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“O processo do meu diagnóstico foi turbulento. Nunca me orientaram a procurar uma geneticista e enfrentei muitos preconceitos, incluindo médicos que não acreditavam em mim. Por ser a única da família com essa condição, algumas pessoas minimizaram meus sintomas. Foi difícil, às vezes até enlouquecedor, mas cheguei ao diagnóstico – e isso, para mim, é motivo de felicidade”, conta Joice Coutinho, uma paraibana de 24 anos diagnosticada com deficiência da adenosina deaminase 2 (DADA2), uma doença autoinflamatória rara.

Apesar das dificuldades enfrentadas para conseguir atendimento e acesso aos tratamentos adequados, ela afirma que receber o diagnóstico foi um alívio, trazendo mais compreensão sobre sua condição e possibilitando um acompanhamento mais adequado.
“O diagnóstico foi muito esperado por mim e, em certo momento, achei que fosse impossível obtê-lo. Hoje, comemoro essa descoberta, porque, apesar de poucos, meus médicos conseguem me orientar de forma mais assertiva”, afirma Joice.
A psicopedagoga relata que é uma das poucas pessoas diagnosticadas com DADA2 em seu estado e que o desconhecimento, tanto da sociedade quanto dos profissionais de saúde, lhe trouxe uma constante sensação de insegurança. “Médicos já me disseram que eu teria que ensiná-los. Por isso, comecei a contar minha história no Instagram, numa tentativa de encontrar outras pessoas como eu”, conta.
A cada 15 dias, Joice precisa repetir uma bateria de exames e, devido à hipertensão, toma medicação diariamente. Apesar dos desafios, ela busca manter uma rotina: dirige, viaja, sai com os amigos e frequenta a universidade, onde está concluindo sua segunda graduação em Enfermagem.
“Já passei por constrangimentos, perguntas desnecessárias e até exclusão. Trabalhei muito isso na terapia e, por muito tempo, tive vergonha de mim. Hoje, consigo lidar melhor”, relata.
NOTA DA REDAÇÃO: A deficiência de adenosina deaminase 2 (DADA2) é uma doença genética rara caracterizada por inflamação anormal em diversos tecidos do corpo. A inflamação resultante da DADA2 pode afetar principalmente os vasos sanguíneos, condição conhecida como vasculite, além de pele, sistema gastrointestinal, fígado, rins e sistema nervoso.
“Consequência de um pecado”

O julgamento alheio fez parte do processo de diagnóstico da maranhense Larissa Silva, de 27 anos. Quando descobriu que tinha Histiocitose Sinusal, ouviu de algumas pessoas que a doença seria a “consequência de algum pecado”.
Entre os sintomas, Larissa relata sentir cansaço extremo, coceira e dores intensas, especialmente em dias frios.
“Sinto dores nas articulações, muitas vezes de madrugada, e, às vezes, o remédio não funciona. Preciso ir para a emergência, perco noites de sono e, no dia seguinte, ainda tenho que trabalhar”, diz.
Durante o tratamento, Larissa conta com médicos que já a conhecem e entendem um pouco sobre sua condição, apesar de não existir um tratamento específico para a doença. No entanto, ela ressalta que esse acompanhamento só foi possível porque conseguiu acesso a um plano de saúde após o diagnóstico.
Ainda assim, algumas barreiras persistem. Exames essenciais para o acompanhamento da doença, como o PET Scan, seguem inacessíveis. Ao solicitar o procedimento ao plano de saúde, recebeu como resposta que sua condição não está incluída no rol de cobertura para esse exame, limitando ainda mais as opções de monitoramento e tratamento.
NOTA DA REDAÇÃO: A histiocitose sinusal, também conhecida como doença de Rosai-Dorfman, é uma condição rara e benigna caracterizada pela proliferação anormal de histiócitos, um tipo de célula do sistema imunológico.
Demitida após o diagnóstico

Descobrir uma doença rara já é um desafio por si só, mas, para a contadora Sueli Silvina, a situação se tornou ainda mais difícil após ser demitida ao contar para o chefe que havia sido diagnosticada com esclerose sistêmica. Além de ver sua carreira interrompida aos 44 anos, ela perdeu o acesso ao plano de saúde, que era fundamental para o tratamento naquele momento.
“Além do desemprego, perdi o plano de saúde que facilitava o acesso ao tratamento. Essa é uma doença cara, pois afeta a pele e causa perda muscular. Preciso comprar protetor solar, hidratantes e suplementos vitamínicos, já que há um déficit de vitaminas”, conta.
Muito além das sequelas físicas, Sueli também enfrentou episódios de preconceito, que tiveram impacto direto em sua autoestima. “É uma doença estigmatizante. Por causa das manchas e das mudanças no meu corpo, muitas pessoas acham que é contagiosa”, disse.
Transformando o luto em luta
“Minha autoestima foi abalada de uma forma irreversível. Hoje, sou outra pessoa, por dentro e por fora. Minha vida virou de cabeça para baixo. No começo, encarei a doença como uma sentença de morte, mas acabei me tornando uma ativista da causa”, afirma Sueli.
Hoje, aos 50 anos, ela é idealizadora do projeto “Girassóis de Pernambuco”, uma iniciativa que luta contra a judicialização dos medicamentos essenciais para tratar a esclerose sistêmica e garantir mais qualidade de vida às pessoas diagnosticadas.
“A gente não tem ajuda do poder público. A doença ainda é pouco conhecida, mas é altamente estigmatizante. Atinge, em sua maioria, mulheres, causando perdas e danos irreversíveis. Nossa luta é essa: ajudar quem precisa, usando a fé e a política em prol da nossa qualidade de vida”, conclui.