Eu nunca tive uma relação boa com o Natal. Para mim, essa época sempre foi marcada por confusões, brigas, choro e gritos, criando a sensação de que minha família era a única que não seguia o padrão de uma família ‘normal’. Cresci sonhando que minha família se assemelhasse às representações nos filmes ou àquelas de muitas pessoas que conheço: com amigos secretos, uma ceia grande, todos vestidos de vermelho, sorrindo, celebrando e com árvores enormes. Mas nunca foi assim.
Certo dia, em uma conversa com uma colega, ela compartilhou que não apreciava o Natal por associá-lo a todas as situações que mencionei anteriormente. Ela enfatizou que sua família sempre foi bastante disfuncional, enfrentando diversas problemáticas, e que essas experiências ainda a afetam emocionalmente até os dias de hoje. Mas o filho dela adorava o Natal, e ela não sabia exatamente como lidar com isso, pois sentia a necessidade de criar boas lembranças para ele.
Foi a partir da minha relação com o Natal e da dela que eu, uma pessoa que aprendeu desde cedo a ressignificar, pensei: vou transformar o significado deste Natal. E desde então, eu fiz as pazes com o Natal, compreendendo que nenhuma família será idêntica e que a idealização do Natal perfeito é algo que absorvemos a partir da experiência de outras famílias que julgamos serem perfeitas, mas que, na realidade, não são. Ressignifiquei, compreendendo que, agora casada, posso construir o meu Natal a partir da minha própria família, da base que estou criando e que desejo que seja melhor do que a que tive.
Embora eu tenha feito as pazes com o Natal, compreendo plenamente que há pessoas que ainda não o fizeram e que continuam sonhando com a ideia de uma família perfeita, comparando-se com os outros. Reconheço que muitas pessoas estão enfrentando o luto durante este período, e é extremamente doloroso perceber que algumas famílias ainda celebram da mesma forma que costumavam, enquanto você já não tem mais isso porque alguém se foi, e a dinâmica familiar já não é mais a mesma.
Eu também passei pelo luto. Meu tio faleceu 10 dias antes do Natal, e a sensação que tínhamos era de que seria doloroso continuar daquela forma, celebrar o Natal enquanto ainda estávamos enlutados. No entanto, ele costumava dizer: “a vida continua”. Por mais que seja doloroso para aqueles que ficaram, essa afirmação é uma verdade inescapável: a vida continua.
Embora a ausência seja profundamente sentida, encontrar maneiras de honrar e lembrar aqueles que não estão mais fisicamente presentes pode ser uma forma de tornar o Natal significativo, mesmo em meio à dor da perda. E no nosso primeiro Natal sem ele, tentamos, de todas as formas, celebrar a vida: vimos fotos antigas, relembramos momentos, choramos e brincamos de ‘se ele estivesse aqui, falaria isso’. Essa foi a nossa maneira de viver o Natal de 2023.
Para aqueles que perderam alguém, eu espero que sintam-se acolhidos. Entendo que o Natal pode ser uma época especialmente desafiadora, repleta de memórias e sentimentos complexos. Desejo sinceramente que, com o tempo, encontrem maneiras de ressignificar essa dor, transformando as lembranças difíceis em fontes de amor e gratidão pelos momentos compartilhados. Saibam que, mesmo diante da ausência, a conexão com quem se foi permanece viva nas recordações e no amor que foi compartilhado.
E para aqueles que sonham com um Natal ‘perfeito’, quero compartilhar que a perfeição natalina, muitas vezes idealizada, talvez não exista. Cada família e cada celebração têm suas peculiaridades e desafios. Como diz a psicanalista Ana Suy: “O amor contém maravilhas, mas também contém exigências em demasia e sempre flerta com o ódio. Família é o lugar onde a gente aprende a viver isso tudo. Ou melhor, a gente dificilmente aprende, mas é com a família que pela primeira vez, temos contato com esse festival de afetos desordenados, tão próprio da vida humana”.
E complementa: “A função maior da família, então, é a de cair de um ideal. Quando não vemos problemas, hipocrisias, defeitos no modo de viver e amar de nossos primeiros amores, ficamos para sempre colados a eles. É na medida em que alguma decepção chega, que nos sentimos impelidos a encontrar formas mais originais de pensar, amar e viver“.
Por fim, a cito mais uma vez: “Então, Feliz Natal para você que vai lidar com sua família desidealizada (seja dentro, fora de si ou ambos)! Se lembre que se não fosse eles, não seria você, tudo o que já construiu e o que ainda irá construir”.
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