Por Anne Caroline Fidelis e Nívea Rocha
Na advocacia, assim como em tantas outras profissões, as grandes oportunidades nem sempre surgem em eventos formais ou dentro dos tribunais. Muitas vezes, elas aparecem durante um almoço de negócios, em um café informal, em uma partida de futebol ou até mesmo em um churrasco de fim de semana.
Esses encontros, onde alianças são formadas e decisões importantes são discutidas, ainda são predominantemente masculinos. E isso cria um problema: as advogadas, que já enfrentam barreiras para ascender na profissão, acabam sendo excluídas dessas redes de influência.
Seja por exclusão direta ou pelo desconforto de estar em um ambiente pouco acolhedor, muitas advogadas percebem que seus colegas homens têm acesso privilegiado a conexões que facilitam promoções, indicações e convites para grandes casos. Esse fenômeno não é novo, mas precisa ser debatido. Afinal, se o networking é essencial para o crescimento na carreira, por que ainda funciona como um “clube do bolinha” para os homens?
Onde estão as mulheres? a exclusão nos espaços informais
O happy hour pós-expediente, os encontros em clubes esportivos, os almoços estratégicos e os eventos sociais de grande porte muitas vezes são desenhados para um público que já se sente confortável nesses espaços: os homens. As mulheres, por outro lado, frequentemente não são convidadas ou, quando estão presentes, sentem-se deslocadas.
A psicóloga Valeska Zanello, em suas pesquisas sobre gênero e subjetividade, explica esse fenômeno a partir do conceito da “casa dos homens”, um espaço simbólico onde as decisões sobre poder e influência são tomadas sem a participação feminina. Segundo Zanello, essa estrutura funciona como um grande pacto masculino, onde os homens se apoiam, promovem uns aos outros e criam barreiras invisíveis para a entrada das mulheres.
A pesquisa “Women in the Workplace”, realizada pela consultoria McKinsey & Company, reforça essa ideia ao revelar que quase 50% das mulheres em ambientes corporativos se sentem excluídas de interações informais essenciais para a carreira. No Direito, essa exclusão é ainda mais significativa, já que o meio jurídico é historicamente marcado pelo domínio masculino.
E não é só uma questão de percepção. Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam que, embora as mulheres sejam maioria nos cursos de Direito, elas representam apenas 36% das advogadas atuantes e menos de 20% dos cargos de liderança em grandes escritórios. Se as decisões de quem sobe na carreira são tomadas nesses espaços informais de convivência, como esperar que as mulheres cheguem ao topo se elas sequer conseguem entrar no jogo?
Sem contato, sem oportunidade: o impacto na carreira
A falta de acesso ao networking informal não é só um incômodo social. Ela tem impactos reais no avanço profissional das mulheres. Sem essas conexões, as advogadas perdem indicações de clientes, oportunidades de parcerias e, principalmente, visibilidade perante aqueles que ocupam cargos de liderança.
A socióloga Marianne Cooper, pesquisadora da Universidade de Stanford, aponta que as mulheres enfrentam o fenômeno do “double bind”: se tentam se inserir nesses espaços predominantemente masculinos, são vistas como inadequadas ou deslocadas; se não tentam, acabam ficando invisíveis para as oportunidades.
No livro “Clube da Luta Feminista”, a autora Jessica Bennett descreve como as redes masculinas de influência se fortalecem justamente pela exclusão sistemática das mulheres. Ela explica que o chamado “bro code” – um sistema informal de apoio entre homens – impede que mulheres avancem no mercado de trabalho com a mesma facilidade, já que a maior parte das promoções e indicações ocorre nesses bastidores dominados por homens.
Essa exclusão também se reflete no número de mulheres em posições de liderança dentro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Atualmente, apenas menos de 30% das presidências de seccionais da OAB são ocupadas por mulheres. Isso significa que a tomada de decisões sobre a profissão ainda está, majoritariamente, nas mãos dos homens – e isso tem um efeito cascata sobre as oportunidades que chegam (ou não) às mulheres advogadas.
O que podemos fazer?
A boa notícia é que essa realidade não precisa ser permanente. Algumas ações concretas podem ajudar a mudar esse cenário e garantir que as mulheres tenham acesso às mesmas oportunidades que os homens:
1. Criar e Fortalecer Redes Femininas
Se os homens têm seus almoços de negócios e happy hours estratégicos, por que as mulheres não podem ter os seus? Iniciativas como a Associação das Mulheres Advogadas de Alagoas (AMADA) são exemplos de como redes femininas podem ser um espaço seguro e poderoso para troca de experiências e oportunidades profissionais.
2. Reestruturar Eventos de Networking
Escritórios de advocacia, associações e instituições jurídicas precisam repensar a forma como promovem o networking. Isso significa não só convidar mais mulheres, mas também criar formatos de eventos que sejam realmente inclusivos e acessíveis.
3. Conscientizar Homens e Mulheres sobre a Importância da Inclusão
A mudança cultural na advocacia passa pelo entendimento de que o networking não pode ser excludente. Advogados e advogadas precisam reconhecer que oportunidades devem ser abertas a todos, independentemente de gênero, e que a inclusão das mulheres nos espaços de influência não é um favor, mas uma questão de justiça e equidade.
4. Mentoria Feminina para Impulsionar Carreiras
Ter mulheres em cargos de liderança significa abrir portas para outras mulheres. Por isso, é fundamental que advogadas mais experientes atuem como mentoras para as mais jovens, ajudando-as a navegar no mercado jurídico e a construir suas próprias redes de influência.
O clube do Bolinha precisa acabar
O networking é uma ferramenta poderosa para o crescimento profissional, mas, se continuar funcionando como um clube fechado para homens, a desigualdade de gênero na advocacia persistirá. Para mudar essa realidade, é preciso questionar os espaços de exclusão, fortalecer as redes femininas e exigir que o mercado jurídico seja, de fato, um ambiente de oportunidades iguais para todos.
As mulheres advogadas já provaram que têm competência, conhecimento e preparo para ocupar qualquer posição. Agora, falta garantir que elas tenham acesso às mesmas portas que sempre estiveram abertas para os homens. Afinal, se networking é essencial para o sucesso, que tal garantir que todas possam jogar esse jogo em igualdade de condições?
Referências
BENNETT, Jessica. Clube da Luta Feminista: Um Manual de Sobrevivência para um Ambiente de Trabalho Machista. Editora Seoman, 2018.
COOPER, Marianne. Lean In and the Double Bind: The Need for a Narrative with Women’s Voices. Stanford University, 2015.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV). Mulheres no Direito: Desafios e Oportunidades. Relatório, 2023.
McKINSEY & COMPANY. Women in the Workplace Report. 2022.
ZANELLO, Valeska. Saúde Mental, Gênero e Dispositivos: Cultura e Processos de Subjetivação. Editora Appris, 2018.
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Nívea Larissa Rocha Lages, advogada especialista em direito de família e consumidor, Vice-presidente do TED/OAB/AL. Orgulhosamente, Membra da AMADA.