Foto: Fabiana/Arquivo Pessoal
“Quando recebi o diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico, foi uma grande surpresa. Eu nunca tinha sequer ouvido falar dessa doença. Minha mãe, que era enfermeira, já havia tido contato com algumas histórias de pacientes, e nenhuma delas tinha tido um desfecho positivo; todas as pessoas haviam falecido. Foi muito devastador, e o diagnóstico foi como uma sentença de morte”, disse Fabiana Bezerra, psicóloga que se dedica a apoiar outras mulheres com a mesma condição.
O lúpus é uma doença autoimune que afeta desproporcionalmente as mulheres: 9 em cada 10 adultos com lúpus são mulheres, e a maioria tem entre 15 e 44 anos. De acordo com as estatísticas da Sociedade Brasileira de Reumatologia, cerca de 65 mil pessoas convivem com o lúpus no país.
Nascida no sertão do norte da Bahia, na cidade de Juazeiro, Fabiana Bezerra enfrentou um desafio que mudaria sua vida para sempre ainda na adolescência. Enquanto suas amigas lidavam com as preocupações típicas da idade, Fabiana lidava com sintomas preocupantes: sangramentos menstruais e gengivais, emagrecimento acentuado, manchas roxas pelo corpo e uma fadiga extrema.
Dificuldades no diagnóstico e tratamento
Diante desses sintomas, Fabiana e sua família iniciaram uma busca por respostas. “Começamos a investigar para tentar entender o que estava ocasionando aquele sangramento, mas não conseguimos chegar a uma conclusão,” relata Fabiana. As suspeitas variavam desde leucemia até leishmaniose, mas nenhuma delas se confirmou.
A urgência da situação levou Fabiana e sua mãe a deixarem Juazeiro e buscarem atendimento em São Paulo. Lá, finalmente, um diagnóstico foi feito: púrpura trombocitopênica idiopática, uma condição que provocava a quebra das plaquetas no sangue de Fabiana, causando os sangramentos.
Ela foi orientada a buscar cuidados em Recife, onde, aos 14 anos, o diagnóstico de lúpus foi finalmente confirmado. A partir de então, Fabiana iniciou um tratamento reumatológico que conseguiu controlar os sintomas mais agudos da doença.
“Eu tive muita dificuldade porque era adolescente, via minhas amigas saudáveis e não entendia por que eu tinha uma doença tão complexa,” compartilha Fabiana. as constantes viagens para consultas médicas resultaram na reprovação no ensino médio.
Durante esse período turbulento, Fabiana enfrentou sentimentos de desesperança e mortalidade. “Eu sempre tinha uma perspectiva muito mórbida, achava que ia morrer muito jovem e não conseguia fazer planos para o futuro”, disse.
Em um momento de desânimo, ela conta que chegou a abandonar o tratamento, entregando-se a um destino que lhe parecia inevitável.
Lúpus e psicologia
Quando ela entrou na faculdade, decidiu que queria entender os mecanismos da doença para poder cuidar-se melhor. “Esse processo me ajudou a desenvolver comportamentos mais adaptativos e a perceber que eu podia ter um futuro apesar do diagnóstico.”
O aprofundamento no estudo do lúpus não apenas a ajudou a se cuidar melhor, mas também a perceber a falta de informação que acometia muitas pessoas com a doença.
Inspirada pelo grupo Loba – Lúpicos Organizados da Bahia, Fabiana criou um grupo de apoio para mulheres com lúpus em sua cidade. “Eu tive a oportunidade de realizar uma atividade de intervenção na rede pública de saúde e, em 2012, organizamos o primeiro encontro de atenção à pessoa com lúpus”, relembra.
Lúpus na gravidez
Algumas das preocupações mais comuns nas pacientes diagnosticadas com LES estão relacionadas com a gravidez. É que a doença se desenvolve principalmente em mulheres jovens, durante a fase fértil da vida.
“Eu tenho uma filha e tive uma gestação muito tranquila com acompanhamento. Além do lúpus, também sou trombofílica, o que é muito comum em mulheres que têm uma doença autoimune”, conta Aline Cardoso, de 31 anos.
A gestação de mulheres com lúpus é considerada de alto risco devido ao maior risco de complicações, como abortamento espontâneo, restrição de crescimento intrauterino e fetal, eclâmpsia, morte fetal e parto prematuro. No entanto, é possível minimizar esses riscos por meio de um acompanhamento cuidadoso com especialistas durante toda a gravidez.
