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Maceió registra cinco casos de violência contra mulher nas últimas 24 horas

Marcas invisíveis: o impacto devastador da violência psicológica e os desafios para romper o ciclo

(Tempo de leitura: seis minutos)

Quando se fala em violência contra a mulher, o primeiro pensamento geralmente remete à agressão física. No entanto, antes de chegar a esse extremo, outras formas de violência costumam ocorrer. Dados da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 revelam que, em 2024, a violência psicológica foi a mais denunciada no Brasil, com 101.007 ocorrências. Mas como essa forma de violência se manifesta?

Impacto da violência psicológica

“A violência psicológica é uma das mais recorrentes porque, diferentemente da física, não deixa marcas visíveis e, muitas vezes, é normalizada dentro das relações”, explica a advogada Bruna Sales em entrevista ao Eufêmea.

Segundo Bruna, muitas mulheres crescem em ambientes onde controle, desvalorização e manipulação emocional são vistos como naturais, o que dificulta o reconhecimento da violência psicológica. Além disso, a subjetividade desse tipo de agressão torna sua comprovação mais complexa, gerando insegurança na denúncia e favorecendo a impunidade.

Foto: Cortesia ao Eufêmea

“A dependência financeira e emocional, somada ao medo de represálias, também contribui para a perpetuação desse tipo de abuso. A cultura patriarcal reforça relações de poder desiguais, onde o controle psicológico sobre a mulher é aceito ou minimizado, tornando a violência psicológica um fenômeno de difícil enfrentamento”, afirma Bruna Sales.

Identificando os sinais

Muitas vítimas demoram a reconhecer que estão sofrendo violência psicológica. A advogada destaca alguns sinais de alerta:

Humilhações constantes
Manipulação emocional
Ameaças veladas ou explícitas
Isolamento social
Desqualificação da vítima
Gaslighting (quando o agressor distorce a realidade para fazer a vítima duvidar de si mesma)
Controle excessivo sobre decisões e relações

Ela ressalta que, muitas vezes, as mulheres só percebem que estão em uma relação abusiva quando seu estado emocional já está gravemente afetado, levando a quadros de ansiedade, depressão e baixa autoestima.

O que diz a lei?

A violência psicológica contra a mulher é reconhecida legalmente pela Lei Maria da Penha e tipificada no Código Penal, artigo 147-B, que estabelece pena de seis meses a dois anos de reclusão para quem causar dano emocional grave, afetando a autodeterminação ou o desenvolvimento da vítima.

Além da punição criminal, a legislação prevê medidas protetivas para mulheres em situação de violência psicológica, incluindo o afastamento do agressor do lar, proibição de contato, restrição de aproximação e, em alguns casos, o uso de tornozeleira eletrônica para monitoramento. No entanto, garantir a efetividade dessas medidas ainda é um desafio.

Segundo a advogada Bruna Sales, muitas vítimas enfrentam barreiras no acesso às medidas protetivas, principalmente devido à falta de compreensão, por parte dos agentes públicos, sobre a gravidade da violência psicológica. Além disso, o descumprimento dessas ordens é frequente, e a fiscalização nem sempre é eficaz.

Outro fator preocupante, segundo ela, é a ausência de suporte integral para as vítimas. Apenas afastar o agressor não garante segurança, se a mulher não contar com apoio psicológico, jurídico e financeiro para reconstruir sua vida.

Como o sistema jurídico pode atuar?

Para garantir a punição da violência psicológica, é essencial que o sistema jurídico esteja preparado para lidar com esses casos. Bruna Sales destaca a importância da capacitação dos profissionais que atuam na área, garantindo que juízes, promotores e policiais compreendam a gravidade desse tipo de violência e saibam como acolher as vítimas.

Além disso, ela reforça que a aceitação de provas indiretas — como testemunhas, mensagens de texto, e-mails, gravações e laudos psicológicos — é fundamental para responsabilizar os agressores. Segundo Bruna, a violência psicológica não exige evidências físicas diretas para ser punida, mas a coleta de provas ainda representa um grande desafio.

