Anne Caroline Fidelis e Bruna Sales
Em decisão unânime, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no processo REsp 2.126.879, determinou a quebra do sigilo fiscal do devedor para permitir uma análise precisa de sua renda e ajustar a pensão alimentícia de acordo com sua capacidade econômica. A medida tem como objetivo garantir que os recursos destinados ao sustento dos filhos correspondam à real situação financeira do responsável, assegurando o direito fundamental à alimentação.
Tradicionalmente, o sigilo fiscal era considerado um direito absoluto, destinado a proteger a privacidade das informações financeiras dos contribuintes. Em processos de família, contudo, já se recorria a essa ferramenta, de forma excepcional e somente quando todas as alternativas se esgotavam por completo, o que acontecia com muita dificuldade. Essa prática era utilizada apenas em situações extremas, quando havia fortes indícios de que os números apresentados não correspondiam à realidade econômica do devedor.
Com a nova decisão, o STJ consolida essa abordagem e a sistematiza, demonstrando que, quando o sustento dos menores está em jogo, é imprescindível que o Judiciário tenha acesso a dados fidedignos para promover uma fixação de pensão mais justa e condizente com a real capacidade financeira.
Problemas e Limitações
Apesar da importância da medida, ela traz à tona algumas problemáticas significativas:
- Desvios de Rendimento: Em muitos casos, os devedores podem dispor de fontes de renda que não são oficialmente declaradas ou que sofrem desvio. Isso significa que, mesmo com a quebra do sigilo fiscal, o Judiciário terá acesso apenas à renda oficialmente declarada no imposto de renda, o que pode não refletir a totalidade dos rendimentos do alimentante.
- Renda Informal: Outra limitação é que a medida atinge exclusivamente a renda declarada, deixando de fora aquelas fontes de recursos provenientes de atividades informais ou de economia paralela, as quais podem ser relevantes para uma avaliação mais completa da capacidade econômica.
Essas questões ressaltam a necessidade de uma atuação especializada para complementação com outras estratégias investigativas e processuais, de forma que o Judiciário possa ter uma visão mais abrangente da situação financeira do devedor, evitando distorções na fixação da obrigação alimentar.
Aspectos relevantes da decisão
- Transparência e Cuidado na Análise: Ao autorizar o acesso às informações fiscais, o Judiciário pode realizar uma análise mais precisa da capacidade financeira do alimentante, possibilitando a fixação de uma pensão que atenda de forma justa às necessidades dos filhos.
- Prioridade ao Direito dos Menores: Mesmo sendo um direito protegido, o sigilo fiscal pode ser relativizado em casos específicos – quando há indícios de que os rendimentos declarados não correspondem à realidade – evidenciando que o direito à dignidade e ao sustento dos menores deve prevalecer.
- Consolidação de Precedentes: A decisão unânime da 3ª Turma reforça um entendimento já adotado de forma pontual, mas que agora se torna uma prática mais sistemática, orientando futuras demandas e contribuindo para uma interpretação mais humana e pragmática do Direito de Família.
Acesso ao Processo
Para os interessados em consultar a íntegra da decisão, o processo REsp 2.126.879 pode ser acessado diretamente por meio do link oficial do STJ.
Consulta ao Processo no STJ
Com um toque de humanidade e realismo, pode-se dizer que, se o “baú do sigilo fiscal” precisa ser aberto para revelar a verdadeira capacidade econômica, é para que nenhum filho fique sem o sustento que merece.
A decisão do STJ não é apenas uma questão técnica ou jurídica; ela representa um gesto de sensibilidade que coloca em primeiro lugar o bem-estar e a dignidade dos menores. Ao sistematizar o acesso às informações fiscais – antes utilizado com muitos óbices – o Tribunal demonstra que, na busca por justiça, é preciso equilibrar a preservação da privacidade com a efetividade dos direitos dos alimentandos, mesmo diante dos desafios impostos por rendimentos desviados ou fontes informais de renda.
Referências:
- Migalhas. Sigilo fiscal pode ser quebrado para garantir pensão a filho, fixa STJ
- Superior Tribunal de Justiça. Consulta ao Processo REsp 2.126.879