Colabore com o Eufemea
Advertisement

“O racismo silenciava histórias”: primeira da família na universidade, hoje ela é educadora antirracista

(Tempo de leitura: 5 minutos)

A educação transformou a vida de Lucimar Santos, e hoje ela retribui esse impacto criando oportunidades para outras crianças. Mulher negra, professora, psicopedagoga, formadora antirracista e pesquisadora, Lú – como é conhecida – encontrou no ensino uma forma de resistir às desigualdades estruturais que marcaram sua trajetória.

Inspirada por sua própria vivência, ela se tornou uma educadora antirracista, dedicando-se há 12 anos à pesquisa e produção de materiais que valorizam a identidade negra nas salas de aula. Ela também é a mente pensante por trás da LÚDICA – Aprendizagem Antirracista e Inclusiva.

Foto: Cortesia ao Eufêmea

Ao Eufêmea, Lucimar revelou que sua vida é guiada pela força e inspiração do poema “Ainda assim eu me levanto”, de Maya Angelou, que simboliza sua coragem e resiliência. “Sou a primeira pessoa da minha família, tanto por parte de pai quanto de mãe, a ingressar na universidade, um feito que sempre pareceu distante, mas que alcancei com muito esforço e determinação”, conta.

A paixão pela educação vem desde a infância, quando ela sonhava acordada com um mundo onde estudar e fazer faculdade era possível. A escola era seu refúgio. “Um espaço encantado que ia muito além das tarefas diárias; era onde meus sonhos ganhavam asas. Em 2009, realizei o que parecia impossível: tornei-me professora”, comenta.

Acreditar nos próprios sonhos é um direito de toda criança, mas muitas, especialmente as negras, ainda enfrentam barreiras que as fazem duvidar de seu potencial. Foi com esse propósito que nasceu a LÚDICA – Aprendizagem Antirracista e Inclusiva, uma iniciativa que valoriza a diversidade na educação e respeita os diferentes tempos e formas de aprendizado.

Racismo silenciava histórias

Foto: Cortesia ao Eufêmea

A trajetória de Lucimar Santos como educadora antirracista foi moldada por sua vivência como mulher negra e pelo reconhecimento das desigualdades estruturais que marcaram sua caminhada. Desde o início de sua jornada educacional, ela percebeu como o racismo silenciava histórias, especialmente as narrativas negras femininas, tornando-as invisíveis dentro das salas de aula.

“Quando comecei minha jornada educacional, percebi que o racismo era um fator que silenciava muitas histórias, inclusive a minha”, destaca.

Motivada pelo desejo de criar oportunidades para que crianças negras e não negras pudessem enxergar e celebrar sua cultura e identidade, Lucimar se aprofundou na pesquisa sobre educação antirracista. Ao longo de 12 anos de estudo, ela identificou a falta de materiais e referências que valorizassem a riqueza e as contribuições das mulheres negras, especialmente em Alagoas.

“Senti a ausência de materiais, histórias e referências que representassem a trajetória das mulheres negras. Essa lacuna me motivou a produzir recursos educativos e iniciativas que tragam essas vozes para o centro da educação”, explica.

Estratégias utilizadas

Ao longo desse tempo, ela tem desenvolvido diversas estratégias para conscientizar educadores, alunos e famílias sobre a importância do combate ao racismo, utilizando o ensino, a arte e a cultura como ferramentas de transformação. Entre as iniciativas que mais a orgulham está a criação de materiais interativos, como cruzadinhas, jogos e imagens para colorir, que acompanham a exposição “Artistas Negras Alagoanas”.

Segundo ela, esses recursos “ajudam crianças e jovens a conhecerem as trajetórias de mulheres negras que fizeram história na arte de nosso estado”, tornando o aprendizado mais acessível e significativo.

Além disso, Lucimar está escrevendo um livro de biografias sobre artistas negras de Alagoas, com versões adaptadas tanto para crianças quanto para adultos. “O livro contará com atividades lúdicas, como páginas para pintura, para que o conhecimento seja transmitido de forma interativa e envolvente”, explica. Para ela, o aprendizado deve ser prazeroso e estimulante, promovendo não apenas a informação, mas também a valorização da identidade negra desde a infância.

Outra frente do seu trabalho são as formações voltadas para professores e famílias, com rodas de conversa e oficinas que discutem práticas pedagógicas antirracistas.

Racismo na Universidade

A pedagoga contou ao Eufêmea que um dos episódios mais marcantes ocorreu durante sua adolescência, quando ouviu de um professor que “a universidade não era lugar para pessoas como ela”.

“Naquele momento, senti o peso do racismo institucional e estrutural, mas também percebi que não poderia permitir que outras crianças e jovens passassem por isso sem apoio”, relembra.

Outro desafio significativo em sua jornada foi o longo período que passou afastada da universidade antes de ingressar no mestrado na UFAL. Foram 15 anos sem voltar à academia, não por falta de interesse, mas pelas dificuldades impostas pelo racismo estrutural.

“Não tive a oportunidade de me dedicar exclusivamente aos estudos, pois precisava trabalhar para me sustentar, e muitas vezes o trabalho não me permitia conciliar estudo e sustento”, explica. Mesmo sem o suporte de uma bolsa, ela enfrenta diariamente os desafios do mestrado porque acredita no impacto que sua trajetória pode ter na vida de outras pessoas.

Essas vivências fortaleceram seu compromisso em atuar como educadora antirracista. “Cada passo nessa trajetória é uma forma de resistir e construir novas possibilidades para mim e para quem vem depois”, afirma.

Por fim, ela defende a educação antirracista e afirma que essa educação vai além do combate ao preconceito. “Ela constrói um mundo onde todos têm o direito de existir plenamente e com dignidade. No ambiente escolar, ela permite que crianças negras e não negras cresçam reconhecendo a diversidade como uma riqueza e entendendo que o racismo é uma estrutura que deve ser desafiada”, conclui.

Picture of Raíssa França

Raíssa França

Cofundadora do Eufêmea, Jornalista formada pela UNIT Alagoas e pós-graduanda em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade. Em 2023, venceu o Troféu Mulher Imprensa na categoria Nordeste e o prêmio Sebrae Mulher de Negócios em Alagoas.