Foto: Arquivo pessoal
Gildete Ferreira e Andréa Pacheco compartilham não apenas amor e cumplicidade, mas também a luta diária para quebrar padrões e preconceitos ao estabelecerem sua família “fora dos moldes” impostos pela sociedade. Elas se conheceram em 2014, na universidade, e o amor floresceu aos poucos, à medida que descobriam sonhos e desejos em comum.
Hoje, após sete anos de relacionamento, são mães de André Leon, nascido em 17 de julho de 2021, um dia após o aniversário de Andréa. A dupla maternidade trouxe novos desafios, mas também reforçou o desejo de criar uma sociedade mais justa e inclusiva.
Desafios na maternidade
Apesar de se sentirem felizes e completas com a família que construíram, elas são constantemente questionadas sobre a figura “paterna” para o filho. Em lugares comuns para quem cria uma criança, como a escola ou consultórios médicos, Andréa e Gildete se deparam com imposições de gênero que refletem em seu filho.
Gildete relembra um episódio recente em que, em uma consulta médica, foi questionada pela profissional se não iria cortar o cabelo de André, pois ele precisava se “reconhecer como menino”.
Gildete rebateu dizendo que conversava com seu filho sobre o assunto em casa e que o cabelo não definiria seu gênero. A profissional retrucou, dizendo que se tratava também de uma “questão de higiene”.
“Nesse momento ela piorou toda a situação. Será que quando ela atende casais dentro da norma patriarcal de gênero, em que a figura masculina tem o cabelo grande ela repete essas frases?”, indaga Gildete.
Recorte racial
Além de enfrentar a lesbofobia e indagações sobre a maternidade dupla, Gildete também sofre com os papéis que a sociedade impõe a ela como mulher negra.
“Por ser uma mulher negra, constantemente sou vista socialmente como a babá do meu próprio filho, como se eu fosse contratada pela mulher branca que é minha companheira, em vez de nos reconhecerem como uma família”, relata Gildete.
Ela ressalta que todos os preconceitos que ela e sua família sofrem são devido ao padrão estabelecido pela sociedade do que seria a “família ideal”, e que enfrentar esses preconceitos é extremamente desafiador e doloroso.
“Precisamos estar sempre vigilantes e fortes para enfrentar essas violências, que não afetam apenas a nós, mas também recaem sobre o nosso filho”, desabafa Gildete.
Imposições sobre o corpo
“Algumas vezes já escutei de pessoas próximas que deveria deixar o cabelo crescer para ficar parecida com uma mãe, ou dizem ‘você agora não vai mais fazer tatuagem né?’ se referindo ao processo de maternidade”, afirma Andréa. Segundo ela, características como seu corte de cabelo, tatuagem e o ato de falar sobre seu relacionamento e família no local de trabalho, escola e consultórios médicos expressam uma crítica ao padrão heteronormativo da sociedade e abre espaço para afirmar que o “amor fala todas as línguas”.
Entre os desafios da maternidade, ela acredita que há espaço para crescer e aprender todos os dias e reforça a importância de que todos tenham liberdade para criarem suas famílias sem padrões impostos.
“Dizemos sempre para outras colegas que têm o desejo de ser mãe, a não desistirem e sempre falamos das diversas possibilidades”, afirma.
“Nos tratavam como amigas”
Maria Luiza tem 20 anos e, há seis meses, decidiu deixar sua cidade em Pernambuco para se mudar para a casa de sua namorada, em outro estado.
“Já tive outra namorada antes, então minha família já lidava bem com a minha sexualidade. Apesar de terem ficado um pouco contrariados por eu ir para outro estado, no final, eles me apoiaram”, conta.
Apesar do apoio da sua família, a relação não teve o mesmo suporte por parte da família de sua namorada – que preferiu não revelar seu nome. “Eles sabem que estamos juntas, que moramos na mesma casa, mas em ocasiões em que estivemos juntas com a família, nos tratavam como amigas”, afirma Maria Luiza.
Devido ao desconforto em momentos assim, Maria conta que evita frequentar a casa da família da namorada, que apesar de continuar visitando os familiares, também deixa claro o seu descontentamento com a situação “É triste, porque é família, e percebo que para ela é muito difícil se afastar, por mais que as atitudes magoem”, declara Maria.
Planos para o futuro
Apesar de ter o seu relacionamento questionado, Maria Luiza não permite que isso afete seus planos, e afirma que em um futuro distante, elas pretendem iniciar a própria família. Ela afirma que apesar da falta de apoio, tem esperanças de que a sociedade evolua na forma como enxerga duas mulheres juntas.
“Infelizmente sei que vamos encontrar muitas pessoas preconceituosas no nosso caminho, mas não posso deixar de ser quem eu sou, de estar com quem eu amo por causa do julgamento. Nós somos felizes assim”, afirma.