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Dia 8 de março: o dia em que as flores não bastam

Por Anne Caroline Fidelis e Bruna Sales

Nos dão flores, mas nos arrancam os direitos. Nos dizem “parabéns”, mas nos fazem provar nossa competência todos os dias. Nos dedicam homenagens vazias, enquanto sustentam um mundo que nos mata, nos estupra, nos silencia.

O 8 de março não é sobre doces palavras — é sobre luta, sobre sangue, sobre resistência.

O Mito da Celebração

O Dia Internacional da Mulher foi sequestrado por um marketing covarde que nos vende perfumes, flores e bombons, em vez de justiça. Clara Zetkin propôs a criação desse dia em 1910, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, não para ser uma data de rosas e jantares, mas para ser um grito contra a opressão.

O fogo que consumiu 129 operárias na fábrica Triangle Shirtwaist, em Nova York, em 1911, não foi um acidente: foi o resultado da ganância patriarcal que trancou as portas enquanto seus corpos ardiam.

Mas quem se lembra disso? Quem, no dia 8 de março, fala dessas mulheres?

Ocupar de verdade, o ano inteiro

Em março, vemos um movimento ensaiado nos espaços de poder: por um breve período, mulheres são colocadas à frente, ocupando posições que, no resto do ano, lhes são negadas. Um gesto simbólico, sem impacto real, que tenta mascarar desigualdades estruturais.

Não queremos assentos temporários, nem protagonismo concedido por conveniência. Queremos estar onde pertencemos o ano inteiro, com voz, com decisão e sem precisar de uma data para justificar nossa presença.

SE O ESPAÇO PODE SER CEDIDO EM MARÇO, SIGNIFICA QUE ELE NUNCA DEVERIA TER SIDO NEGADO.

Maternidade, trabalho e sangue

Simone de Beauvoir já alertava: “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.” O sistema nos quer divididas — entre as que podem se proteger e as que morrem todos os dias.

Marielle Franco, Dandara dos Santos, Margarida Alves, Maria da Penha, Angela Davis, Ruth de Souza, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro, Tarsila Gusmão — tantas outras que, como nós, desafiaram o silêncio. E que foram brutalmente silenciadas ou resistem, cotidianamente, ao apagamento.

Os números não deixam dúvidas: o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo. A cada duas horas, uma mulher é assassinada. O feminicídio tem rosto, nome e endereço. Ele mora nas nossas ruas, nos nossos lares, nas mãos de homens que nos chamam de “princesa” em público e de “puta” na intimidade.

Hoje, 9 de março de 2025, completam-se dez anos da Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015), um marco legal que reconheceu formalmente o assassinato de mulheres por razões de gênero como crime hediondo. No entanto, o que deveria representar um avanço na proteção das mulheres esbarra na dura realidade de um país onde a impunidade e a naturalização da violência ainda imperam.

Desde a promulgação da lei, os casos de feminicídio não diminuíram—ao contrário, cresceram de forma alarmante. Entre 2015 e 2022, o feminicídio aumentou 76% no Brasil, evidenciando que o reconhecimento jurídico, por si só, não é suficiente para garantir a nossa segurança.

Dez anos depois, a pergunta que se impõe é: até quando a resposta do Estado será insuficiente diante da guerra silenciosa travada contra as mulheres no Brasil?

E que liberdade nos resta quando as únicas escolhas que nos oferecem são entre sermos exploradas no trabalho ou sugadas pela maternidade compulsória?

Bell Hooks, que desafiou o feminismo elitista, já dizia: “Feminismo é para todo mundo.” Mas o que vemos? Um feminismo gourmet, higienizado, que quer nos fazer acreditar que lutar é postar uma hashtag, enquanto meninas seguem sendo estupradas em seus lares e mulheres negras continuam sendo as mais vulneráveis à violência obstétrica.

Raiva, fúria e construção

Este texto não é um apelo doce. É um soco. É um aviso.

O Eufêmea é um espaço onde essas histórias não serão varridas para debaixo do tapete. Enquanto houver desigualdade, o 8 de março será um dia de luta, não de celebração.

E para quem nos pergunta “quando é o dia do homem?”, respondemos:
Quando vocês forem mortos por serem homens.
Quando forem estuprados sistematicamente.
Quando ganharem menos pelo mesmo trabalho.
Quando precisarem justificar sua existência a cada instante.

Não queremos parabéns. Queremos respeito, queremos vida, queremos justiça.

E se isso incomoda, melhor se acostumarem: vamos incomodar ainda mais.

Referências


BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Nova Fronteira, 2019.

HOOKS, Bell. O Feminismo é para Todo Mundo. Rosa dos Tempos, 2018.

CARNEIRO, Sueli. Escritos de uma vida. Companhia das Letras, 2023.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA.

Feminicídios em 2023 atingem o maior número desde a tipificação do crime. 2024. Disponível em: https://fontesegura.forumseguranca.org.br/feminicidios-em-2023/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 9 mar. 2025.


FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Homicídios de mulheres no Brasil: números alarmantes na última década. 2023.

Disponível em: https://fontesegura.forumseguranca.org.br/homicidio-de-mulheres-no-brasil/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 9 mar. 2025

FRANCO, Marielle. Upp – A redução da favela a três letras. N-1 Edições, 2021.

DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. Boitempo, 2016.

Foto de Direito Delas

Direito Delas

Comprometidas com a defesa dos direitos das mulheres e a construção de uma justiça mais acessível e humanizada. Anne é Mestra em Sociologia pela UFAL e especialista em Direitos Humanos, Direito das Famílias, Direito Civil e Processo Civil; Bruna é Mestra em Direito Público pela UFAL, especialista em Direito do Trabalho, Doula e Analista Comportamental.