Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (27), uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa proibir o aborto em todas as circunstâncias no Brasil, incluindo os casos atualmente permitidos por lei, como risco à vida da gestante, estupro e anencefalia do feto. A proposta foi aprovada por 35 votos a 15 e agora segue para outras etapas no Congresso Nacional.
Ao Eufêmea, a advogada especialista em Direito da Família e em violência contra a mulher, Andrea Alfama, analisou a aprovação da PEC sob dois prismas: o político e o social. Para ela, a proposta surge em um contexto estratégico do Congresso Nacional, que busca desviar o foco de temas centrais para pautas de costumes.
A advogada destacou que esse movimento não é novo, mas reflete a atuação da extrema direita em momentos delicados da conjuntura política nacional. “A extrema direita costuma usar essas pautas como forma de pautar a sociedade e criar uma cortina de fumaça para esconder temas mais urgentes e relevantes”, completou.
Além do aspecto político, Andrea Alfama também analisou a proposta sob o prisma jurídico e foi enfática ao classificá-la como “manifestamente inconstitucional”. Segundo a advogada, a PEC contraria pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção de Belém, ratificada há quase 30 anos, que visa à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.
“Essa proposta fere diretamente a dignidade da pessoa humana, que é um dos princípios fundamentais da nossa Constituição. Ao aprovar um projeto como esse, estaríamos obrigando mulheres e até crianças, vítimas de estupro, a manterem uma gestação forçada. Isso é uma violação gravíssima de direitos”, afirmou.
Andrea também ressaltou a disparidade entre as punições previstas na PEC e as penas para crimes como o estupro. “Pela proposta, uma mulher ou uma criança que recorre ao aborto em caso de estupro seria punida de forma mais severa do que o próprio estuprador. Enquanto o crime de estupro tem uma pena de 6 a 8 anos, uma mulher que interrompe uma gravidez nessas circunstâncias seria tratada como homicida. Onde está a razoabilidade disso?”, questionou.
A advogada Andrea Alfama também destacou os aspectos mais cruéis e desumanos da PEC, classificando-a como uma prática de “tortura psicológica medieval”, especialmente em casos de anencefalia ou quando a gestação coloca a vida da mãe em risco. “Se uma mulher estiver grávida e sua vida estiver em perigo, essa proposta a obrigaria a levar a gestação até o fim, mesmo com o risco de morte. Isso não é proporcional, não é racional e, definitivamente, não é razoável”, afirmou.
Ódio às mulheres
A professora, feminista antirracista e pesquisadora Elvira Barretto, do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UFAL e do Grupo Diverge/CNPq, fez duras críticas à PEC, que busca proibir o aborto no Brasil, incluindo casos de estupro. Para ela, a proposta é uma manifestação de ódio às mulheres e representa um ataque direto aos direitos humanos conquistados com anos de luta e sofrimento.
A pesquisadora destacou os impactos devastadores dessa proposta, afirmando que ela não apenas viola a dignidade das mulheres, mas também “representa morte e desestruturação de inúmeras famílias”. Elvira citou exemplos de como essa PEC pode agravar o sofrimento feminino, como obrigar uma mulher a manter uma gestação resultante de estupro, colocando-a em uma posição de sofrimento físico e psicológico extremo.
“Ao obrigar mulheres a prosseguir com uma gravidez fruto de violência, o Estado as transforma em hospedeiras de algo que lhes trouxe dor, perpetuando o trauma e levando algumas ao suicídio. Outras, em situações graves de saúde, podem morrer antes ou logo após o parto. E aquelas que dão à luz bebês com anencefalia ingressam em um sofrimento psíquico tão profundo que, muitas vezes, não conseguem mais cuidar dos filhos que já têm”, afirmou.