Ana Carolina Trindade
Advogada especialista em Famílias e Sucessões
@anacarolinatrindade.cohen
Neste último final de semana, o ex-marido da apresentadora Ana Hickmann publicou em uma rede social um vídeo do filho, no qual este comentava não ter visto nenhuma agressão à mãe por parte de seu genitor.
Sem entrar no mérito da agressão da qual o pai da criança é acusado, tendo em vista que se trata de processo que tramita em segredo de justiça, e do qual não temos informações suficientes para promover uma análise segura, o que pretendo trazer à pauta é a exposição da criança, sobretudo no contexto em que esta ocorreu.
Atualmente, não é incomum nos depararmos com filhos de artistas, de influenciadores digitais ou demais personalidades da mídia que, ainda no útero materno, já têm milhares de seguidores das redes sociais. Nascem, e já têm suas vidas cotidianamente expostas para o mundo.
Este fenômeno, que é chamado de sharenting (a expressão é oriunda da junção das palavras share – compartilhar – e parenting – parentalidade/paternidade), pode ter graves repercussões na vida de crianças e adolescentes.
Além da possibilidade de causar impactos no desenvolvimento, a exposição excessiva de informações pessoais e imagens também pode causar insegurança e violação à privacidade; de modo que os responsáveis devem ter extremo cuidado ao decidirem pela exposição de seus filhos na internet.
No caso ocorrido neste final de semana, a situação é ainda mais grave, pois se tratam de pessoas públicas, envolvidas em um processo que ainda está em tramitação, no qual há acusações de violência doméstica.
Expor a criança publicamente em vídeo no qual trata de suposta agressão cometida por genitor, e que está sendo apurada judicialmente é, além de ilegal, cruel!
Este tipo de exposição objetifica a criança, faz dela instrumento contra o outro genitor, é irresponsável e extremamente prejudicial.
É dever da família assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos da criança, sobretudo a sua dignidade, respeito, liberdade. Nenhuma criança deve ser objeto de qualquer forma de exploração, violência, crueldade ou opressão (Lei .º 8.069/90, arts 4º e 5º).
É dever dos pais velar pela dignidade da criança, pondo-a a salvo de qualquer tratamento vexatório ou constrangedor; acolhendo-a pela via do afeto e do cuidado, para que esta possa se desenvolver com segurança.
“O cara tem que se defender das acusações”
Este foi um dos comentários deixados na publicação do vídeo, e evidencia a nossa falta de informação e cuidado com as crianças, enquanto sociedade.
A defesa deve se dar no processo, e não com a exposição do filho em rede social.
Caso haja necessidade de oitiva da criança, o Judiciário deverá realizá-la observando os cuidados devidos, de acordo com a sua idade e grau de desenvolvimento.
A oitiva deve ser realizada em ambiente adequado, e por meio de profissionais habilitados para tanto. A criança deve ter a sua intimidade e condições pessoais protegidas; devendo ser resguardada de qualquer tipo de discriminação e sofrimento (Lei n.º 13.431/2007).
O que pode ser deletado das redes sociais não necessariamente o será da experiência da criança
Lavínia Lins – @minutodapsico
Uma vez exposta à experiência, a tendência é que a memória do vivenciado se fixe, seja ela verdadeira ou não. No caso em comento, importante destacar que, para a criança, não é possível o alcance da repercussão jurídica e social do conteúdo compartilhado, mas, certamente, o impacto disso em sua subjetividade não passará despercebido.
O que, para alguns, pode ser um “mero vídeo” de “defesa”, é, na verdade, uma violência, que implica danos incalculáveis à criança; danos, esses, que diferentemente do que ocorre nas redes sociais, no mundo real, não são passíveis de um delete.
A vida não é passível de borrachas; nenhum atravessamento emocional o é. E, ainda que não estejamos livres da dor e do sofrimento, não temos o direito, sobretudo em desfavor dos nossos filhos, de fazer uso da sua imagem e da sua subjetividade em prol de qualquer estratégia que seja em nosso favor.
Espera-se que pessoas adultas resolvam as suas questões com o uso de ferramentas e objetos adequados. Isso, nem de longe, inclui seus filhos. É questão de lei e é questão de humanidade.
Protejam as suas crianças!