Aline ressalta que, com o suporte adequado e informações precisas, é possível superar os obstáculos e desfrutar plenamente da maternidade. “A informação é a nossa principal arma para uma vida melhor,” afirma.
Atualmente, Aline dedica-se inteiramente aos cuidados de sua filha de um ano. “Dentro desse contexto, tento equilibrar os cuidados comigo mesma e com meu tratamento, pois, se eu não estou bem, todo o resto acaba sendo prejudicado no meu cotidiano.”
“E procuro realizar as atividades com mais calma e pedir ajuda quando necessário, caso haja algo que eu não consiga fazer,” acrescenta.
Aline também destaca que as crises do lúpus são situações muito desafiadoras e que cada pessoa reage de forma diferente. Em alguns momentos, ela sentiu a necessidade de se isolar. “Mas hoje eu tenho uma filha bebê, então o isolamento não é uma opção,” observa.
Segundo Aline, ela descobriu sua condição por acaso, aos 18 anos, após perceber um inchaço nos pés. Já tendo uma amiga próxima com lúpus, ela tinha alguma familiaridade com a doença, mas o diagnóstico ainda assim foi assustador. “Fiquei surpresa porque ouvia muitas coisas sobre infertilidade relacionada ao lúpus,” compartilha.
Importância da informação
O principal impacto do lúpus para Aline são as dores articulares, que ainda sente diariamente. “Em alguns momentos, me fizeram perder a capacidade de fazer coisas básicas como me vestir sozinha,” relata. Com o tempo, ela conseguiu fazer adaptações para lidar com as limitações.
Formada em Assistência Social, Aline trabalhava na área da saúde e relata que suas limitações eram compreendidas no trabalho. Atualmente, embora não esteja atuando na área, ela continua seu tratamento com doses baixas de corticoides e imunossupressores. Mesmo durante o período em que morou em Portugal, seguiu o tratamento com os mesmos medicamentos.
Aline destaca a desinformação sobre o lúpus como uma questão impactante.
Atuação fisioterapêutica
A fisioterapia no lúpus deve ser especializada e individualizada, adaptada às necessidades específicas de cada paciente, avalia Emmanuele Albuquerque, fisioterapeuta pélvica e especialista em estudos sobre o lúpus.
“De uma maneira geral, a fisioterapia pode favorecer o alívio de dores, do processo inflamatório, melhora na amplitude de movimento, fortalecimento muscular e manutenção do condicionamento cardiorrespiratório, além de promover o relaxamento”, explica.
Segundo ela, a fisioterapia desempenha um papel fundamental no tratamento de pacientes com lúpus, podendo atuar de forma preventiva em relação às complicações decorrentes da atividade da doença e dos eventos adversos causados pela terapia medicamentosa comumente utilizada.
“O lúpus pode se manifestar de maneira silenciosa, progressiva ou agressiva. Como é uma doença sistêmica, o paciente pode apresentar comprometimento em várias partes do corpo simultaneamente, desde manifestações leves até as mais complexas”, analisa a especialista.
No entanto, um dos desafios enfrentados pelos profissionais de saúde é garantir a adesão contínua ao tratamento. Emmanuele destaca que alguns pacientes podem abandonar prematuramente o tratamento ao perceberem melhorias temporárias, apenas para enfrentar recaídas posteriormente, muitas vezes em condições ainda mais graves.
“O primeiro e mais valioso conselho é sobre o cuidar; o paciente precisa ser acolhido e receber apoio em todas as suas dimensões: emocional, física, social, profissional e financeira”, aconselha.
Para os pacientes recém-diagnosticados com lúpus que estão considerando a fisioterapia como parte de seu tratamento, a especialista enfatiza que, com o tratamento adequado e o acompanhamento de profissionais habilitados, é possível controlar os sintomas, melhorar a qualidade de vida e viver plenamente.
“A fisioterapia surge como uma poderosa aliada em todo esse processo, atuando de forma individualizada para gerenciar os sinais e sintomas, promovendo independência, funcionalidade, autoestima e restabelecendo o bem-estar do paciente”, explica Emmanuele.
“A orientação é manter o tratamento terapêutico continuamente, independentemente de a doença estar ativa ou em remissão”, conclui.