Mais da metade dos lares alagoanos são chefiados por mulheres, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 52% das residências, elas assumem a liderança e as responsabilidades financeiras, um avanço significativo em relação a 2010, quando esse percentual era de 38,5%. No Nordeste, a região com maior proporção de mulheres provedoras.
O perfil das alagoanas chefes de família é composto principalmente por mulheres pardas (61,6%), de 40 a 59 anos, seguidas por aquelas que estão na faixa etária entre 25 a 39 anos.
A economista Luciana Caetano aponta que o aumento no número de mulheres chefes de família reflete um processo histórico de transformação social. Com maior acesso à educação e independência financeira, muitas têm rompido com cobranças tradicionais, como a obrigação de manter um casamento a qualquer custo. “Nesse processo, as mulheres foram se livrando de algumas cobranças familiares relacionadas a manter um casamento a qualquer preço”, destaca.
Luciana destaca que a emancipação feminina em relação às obrigações matrimoniais impostas pela sociedade tem sido um fator crucial para o aumento de mulheres como principais ou únicas provedoras em muitos lares alagoanos.
Em âmbito nacional, os dados do Censo revelam que 29% dos lares chefiados por mulheres contam com a presença de filhos, mas sem a figura de um cônjuge. Em outras palavras, cerca de 3 em cada 10 lares brasileiros são liderados por mães solo.
“Diversos fatores explicam essa realidade. Um deles é a transformação na composição do núcleo familiar, que mudou significativamente nas últimas décadas”, reforça Luciana, analisando as mudanças sociais e culturais que impactam as dinâmicas familiares.
Diferença salarial entre homens e mulheres ainda persiste
Embora os dados apontem uma maior inserção das mulheres no mercado de trabalho, a desigualdade salarial continua sendo um obstáculo significativo e, em 2024, apresentou um aumento preocupante. Segundo o Ministério do Trabalho, a diferença salarial era de 19,4% em março deste ano, mas subiu para 20,7% em setembro.
Para a economista Luciana Caetano, essa disparidade está profundamente enraizada em um histórico patriarcal que atravessa os séculos. “O ingresso de mulheres no mercado de trabalho se dá exatamente com essa desigualdade absurda de renda. Apesar de termos avançado, não conseguimos superar totalmente esse problema até hoje”, afirma.
Luciana explica que justificativas comuns usadas por empregadores, como gravidez, maior dedicação aos filhos e até os ciclos menstruais, perpetuam a ideia de que as mulheres seriam menos produtivas do que os homens. No entanto, ela enfatiza que tais argumentos são infundados e mascaram preconceitos.
“Existe um preconceito muito forte em relação à população negra e às mulheres. Homens negros possuem uma renda média menor do que homens brancos, e o cenário é ainda mais desfavorável para as mulheres negras. Na minha opinião, isso está muito mais relacionado a preconceitos enraizados do que à produtividade”, alerta Luciana.
Conciliando maternidade e responsabilidades financeiras
“Você pensa: ‘Poxa, poderia ser mais fácil, né?’ Mas não é. Então, não adianta ficar pensando. Você tem que ir lá e fazer o melhor que pode todos os dias”, diz Cármen Dias, mãe de cinco filhas, profissional e responsável pelo sustento do seu lar.
Cármen divide sua vida entre Arapiraca, onde vive com a filha mais nova, e Maceió, onde suas outras três filhas cursam faculdade. Além disso, a filha mais velha, que faz mestrado em Aracaju, arca com suas próprias despesas. Apesar de um orçamento apertado, Carmen faz questão de visitar Maceió quinzenalmente para apoiar as filhas mais velhas.
“Tem o gasto com combustível, porque Maceió é longe, mas eu sempre dou um jeito”, afirma. Mesmo com tantas responsabilidades, ela mantém uma atitude positiva. “Eu acordo todos os dias de cabeça erguida. Vai dando certo, um dia após o outro. Mas é pesadinho, viu?”, compartilha.
A importância da rede de apoio
Elisângela Lemos, mãe solo, tem uma filha com deficiência e enfrenta uma rotina intensa ao conciliar seus cuidados maternos com dois empregos. Em muitos momentos, ela precisou sacrificar o sono e abrir mão de aspectos de sua vida pessoal para atender às demandas do lar e do trabalho.
Hoje, sua filha, que é cadeirante, se destaca como atleta de alto rendimento e é capaz de realizar diversas atividades de forma independente. Elisângela também alcançou estabilidade em sua carreira como enfermeira e servidora pública. No entanto, ela admite que o custo para chegar a esse equilíbrio foi alto, especialmente para sua saúde mental.
“Para sustentar minha casa sozinha, muitas vezes tive que abrir mão da minha vida social. Emocionalmente, minhas fragilidades foram e continuam sendo postas à prova”, compartilha Elisângela. Ela ressalta que, em momentos de maior dificuldade, o suporte de amigos, familiares e profissionais foi fundamental para seguir em frente.
Quando questionada sobre o que diria a outras mulheres que sustentam suas famílias e enfrentam múltiplas demandas, Elisângela é enfática: “Tente não se cobrar tanto e seja gentil consigo mesma. Não romantize a ideia de ser uma mulher multitarefas e, quando precisar, não hesite em pedir ajuda”, conclui.