune. A realeza foi avó de Zumbi dos Palmares. Desse modo, trabalhando a ancestralidade quilombola e o desenvolvimento sustentável, o título de vice Mini Miss Baby Brasil, foi conquistado por Letícia, o que trouxe grande relevância ao nosso Estado.

Minha experiência acompanhando a Keila

“Com orgulho posso dizer que meus primeiros passos na medicina foram ensinados por uma mulher negra”.

Foi acompanhando os plantões com a Drª Keila que me apaixonei pelo universo da obstetrícia. A qualidade técnica e humanização com cada paciente me fizeram abrir mão de vários feriados e dias livres para estar lado a lado aprendendo.

Ao final da faculdade ela foi minha orientadora do TCC e tivemos nosso artigo publicado. Lembro-me de diversos ensaios de gestante que ela custeou com próprios recursos para mães internadas devido à gestação de alto risco, e que não teriam a oportunidade de ter esse período tão marcante de suas vidas registrados, devido ao internamento precoce, por conta de problemas gestacionais.

Com orgulho posso dizer que meus primeiros passos na medicina foram maestricamente ensinados por uma mulher negra. Além do manejo das gestantes e técnica cirúrgica, vivenciei lições de empoderamento feminino que levarei por todo uma vida.

Caroline Monteiro

Caroline Monteiro

Médica e criadora de conteúdo sobre Saúde da Mulher e Sexualidade, busca empoderar mulheres por meio da ciência. @dra.carolmonteiro.