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“Volte para a senzala”: estudante denuncia racismo em colégio de Maceió

Foto:  | Valdir Rocha/Agência Alagoas

“Em uma conversa sobre questões de etnia, o aluno me chamou de preta em um tom pejorativo. Senti que seu comentário tinha segundas intenções e em seguida, ele disse, rindo, para eu ‘voltar para a senzala’’. O relato é de uma estudante de 17 anos, da Escola Estadual Professor José da Silveira Camerino (CEPA), localizada em Maceió.

Em uma entrevista exclusiva ao Eufêmea, a estudante compartilhou o caso em que se sentiu alvo de racismo. Ela contou que estava conversando com um colega e mencionou que ele era branco, esclarecendo que seu comentário não visava menosprezar ou ridicularizar, mas sim expressar uma observação neutra, preocupada com a possibilidade de ser mal interpretada como praticando “racismo reverso”.

NOTA DA REDAÇÃO: Não existe racismo reverso. Entenda mais clicando aqui

“Volte para a senzala”

No entanto, a resposta do estudante surpreendeu a adolescente. Ele respondeu de forma irônica, mencionando sua etnia e falou a frase ofensiva: “volte para a senzala”. A estudante destacou que, apesar da agressão verbal, sentiu que a gravidade do ocorrido não foi devidamente reconhecida pelo ambiente escolar.

“Na hora eu tive um choque, eu não tive reação nenhuma, eu só fiquei tipo: Meu Deus, ele realmente falou isso?”, desabafa a vítima.

Diante da gravidade da situação, ela buscou apoio na direção da escola, esperando uma resposta e medidas concretas. “Eu falei pra minha diretora e ela disse que ia tomar as devidas providências. Mas, na realidade, senti que não houve uma ação efetiva”, relata a estudante.

A adolescente disse que o sofrimento dela foi minimizado e que a direção tratou como um simples erro. “Quando na verdade foi racismo”. “E ainda me questionaram se eu aceitaria as desculpas dele”, complementou.

Falta de apoio

Segundo o relato, ela foi chamada à sala da coordenação, onde já se encontrava o estudante acusado. No início da conversa, a diretora informou que havia falado com o jovem em questão, que teria afirmado não se lembrar de ter feito comentários racistas. No entanto, a vítima respondeu: “Eu me lembro muito bem”. Sua resposta foi rapidamente repreendida pela diretora, que a acusou de ‘deboche’.

A estudante destacou que, durante a reunião, a diretora deu continuidade à conversa, relatando que o estudante negou as acusações e alegou não se recordar dos eventos. Ele teria ainda mencionado que a vítima poderia ter procurado conversar diretamente com ele sobre o assunto. A estudante optou por se manter em silêncio durante grande parte da reunião.

“A forma como fui tratada lá dentro foi uma tremenda palhaçada”, desabafa. Ela destaca a incapacidade da instituição de lidar com questões raciais de maneira sensível e eficaz: “Eu ouvi de outros alunos que a escola frequentemente abafa casos semelhantes”.

Além disso, a adolescente ressalta outro caso envolvendo uma coordenadora da escola. Durante uma apresentação sobre a colonização do Brasil, a coordenadora afirmou que “a colonização foi boa”. O questionamento da estudante sobre essa afirmação resultou em mais desrespeito: “Isso mostra o tipo de pensamento que essas pessoas têm. Eles não têm letramento racial nenhum”.

Estereótipos de etnia

Ainda em relato, a adolescente destacou as dificuldades enfrentadas pelas percepções e estereótipos associados à sua reação. “É uma situação dolorosa quando, ao nos defendermos, somos rotuladas como ‘agressivas’ simplesmente por sermos mulheres negras”, lamentou a estudante.

Ela ressaltou a pressão para “se acalmar” e “baixar o tom de voz”, percebendo esses pedidos como uma tentativa de invalidar sua experiência e minimizar sua reação.

Para ela, essa experiência foi mais uma manifestação de racismo, agravada pela sensação de ser negligenciada e não ser ouvida. Ela sentiu que suas palavras foram desvalorizadas, sendo frequentemente interrompida e confrontada por aqueles que buscavam “ensiná-la” sobre suas próprias vivências e sentimentos.

A jovem também compartilhou que, após expor seu caso, recebeu relatos semelhantes de outros alunos, reforçando sua percepção de que a instituição precisa reconhecer e abordar questões de racismo e discriminação.

O que diz a escola?

Através de nota divulgada, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) afirma que já adotou todas as providências necessárias e reitera seu compromisso com o bem-estar de toda a comunidade escolar.

Veja a nota na íntegra:

“A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) afirma que já adotou todas as providências necessárias no sentido de apurar e esclarecer a denúncia sobre a suposta prática de racismo envolvendo aluno da Escola Estadual José da Silveira Camerino, no Cepa.

Ademais, reitera seu compromisso com o bem-estar de toda a comunidade escolar, reforçando, inclusive, a importância de se combater não somente o racismo, mas também toda e qualquer forma de preconceito ou discriminação, dentro e fora do ambiente escolar”

Prints

A adolescente enviou prints à reportagem do Eufêmea de outros estudantes que comentaram sobre o caso que ela trouxe às redes sociais.

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Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.