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“Ouvi piadas por ter ansiedade”: os relatos de mulheres que adoeceram e se afastaram do trabalho

O Brasil está adoecendo — e quem mais sente são as mulheres. Em 2024, o país já registra 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais, o maior número desde 2014. Os dados, revelados pelo G1 com base em informações do Ministério da Previdência Social e do INSS, mostram que 64% dessas pessoas são mulheres, com idade média de 41 anos e diagnósticos recorrentes de ansiedade e depressão.

Fatores sociais como menor remuneração, sobrecarga de trabalho, responsabilidade com o cuidado familiar e violência ajudam a explicar esse alto índice entre as mulheres. Segundo o último Censo do IBGE, de 2022, as mulheres mantêm financeiramente 49,1% dos lares brasileiros.

Isso significa que pelo menos 35 milhões de famílias no país são chefiadas por mulheres, em sua maioria com idade a partir dos 40 anos — a mesma faixa etária com maior incidência de afastamentos no trabalho por saúde mental.

“Me sentia estragada”: Bruna adiou a licença por medo

Na época em que foi diagnosticada com depressão e Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), a professora universitária Bruna Diniz prestava apoio financeiro para a filha, que morava em outro estado. O medo de perder a renda e ser demitida fez com que adiasse a licença, mesmo em meio ao sofrimento.

“Me sentia estragada, seca, incapaz. Não tirei a licença toda por medo de ser mandada embora”, lembra.

Diagnóstico ignorado e jornada insustentável

Os primeiros sinais surgiram em 2020, quando Bruna coordenava quatro cursos de graduação. Em 2021, mesmo trabalhando remotamente, passou a acumular outras funções.

“Trabalhava de segunda a segunda. Dava aula, coordenava três cursos, atuava em avaliações do MEC. Estava sempre nos três turnos”, relata.

A alta demanda eliminou o tempo para o autocuidado. Ela parou de praticar exercícios, tinha dificuldades para dormir, passou a comer compulsivamente e dependia de medicação para conseguir descansar.

“Tive pavor de abrir o WhatsApp ou o e-mail. Em 2023, desenvolvi pânico de ir presencialmente ao trabalho. Mesmo com antidepressivos, precisava de Rivotril para conter as crises de choro”, relembra.

Ao procurar o gestor para pedir apoio, ouviu que aquela era “a forma como a instituição trabalhava”. Com uma nova avaliação de curso se aproximando, procurou a psiquiatra e recebeu o diagnóstico: síndrome de burnout.

Vergonha do afastamento

A médica recomendou dois meses de afastamento. Mas Bruna, com medo do julgamento, tirou apenas duas semanas e planejou entregar suas funções de coordenação na volta. O plano não funcionou.

Ao retornar, foi surpreendida com um pedido de demissão do chefe, que alegou que Bruna “adoecia muito e entregava muitos atestados”. Ela contestou, e a demissão foi revertida. Mas o caso dela está longe de ser isolado.

Dados mostram que mulheres se afastam por um período menor que os homens — 92 dias em média, contra 105 dias deles.

Rosane: hostilidade no retorno

Foto: Cortesia

Rosane Correia, coordenadora pedagógica de 43 anos, também foi diagnosticada com ansiedade. Após o primeiro afastamento de 30 dias, recebeu uma mensagem abusiva da superior, em resposta ao envio do atestado.

“Alguns colegas passaram a me ignorar. As piadas e indiretas da direção me afetaram. Só piorei”, relata. Após nova ida ao psiquiatra, recebeu novo afastamento de 90 dias.

Atendimento sem escuta

Além do ambiente hostil no trabalho, Rosane enfrentou descaso durante a perícia médica para concessão da licença.

“A médica nem me olhou. Apenas carimbou os papéis”, lamenta. A licença de três meses só foi concedida após a apresentação de dois laudos psiquiátricos distintos.

Joana: o afastamento definitivo

Foto: Cortesia

“Desconexão, tristeza, desmotivação e sem esperança” — é assim que a professora aposentada Joana Azevêdo, 58 anos, descreve como se sentia ao ser diagnosticada com depressão.

Com apoio da família, buscou tratamento com psiquiatra e psicóloga. Mesmo assim, os sintomas persistiram. Tentou ser transferida para uma escola mais próxima de casa, mas o pedido foi negado.

Após um ano afastada, Joana aceitou a sugestão médica e pediu aposentadoria. “A decisão de procurar ajuda médica e me afastar do trabalho foi essencial para minha recuperação”, diz.

Recuperação exige tempo

Rosane reforça que a melhora não vem da noite para o dia. “Continuo em terapia, já finalizei os medicamentos. O afastamento daquele ambiente foi o melhor remédio. Quando voltei, a gestão já era outra, e hoje me sinto mais preparada”, relata.