“É fundamental que as vítimas sejam orientadas a registrar ameaças e buscar apoio especializado para fortalecer suas denúncias”, alerta.

Dessa forma, a violência psicológica se consolida como uma das formas mais devastadoras de agressão contra a mulher, deixando marcas profundas e duradouras na saúde emocional das vítimas. A psicóloga Renata Damasio explica que os impactos desse tipo de abuso podem comprometer a autoestima, a autonomia e até mesmo a capacidade de reação da mulher diante da situação.

Tensão, medo e insegurança: os impactos da violência psicológica

Foto: Cortesia ao Eufêmea

Nos estágios iniciais da violência psicológica, a mulher pode experimentar uma constante tensão, medo e insegurança em relação ao agressor. Segundo a psicóloga Renata Damasio, muitas vítimas desenvolvem baixa autoestima porque são constantemente desvalorizadas, levando-as a duvidar do próprio valor. Esse processo pode resultar em uma desconexão com a própria identidade, fazendo com que a mulher não se reconheça mais.

Outro sintoma comum, de acordo com a especialista, é a dificuldade em tomar decisões. “Ela passa a depender do agressor até para questões simples do dia a dia, como marcar uma consulta médica ou resolver algo na escola dos filhos”, explica Renata.

Além disso, muitas mulheres acabam se isolando socialmente, seja por vergonha, seja pela influência do agressor, que frequentemente afasta a vítima de amigos e familiares, eliminando sua rede de apoio.

O impacto dessa violência também afeta a rotina e a saúde mental. “A mulher pode apresentar sentimentos de tristeza, desesperança e desmotivação, comprometendo sua vida profissional e pessoal”, destaca a psicóloga.

Os efeitos a longo prazo da violência psicológica

Quando a violência psicológica se prolonga, os danos emocionais podem se tornar ainda mais graves. Segundo a psicóloga Renata Damasio, esse tipo de abuso pode desencadear depressão, transtornos de ansiedade, síndrome do pânico e até transtorno de estresse pós-traumático. Além disso, mulheres que permanecem em relações abusivas por longos períodos podem desenvolver dificuldade em estabelecer novos relacionamentos, pois perdem a confiança em si mesmas e nos outros.

A dependência emocional é outro fator crítico nesse contexto. “Muitas mulheres permanecem na relação porque acreditam que não conseguem viver sem o agressor”, explica Renata. Esse ciclo de abuso pode levar a um quadro de desamparo e desmotivação, aumentando os riscos de agravamento da saúde mental.

A especialista também alerta que a violência psicológica está associada a um maior risco de suicídio. “Em situações extremas, a mulher não enxerga saída e não vislumbra possibilidades de uma vida diferente”, ressalta.

Reconhecimento e apoio: o caminho para a reconstrução

Identificar os sinais da violência psicológica é o primeiro passo para que a vítima possa buscar ajuda antes que a situação se torne insustentável. “Muitas mulheres só procuram apoio quando já estão profundamente afetadas emocionalmente. O ideal é que possam perceber os sinais antes que cheguem a esse ponto”, enfatiza Renata.

Para romper esse ciclo, é essencial contar com redes de apoio, acompanhamento psicológico e suporte jurídico.

“Quanto mais cedo essa mulher compreender o que está acontecendo, mais chances ela tem de reconstruir sua vida com segurança e autonomia”, conclui a psicóloga.

Foto de Rebecca Moura

Rebecca Moura

Estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e colaboradora no portal Eufêmea, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Sinturb de Jornalismo em 2021. Em 2024, obteve duas premiações importantes: primeiro lugar na categoria estudante no 2º Prêmio MPAL de Jornalismo e segundo lugar no III Prêmio de Jornalismo Científico José Marques Melo.